sexta-feira, 2 de maio de 2025

A Entente anglo-russa e a formação da Tríplice Entente

As convenções anglo-russas

Em 1907, a Rússia encontrava-se enfraquecida devido à instabilidade interna que se agravou com a Revolução de 1905 e pelo esforço canalizado para a guerra contra o Japão, que acabou por terminar com uma derrota humilhante frente àquele "pequeno país". O Governo britânico continuava a preocupar-se com o programa naval alemão. A lei de 19 de maio de 1906 tinha introduzido uma emenda à Lei Naval de 1900 e essa emenda previa a construção de um número de navios de guerra superior ao que tinha sido previsto no início do século. Os Britânicos lançaram o HMS Dreadnought, o navio mais avançado para a época, em 1906.

A rivalidade naval entre o Reino Unido e a Alemanha acentuou-se em 1906. A primeira Lei Naval alemã entrou em vigor em 1897 e definia um programa de expansão da marinha alemã, explicitando o número de navios de cada classe a serem construídos até 1904 e o teto dos custos autorizados para esse programa. A Segunda Lei Naval, de 1900, estabeleceu objetivos de construção naval mais ambiciosos, aproximadamente o dobro do previsto na lei anterior. Em 1906, uma Terceira Lei Naval introduziu uma emenda à anterior, acrescentando ao efetivo planeado para a marinha de guerra alemã seis grandes cruzadores e quarenta e oito torpedeiros. Esta "corrida aos armamentos" por parte da Alemanha tinha a sua contraparte nos programas navais britânicos.

«A supremacia marítima da Alemanha deve ser reconhecida como incompatível com a existência do Império Britânico, e mesmo na eventualidade de esse Império desaparecer, a união do maior poder militar com o maior poder naval num Estado deve levar o mundo a unir-se pela libertação de tal pesadelo.» A geografia da Grã-Bretanha e a dispersão do seu Império davam um relevo especial à Royal Navy. A defesa do território britânico e do seu Império exigia uma marinha com capacidade de enfrentar as ameaças prováveis. Foi nesse sentido que, em 1889, o Parlamento britânico aprovou uma lei, a Naval Defense Act (31 de maio), que adotou o critério Two Power Standard para definir a dimensão da Royal Navy. Este conceito significava que a Royal Navy devia ser tão forte como as duas outras armadas mais fortes quando combinadas. Em 1889, essas duas armadas eram as da França e da Rússia.

O quadro seguinte [Kennedy, 1989, p. 203] mostra a tonelagem em navios de guerra das Grandes Potências, entre 1880 e 1914:

 

1880

1890

1900

1910

1914

Reino Unido

650.000

679.000

1.065.000

2.174.000

2.714.000

França

271.000

319.000

499.000

725.000

900.000

Rússia

200.000

180.000

383.000

401.000

679.000

EUA

169.000

240.000

333.000

824.000

985.000

Itália

100.000

242.000

245.000

327.000

498.000

Alemanha

88.000

190.000

285.000

964.000

1.305.000

Áustria-Hungria

60.000

66.000

87.000

210.000

372.000

Japão

15.000

41.000

187.000

496.000

700.000


A Análise dos valores apresentados mostra-nos:

  • O extraordinário aumento da tonelagem disponível para o Reino Unido, a partir de 1890 (um ano após a aprovação do Naval Defense Act) e para a Alemanha, a partir de 1900 (a primeira Lei Naval alemã entrou em vigor em 1897);
  • A fraqueza do programa russo, mesmo quando se consideram as consequências da Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905;
  • A crescente potência naval dos EUA;
  • A manutenção do critério Two Power Standard pelo Reino Unido: França+Rússia em 1880; França+Itália em 1890; novamente França+Rússia em 1900; Alemanha+França em 1910, mas já com a Entente Cordiale e as conversações entre os estados maiores da França e Reino Unido a decorrerem.

Na segunda Conferência de Haia (15 de junho a 18 de outubro de 1907) a Alemanha continuou a opor-se a um acordo para o desarmamento. O Almirante Alfred Peter Friedrich von Tirpitz (1848-1930), Chfe do Estado-Maior Naval de 1892 e Secretário de Estado da Marinha a partir de Junho de 1897, defendia que a Alemanha devia possuir uma verdadeira frota de alto mar em vez de se limitar a ter uma força de defesa costeira. Foi neste sentido que surgiram as Leis Navais alemãs (1898, 1900, 1906). O conceito de Tirpitz não era o de construir uma frota superior à do Reino Unido. Esse seria um objectivo inatingível. O conceito se Tirpitz assentava o conceito conhecido como "teoria do risco" segundo o qual «a frota alemã deveria ser suficientemente poderosa para infligir danos graves à frota da Potência naval mais forte. A Potência naval mais forte não se aventuraria a atacar a poderosa frota alemã, uma vez que a sua própria frota ficaria tão enfraquecida no processo de destruir a marinha alemã que ficaria à mercê de outras Potências navais.»

Quando Tirpitz enunciou a sua "teoria do risco", no final do século XIX, O Reino Unido estava de más relações com a França e a Rússia, principalmente por causa da expansão imperial em África e na Ásia Central. A França e a Rússia eram aliadas desde 1892 e o Reino Unido não podia deixar de cumprir o rácio estabelecido pelo Two-Power Standard para poder enfrentar uma combinação do poder naval daquelas duas Potências ou de uma delas - a Rússia, certamente - com a Alemanha. Se o Reino Unido estabelecesse um acordo com a França e a Rússia, não haveria razão para supor que aquelas Potências aproveitariam a fraqueza temporária da Royal Navy, após uma guerra naval com a Alemanha, para destruir a posição do Reino Unido no mundo. Se o Reino Unido estabelecesse acordos com a França e a Rússia, não teria necessidade de manter as mais fortes unidades da sua frota longe do Mar do Norte.

Em 1904, o Reino Unido e a França estabeleceram um acordo que ficou conhecido como Entente Cordiale. Este acordo foi posto à prova no decorrer da Crise de Marrocos de 1905-1906 e saiu reforçado dessa crise. Enquanto se davam estes acontecimentos, a Rússia viu-se envolvida numa guerra contra o Japão, de que saiu derrotada, e a braços com a Revolução de 1905 (Ver o artigo "08 A Guerra Russo-Japonesa"). Esta Revolução permitiu que a política externa da Rússia fosse dirigida por Alexander Petrovich Izvolsky (1856-1919), um monárquico constitucional que pretendia estabelecer um longo período de paz para a Rússia, para permitir o seu desenvolvimento interno. Do lado britânico, Edward Grey (1862-1933), do Liberal Party, tinha assumido a pasta de Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros a 10 de dezembro de 1905. Ambos os lados desejavam a resolução dos problemas coloniais entre as duas Potências. Os novos ministros russos estavam conscientes da necessidade de paz. Pouco antes de se tornar primeiro-ministro do Governo russo, Pyotr Arkadyevich Stolypin (1862-1911) afirmava: «a nossa situação interna não nos permite conduzir uma política externa agressiva.». Um entendimento com o Reino Unido não estaria, assim, fora de questão.

A aproximação anglo-russa parecia aos conservadores russos, tal como aconteceu com as conversações que conduziram à aliança franco-russa, uma aproximação contra-natura. Na Rússia, com um regime ainda de natureza autocrática, apesar da entrada em funcionamento de um parlamento (Duma), o Czar e os seus conselheiros conservadores encontravam grandes afinidades com o regime da Alemanha de Guilherme II, o que não acontecia relativamente à democracia liberal britânica. Contudo, os respectivos ministros dos Negócios Estrangeiros, assim como o rei Eduardo VII, desenvolveram os seus esforços no sentido de se chegar a um acordo. As questões fundamentais a resolver para que a aproximação fosse permitida prendiam-se com a expansão russa na Ásia Central e a defesa da Índia Britânica.

As negociações entre os representantes do Reino Unido e da Rússia começaram na primavera de 1906. Avançaram lentamente e houve sempre o risco de colapsarem. «O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Izvolsky, queria um acordo que lhe desse mãos livres nos Balcãs, mas os seus movimentos foram repetidamente restringidos pelos seus conselheiros militares e pelos seus próprios receios de antagonizar a Alemanha […] O Estado-Maior general ameaçou impedir a política de Izvolsky.» Para exercer pressão sobre o Governo russo, Sir Edward Grey colocou em cima da mesa a possibilidade de os Britânicos virem a admitir alterações às normas reguladoras do tráfego marítimo nos Estreitos, no caso de as conversações chegarem a bom termo. Por fim, foi possível chegar à assinatura de um acordo – Entente – formalizado com a sua assinatura, em São Petersburgo, a 31 de agosto de 1907. Assinaram o acordo, o embaixador britânico na Rússia, Sir Arthur Nicholson (1849-1928), e o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Alexandre P. Izvolsky.

Este acordo era constituído por três convenções relativas à Pérsia, ao Afeganistão e ao Tibete, cada uma delas com cinco artigos.


Convenção relativa à Pérsia

No artigo I, o Reino Unido comprometia-se a não interferir ou apoiar quaisquer intervenções, britânicas ou de terceira Potência, na zona norte da Pérsia, sendo definidos os limites. No artigo II, a Rússia tomava idêntica atitude relativamente à zona Sudeste da Pérsia. Pelo artigo III, a Rússia comprometia-se a não se opor, sem um acordo prévio com o Reino Unido, a quaisquer concessões aos súbditos britânicos na região central da Pérsia. O Reino Unido adoptava uma atitude idêntica relativamente à Rússia. Todas as concessões já existentes nas regiões indicadas nos artigos I e II (a Norte e a Sudeste) deveriam ser mantidas. Os artigos IV e V tratavam das questões relativas às dívidas da Pérsia.



A Pérsia ficava assim dividida em três regiões (ver mapa), ficando as intervenções estrangeiras nas regiões norte e sudeste da Pérsia ficar sujeitas ao acordo da Rússia e do Reino Unido respectivamente. Houve o cuidado de não referir estas zonas como “esferas de influência” embora se tratasse de territórios sobre os quais as duas Potências, Rússia e Reino Unido, gozavam de um estatuto preferencial e exerciam influência e controlo. Este cuidado foi tido na redacção do texto para que não ficasse explícita a divisão da Pérsia entre as duas Potências. O acordo relativo a esta Convenção foi atingido sem a participação do Governo da Pérsia. De igual forma, a assinatura da Convenção foi realizada sem a participação ou o conhecimento prévio daquele Governo.


Convenção relativa ao Afeganistão

No artigo I, o Governo do Reino Unido declarava não ter a intenção de alterar o estatuto político do Afeganistão e que exerceria a sua influência apenas no sentido pacífico e não encorajaria aquele país a tomar medidas que pudessem constituir uma ameaça para a Rússia. O Governo russo, por seu lado, declarava que reconhecia o Afeganistão como estando fora da sua esfera de influência e aceitava que as relações diplomáticas com o Afeganistão fossem desenvolvidas por intermédio do Reino Unido. Comprometia-se também a não enviar agentes para Afeganistão. No artigo II, o Reino Unido comprometia-se a não anexar ou ocupar qualquer parte do Afeganistão nem a interferir na administração do país. O artigo III tratava dos contactos entre as autoridades russas e afegãs para resolução das questões fronteiriças. O artigo IV reconhecia o princípio da igualdade de tratamento nas questões comerciais entre o Afeganistão e a Rússia e Reino Unido. O artigo V tratava da entrada em vigor desta Convenção. Nestes termos, a Rússia reconhecia o Afeganistão como sendo quase um protectorado britânico.

 

Convenção relativa ao Tibete

Pelo artigo I, a Rússia e o Reino Unido comprometiam-se a respeitar a integridade territorial do Tibete e a não interferirem na sua administração interna. O artigo II admitia o princípio da suserania da China sobre o Tibete. Pelos artigos III e IV, a Rússia e o Reino Unido comprometiam-se a não enviar representantes para Lhassa e ambos se comprometiam a não obter quaisquer concessões de caminhos de ferro, estradas, telégrafos, minas ou outros direitos no Tibete. O artigo V estabelecia que nenhuma parte dos rendimentos do Tibete podiam ser atribuídos à Rússia ou ao Reino Unido ou aos seus súbditos. Esta Convenção incluía um anexo que tratava da retirada das forças britânicas após o pagamento de uma indemnização de 25.000 rupias.

Texto em língua inglesa da Convenção anglo-russa relativa à Pérsia, Afeganistão e Tibete em https://en.wikisource.org/wiki/Anglo-Russian_Convention

 

A Tríplice Entente

O acordo anglo-russo assinado em 1907 permitiu erguer uma barreira de regiões tampão relativamente aos eixos de aproximação para a Índia (Pérsia, Afeganistão e Tibete). O acordo foi o instrumento que permitiu a criação da “Tríplice Entente”. Este agrupamento formado pela França, Reino Unido e Rússia não era um bloco sólido com compromissos claramente definidos num tratado tal como a Tríplice Aliança. Em vez disso, consistia em três instrumentos bilaterais separados e distintos: uma aliança entre a França e a Rússia e dois acordos que tratavam exclusivamente de assuntos extra-europeus.

O acordo anglo-francês de 1904 - a Entente Cordiale – não era dirigido contra a Alemanha; destinava-se a liquidar os diferendos entre a França e o Reino Unido no âmbito da sua expansão colonial. No entanto, as posições assumidas pela Alemanha durante a Primeira Crise de Marrocos (1905-1906) e a rivalidade naval anglo-alemã provocaram uma correcção das intenções da Entente Cordiale tendo como consequência a intensificação das relações militares anglo-francesas que se materializaram no trabalho conjunto dos respectivos estados-maiores com a finalidade de planearem o envio de uma força expedicionária britânica para o Continente em caso de conflito. Convém lembrar, no entanto, que a Alemanha detinha interesses em Marrocos.


Na Ásia Central não existiam interesses alemães e os textos das Convenções anglo-russas não continham nada que pudesse ser interpretado como dirigido contra a Alemanha. Contudo, a Europa estava a ficar dividida em dois campos rivais e o acordo anglo-russo permitiu aos alemães criarem a ideia de cerco (
Einkreisung). Esta ideia não estava presente nos objectivos expressos na aliança e nos acordos que formavam a Tríplice Entente, mas ela não deixava de se materializar segundo a perspectiva alemã. Ainda antes do início das negociações, Sir Edward Grey escreveu sobre a utilidade dos acordos do Reino Unido com a França e com a Rússia: «Se for necessário para reprimir a Alemanha, isso poderia então ser feito.»

Bibliografia

 A bibliografia aqui apresentada foi consultada por mim, com mais ou menos pormenor, conforme os temas. Certamente que existirão outras obras importantes e, por isso, a quem quiser ter a amabilidade de as indicar, sejam livros, artigos ou páginas da Internet, fico grato. Fica a ganhar quem procurar uma bibliografia sobre o tema.

Dividi esta bibliografia em três partes: livros em papel, livros digitalizados disponibilizados na Internet e artigos em publicações periódicas ou páginas na Internet.

Este é um artigo que estará sempre em atualização. Periodicamente serão acrescentados novos dados.


LIVROS EM PAPEL

  • Albrecht-Carrié, René, A Diplomatic History of Europe Since the Congress of Vienna, © 1958, Harper & Brothers, New York, 1958.
  • Anderson, M. S., The Eastern Question, The MacMillan Press Ltd, United Kingdom, 1978, ISBN 0-333-03781-2.

  • Andoin-Rouzeau, Stéphane & Becker, Jean Jacques, Encyclopédie de la Gtande Guerre, França, Bayard, 2004, ISBN 978-2-227-13945-5.

  • Asprey, Robert B., The German Hight Command at War. Hindenburg and Ludendorff and the Firs World War, Warner Books, USA, 1991, ISBN 0-7515-1038-6.
  • Barnett, Correlli, The Swordbearers. Supreme Command in the First World War, Cassel & Co, Londres, Grã-Bretanha, 2000, ISBN 0-304-35283-7.
  • Brunschwig, Henri, A Partilha da África, © 1971, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Maio de 1972.

  • Ferro, Marc, A Grande Guerra 1914-1918, Edições 70, Lisboa, janeiro, 2008, ISBN 978-972-44-1438-6.
  • Fischer, Fritz, Germany's Aims in the First World War, W. W. Norton & Company, New York, USA, 1968, ISBN 978-0-393-09798-6.
  • Fuller, John Frederick Charles, A Military History of the Western World. Volume III: From the American Civil War to the End of World War II, Da Capo Press, New York, USA, 1987, 0-306-80306-2.
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  • Gilbert, Martin, Somme. The Heroism and Horror of War, John Murray, Great Britain, 2006, ISBN0-7195-6863-3.
  • Girault, René, Diplomatie européenne. Nations et impérialismes 1871-1914, Éditions Payot & Rivages, Paris, 2004, ISBN 2-228-89919-4.
  • Guilleminault, Gilbert, Les deus faces de la Grande Guerre, Librairie Plon, Paris, 1964.
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  • Wesseling, Henri, Le partage de l'Afrique, © 1991, Éditions Denoël, folio histoire, 1996, França, ISBN 2 07 042116 3.
  • Wesseling, Henri, Les Empires coloniaux européens 1815-1919, © 2004, Éditions Gallimard, France, 2009, ISBN 978-2-07-036450-3.



LIVROS DIGITALIZADOS





ARTIGOS EM PERIÓDICOS OU NA INTERNET

  • Barroso, Luís, «A Grande Guerra em Angola. A Expedição de Alves Roçadas e de Pereira d'Eça na Estratégia Intervencionista» in Ler História, n.º 72, 2018, Centro de Estudos Internacionais, ISCTE-IUL, Portugal, pp. 129-149, in https://journals.openedition.org/lerhistoria/3524, visto em 2025-04-07.

  • Espírito Santo, General Gabriel Augusto do, «A Grande Guerra e a Arte Militar» in Revista Militar, n.º 2545/2546, fevereiro/março, 2014, pp. 137-184 in https://www.revistamilitar.pt/artigo/905, visto em 2025-04-07.
  • Gallagher, John & Robinson, Ronald, «The Imperialism of Free Trade» in The Economic History Review, vol. 6, no. 1, 1953, pp. 1–15, JSTOR, www.jstor.org/stable/2591017, visto em 2025-04-18.

A rivalidade anglo-russa na Ásia Central e no Extremo Oriente

 A rivalidade anglo-russa na Ásia Central

Entre 1223 e 1240, os principados russos não conseguiram unir-se para combater os Mongóis que, sob a liderança de Genghis Khan (c. 1162-1227), avançaram da Ásia Oriental em direção à Europa. Durante cerca de 250 anos, os Russos sofreram o domínio mongol. Em todas as desvantagens desse domínio destrutivo, merece especial realce o isolamento a que a Rússia foi votada. Entretanto, o aumento da extensão do Império Mongol e a mudança de carácter dos seus líderes ditaram a sua queda e, à medida que o domínio mongol enfraquecia foram reatados os contactos com os reinos e impérios balcânicos. Esta aproximação, contudo, foi anulada pela conquista de Constantinopla pelos Turcos em 1453. De meados do século XIII a meados do século XV, Moscóvia (o Principado com capital em Moscovo) cresceu e chamou a si a supremacia sobre os restantes Estados eslavos da Rússia.

Ivan III (1440-1505), ou Ivan o Grande, governou de 1462 a 1505 e apoderou-se dos principados vizinhos mais fracos. Com o reinado do seu neto Ivan, o Terrível (1533-1547 como príncipe de Moscóvia e 1547-1584 como czar da Rússia), os canatos (principados) mongóis de Kazan e Astrakhan foram dominados por Moscóvia. O domínio de Astrakhan conduziu à primeira guerra russo-turca, em 1569-1570. A partir de 1580, o comércio de peles começou a atrair os russos para a Sibéria e a expansão só terminou quando o Oceano Pacífico foi atingido, em 1671. Em 1742, os russos atravessaram o Estreito de Bering e iniciaram a exploração do Alasca. No seu apogeu o Império Russo incluía, além do território russo atual, a Lituânia, a Letónia, a Estónia, a Finlândia, a região do Cáucaso, a Ucrânia, a Bielorrússia, uma parte da Polónia, a Moldávia (Bessarábia) e vastos territórios na Ásia Central. A Crimeia, onde se deram os principais acontecimentos militares da guerra em 1853-1856 e hoje se encontra sob controverso domínio russo, foi conquistada em 1783, poucos anos depois de terem conseguido a sua independência do Império Otomano.

Neste processo de expansão, a Rússia conquistou posições na Ásia Central. O seu objetivo é alvo de controvérsia. Pretendiam os russos chegar à Índia ou obter uma saída para o Oceano Índico? O general Silvestre dos Santos (ver bibliografia) cita Peter Hopkirk em The Great Game – The struggle for empire in Central Asia: «O objetivo real da Rússia era, não a Índia, mas Constantinopla: para manter a Grã-Bretanha sossegada na Europa, devia mantê-la ocupada na Ásia.». O conjunto das ações desenvolvidas pela Rússia e pelo Reino Unido na Ásia Central, no âmbito da expansão russa e da defesa da Índia pelos Britânicos, ficaram conhecidas como o “Grande Jogo”, um termo atribuído a Arthur Connolly (1807-1842), escritor, explorador e agente do serviço de informações britânico, e que ele utilizou para descrever o conflito entre Britânicos e Russos pela supremacia na Ásia Central ao longo do século XIX. O historiador britânico Malcolm Edward Yapp (1931-) explica-nos o significado daquela expressão:

«Tanto no uso popular como no uso académico o termo tem dois significados. O primeiro, com um sentido mais restrito, refere-se às alegadas atividades dos agentes secretos britânicos e russos na Ásia Central, agentes enviados para colherem informações de valor militar e político e talvez para lançar as fundações da influência política sobre os povos da região. No seu segundo e mais alargado sentido refere-se á rivalidade da Grã-Bretanha e da Rússia na Ásia Central e envolve a questão da defesa da Índia Britânica contra uma possível invasão vinda de Noroeste. A origem da utilização académica do termo numa Raleigh Lecture na British Academy, a 10 de novembro de 1926, pelo professor H. W. C. Davis, intitulada The Great game in Asia (1800-1844), que era uma descrição dos acontecimentos que conduziram à primeira Primeira Guerra do Afeganistão e sobre a própria guerra. […] Davis encontrou o termo “grande jogo” numa carta escrita no final de julho de 1840 por um agente político britânico, Capitão Arthur Connolly, para o Major Henry Rawlinson […] agente político em Qandahar […]: “You’ve a great game, a noble game before you”.»

Podemos dizer que se gerou entre os Impérios Britânico e Russo uma “guerra fria” em que os dois grandes antagonistas não chegaram a confrontar-se no terreno, mas que procuraram utilizar outros atores para servirem os seus interesses. Foi neste âmbito que se deu a Primeira Guerra do Afeganistão (1839-1842), as guerras com o Império Sique (1845-1846 e 1848-1849), a Guerra Anglo-Persa (1856-1857) e a Segunda Guerra Anglo-Afegã (1878-1880). A política britânica que conduziu a estas guerras foi amplamente debatida no Reino Unido nos anos trinta do século XIX. Os Britânicos deviam decidir se iriam manter as fronteiras então existentes ou avançar na Ásia Central; se deviam formar estados tampão ou evitar qualquer acordo na região e contar apenas com o poder britânico; se deviam fazer um esforço militar na Ásia Central ou em alguma outra parte do mundo; se deviam opor-se à Rússia ou procurar um acordo com ela.

Só três décadas mais tarde, quando a Rússia avançou no Turquestão, foi definita a estratégia utilizada até 1907: os Britânicos iriam obter posições avançadas, colocando na Ásia Central agentes britânicos e indianos com a missão de produzirem informações, esforçando-se por estabelecerem estados tampão na Pérsia e Afeganistão, sem excluir a possibilidade de acordos com a Rússia. Os Britânicos consideraram que, para atingirem a Índia, os Russos necessitavam de utilizar uma ou mais rotas que permitisse o avanço de forças com dimensão suficiente, que pudessem concentrar-se quando necessário e que permitissem estabelecer uma linha de comunicações eficaz para a sobrevivência dessas forças. Existiam duas rotas que permitiam que uma força russa de dimensão adequada atingisse a Índia:

  • A primeira rota partia de Orenburg, na Ásia Central Russa, nas margens do rio Ural, passava por Khiva, no atual Uzbequistão, e chegaria a Khiva, no norte do Afeganistão, após uma viagem que, nas estradas acuais, totaliza quase cerca de 2.900 Km. A partir de Balkh, a força invasora deveria seguir a rota para Cabul, a quase 450 Km de distância, e daí para Jalalabad, já próximo da fronteira com a Índia. O Passo de Khyber seria a via pela qual atravessaria as montanhas na atual fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão e chegaria rapidamente a Pexauar e ao Rio Indo.
  • A segunda rota, mais para Ocidente, implicava a conquista de Herat no noroeste do Afeganistão. Daí seguiriam o percurso Kandahar e Quetta, mais a sul qua a primeira rota. A entrada no território do atual Paquistão seria feita pelo Desfiladeiro de Bolan.

Com ponto de partida em Orenburgo, a segunda rota é substancialmente mais curta, mas a primeira permitia melhor abastecimento de água e evitava confrontos com os Turcomenos que habitavam o atual Turquestão, o nordeste do Irão e noroeste do Afeganistão. Em qualquer dos casos seria necessário passar pelo Afeganistão e, por isso, os Britânicos desenvolveram o interesse em manterem o Afeganistão como um estado tampão, estratégia já iniciada na primeira metade do século XIX quando se deu a Primeira Guerra Anglo-Afegã, mas que não correu da melhor forma aos Britânicos. Aliás, a tradição da resistência afegã vinha de há muitos séculos: Alexandre, o Grande (356-323 a.C.) conquistou um império imenso que incluía o Império Persa, lançou incursões na Índia, mas, embora tenha atravessado o território, nunca conseguiu conquistar o Afeganistão (a Província Bactro-Sogdiana do Império Persa). Genghis Khan abandonou a empresa perante a resistência dos povos afegãos. Muito tempo depois, um oficial britânico afirmava que «se os afegãos, como nação, estiverem determinados a resistir aos invasores, as dificuldades tornar-se-iam intransponíveis» razão pela qual os Britânicos tinham todo o interesse em manter um Afeganistão unido, com capacidade de oferecer uma resistência apreciável aos invasores russos.

No Usbequistão, em 1865, os Russos anexaram formalmente Tashkent, a atual capital daquele país; também anexaram Bukhara e Samarcanda, na parte oriental, em 1868, e Khiva, em 1870, junto à fronteira com o Turquemenistão. Tinham conseguido estabelecer uma base a partir da qual poderiam ameaçar a independência da Pérsia e do Afeganistão e, portanto, a Índia Britânica. Em 1878, a Rússia conseguiu colocar uma missão diplomática em Cabul, o que foi recusado aos Britânicos. A grande influência que a Rússia estava a ter no Afeganistão levou os Britânicos a agirem dando origem à Segunda Guerra Anglo-Afegã (1878-1880). No final, os Britânicos conseguiram afastar a influência russa e estabelecer um governo favorável e estável no Afeganistão.

A Rússia não deixou, no entanto, de avançar para sul. Em 1881, no Turquemenistão, conquistaram Geok-Tepe e, três anos depois, Merv. O Turquemenistão passou a constituir a província Transcaspiana da Rússia. Entretanto, os Russos tinham iniciado a construção de uma via férrea em direção a Merv. Este facto causou grande preocupação aos britânicos porque esta infraestrutura podia fazer chegar rapidamente tropas à fronteira com o Afeganistão. Nesta altura estava já em funcionamento a Joint Anglo-Russian Boundary Commission (Comissão conjunta anglo-russa para a fronteira afegã) que, com o trabalho desenvolvido em 1884, 1885 e 1886 permitiu obter um acordo sobre as fronteiras apesar dos numerosos incidentes verificados durante os trabalhos da comissão. Neste processo os Afegãos nunca foram chamados a intervir.

Todos estes passos foram dados pelos Britânicos para defenderem a Índia de uma provável invasão dos Russos. Mas «poucos de cada lado acreditavam que uma invasão russa fosse provável e na realidade todas as provas sobre a Rússia mostravam que não existia uma invasão planeada: ambos os lados acreditavam que o principal perigo vinha da insatisfação interna na Índia Britânica e que a abordagem da Rússia exacerbaria o perigo existente, forçaria a Grã-Bretanha a manter uma guarnição maior e tornaria a Índia não rentável para manter.» Todas as expedições em direção à fronteira da Índia teriam como objetivo, não a invasão da Índia, mas servirem de catalisadores de insurreições, forçando os Britânicos a aumentar os efetivos das suas guarnições, o que os obrigaria a reduzirem as forças disponíveis para enfrentarem a Rússia no Médio Oriente ou nos Balcãs.

No dia 10 de setembro de 1885 foi assinado em Londres o Delimitation Protocol Between Great Britain and Russia (Protocolo de Delimitação Entre a Grã-Bretanha e a Rússia) que definia a fronteira norte do Afeganistão. Até 1888 foram estabelecidos 19 protocolos adicionais a delimitarem certas zonas da fronteira em mais detalhe. A Rússia foi obrigada a abandonar parte do território conquistado no seu avanço para sul. A 12 de Novembro de 1893, foi assinado em Cabul um Acordo entre o Reino Unido e o Afeganistão, que reconfirmava o Acordo de 1873 e introduzia mais alguns dados relativos à delimitação das fronteiras. Através de uma troca de notas, a 11 de março de 1895, a Rússia e a Grã-Bretanha estabeleceram um acordo em que definiam as esferas de influência britânica e russa a leste do lago Sari-Qul (Zorkul), o que envolvia também o Afeganistão, a Índia Britânica e a China. A 10 de Setembro de 1895, a fronteira entre o Afeganistão e o Império Russo ficou definida através de um novo conjunto de protocolos.

 

A rivalidade anglo-russa no Extremo Oriente

Na década de 1850, a expansão russa para o Oriente foi feita ao longo do Amur, rio que hoje materializa parte da fronteira entre a Rússia e a China. Em 1860, os Russos fundaram a cidade portuária de Vladivostok, na costa do Mar do Japão, perto da atual fronteira com a China e com a Coreia do Norte. A sua localização não favorecia os Russos por duas razões: porque, com uma temperatura média anual de 4.9º C, o gelo de Inverno impedia a normal navegação dos navios que utilizavam o porto e porque a saída para o Oceano Pacífico era facilmente controlada pelo Japão.

A Rússia tinha a ambição de aceder aos recursos e mercados do Extremo Oriente antes que as outras Grandes Potências o conseguissem e para isso necessitava de um transporte mais rápido. O caminho de ferro construído entre São Petersburgo e Vladivostok percorre cerca de 9.600 Km enquanto os navios que liguem estas duas cidades terão de percorrer à volta de 25.000 Km se transitarem pelo Canal de Suez ou 32.000 se seguirem a rota do Cabo. No início do século XX, um comboio demoraria entre quinze a vinte dias a percorrer aquela distância (hoje demora seis ou sete dias) enquanto um navio demoraria mais de um mês pela rota mais curta.

Mapa do Extremo Oriente em 1900. Imagem original em https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/37/The_Americana_-_a_universal_reference_library%2C_comprising_the_arts_and_sciences%2C_literature%2C_history%2C_biography%2C_geography%2C_commerce%2C_etc._of_the_world_%281903%29_%2814763639145%29.jpg

As Grandes Potências europeias estavam já empenhadas em obter a sua parte do decadente Império Manchu. Os Alemães foram os primeiros a solicitar uma base naval e uma estação de carvão na costa norte da China para poderem abastecer e fazer a manutenção da sua frota do Extremo Oriente. A Rússia obteve em 1895 a permissão para se instalar em Poto Arthur. O Reino Unido tinha, ao entrar no século XX, o território de Hong-Kong, desde 1841, e as concessões de Xiamen, desde 1852, Tianjin, desde 1860, Hankou, Jiujing, Zhenjiung e Guangzhou, desde 1861, e o território arrendado em Weihaiwei, desde 1895 (ver o artigo «8 - A Guerra Russo-Japonesa». Na região, Bélgica, Itália, Portugal, França e Japão detinham igualmente, sob vários estatutos, territórios na China.

Em 1903-1904, o Reino Unido invadiu o Tibete. A questão que aqui se colocava era em muitos aspetos idêntica à do Afeganistão, ou seja, evitar que a Rússia exercesse aí a sua influência e conseguisse estabelecer uma base para invasão da Índia. Perante tal possibilidade (remota), o Governo britânico pretendeu transformar o Tibete em mais um estado tampão. O fracasso das negociações com o governo do Tibete levou à invasão em 1903 pelas forças da Índia Britânica. A retirada destas forças só foi realizada após a conclusão de um acordo, em 1907, apesar de este território fazer parte do Império Chinês desde o século XVII.

A principal oposição entre a Rússia e o Reino Unido no Extremo Oriente resultava da diferente política económica e da forma como as Potências entendiam que podiam explorar os recursos chineses. Enquanto a Rússia pretendia apropriar-se de território onde tencionava manter o exclusivo das suas atividades, o Reino Unido defendia uma política de Porta Aberta, defendendo que deveriam existir as mesmas condições comerciais para as Grandes Potências na China. Em 1904-1905, durante a Guerra Russo-Japonesa, o Reino Unido, aliado do Japão, limitou a sua intervenção ao campo da diplomacia.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

A rivalidade anglo-russa no Médio Oriente

A Europa no início do século XX

No início do século XX, as Grandes Potências Europeias alinhavam-se em dois sistemas de alianças e acordos. De um lado a Tríplice Aliança, formada em 1882, pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália; do outro lado, a Aliança Franco-Russa, estabelecida em 1892. O Reino Unido quebrou a sua política de “esplêndido isolamento” ao realizar uma aliança com o Japão, em 1902, enquanto na Europa, a aproximação à França não foi além de um acordo, a “Entente Cordiale”, direcionado para a resolução de conflitos coloniais. A entente entre o Reino Unido e a França foi posta à prova durante a Primeira Crise de Marrocos (1905-1906), tornando-se mais sólida e dando origem a conversações entre os Estados-Maiores britânico e francês tendo em vista a eventualidade de uma guerra na Europa. Mesmo neste último caso, não existiu mais do que um acordo que a nada obrigava o Reino Unido. A Rússia, abalada pela derrota sofrida na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) e a braços com a Revolução de 1905, procurava criar condições para uma recuperação económica e militar. Assim, a França mantinha uma “ligação forte” com a Rússia, sob a forma de aliança defensiva, e uma “ligação fraca” com o Reino Unido, sob a forma de “entente”.

O grande desenvolvimento industrial que então se verificava facilitou o estabelecimento das Potências europeias em quase toda a África e muitas regiões da Ásia. Tanto no Médio Oriente como no Extremo Oriente, as Potências europeias encontraram um campo propício aos seus investimentos, normalmente sustentados pela força militar. Entretanto, dois Estados não europeus, os Estados Unidos da América e o Japão, ganhavam relevo entre as Grandes Potências do mundo, com destaque para os EUA. As principais Grandes Potências eram ainda europeias, mas as relações internacionais, isto é, as interações entre Estados - entidades inteiramente soberanas – ganharam uma dimensão verdadeiramente mundial. Esta nova amplitude das relações internacionais, que já vinha a ganhar forma ao longo do século XIX, exigia mais e melhores comunicações o que correspondeu ao aumento significativo da quantidade e da qualidade dos meios de comunicação e de transporte, recursos materiais e infraestruturas que exigiam avultados recursos financeiros que o Governo russo obtinha nos mercados internacionais, especialmente em França.

Após a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), Bismarck construiu um sistema de alianças que permitiu manter a paz na Europa, favorável à sua política de desenvolvimento do recém-formado Império Alemão. Esta afirmação é verdadeira ao excluirmos os conflitos nos Balcãs, o que inclui a Guerra Russo-Turca de 1877-1878. A subida ao trono alemão de Guilherme II, em 1888, a saída de cena de Bismarck em 1890 e a sua substituição por governantes de qualidade muito inferior à daquele estadista, conduziram a transformações importantes na política alemã que, em termos de Negócios Estrangeiros, enveredou abertamente pela Weltpolitik (Política Mundial), que procurou aumentar a influência da Alemanha no cenário internacional e teve como consequência a criação de novos focos de tensão que, na Europa, tiveram o seu ponto alto nas crises de Marrocos (1905-1906 e 1911) ou a Anexação da Bósnia pela Áustria-Hungria em 1908.

 

A rivalidade anglo-russa

No quadro que acabámos de descrever, entre o Reino Unido e a Rússia existiam zonas de atrito: o Médio Oriente, por causa da Turquia e do controlo dos Estreitos do Bósforo e Dardanelos; a Ásia Central, porque os Britânicos viam na expansão russa uma ameaça à Índia; o Extremo Oriente, porque o Império Chinês era, embora de forma diferente, objeto de cobiça para ambas as Potências.

 

A rivalidade anglo-russa no Médio Oriente

O objetivo russo no Médio Oriente era materializado por Constantinopla. Dominar a capital do Império Otomano significava dominar os Estreitos do Bósforo e de Dardanelos, ou seja, dominar a passagem entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo e, desde novembro de 1869, ter acesso fácil ao Canal de Suez. Este é um objetivo que os Russos perseguem, pelo menos, desde finais do século XVII. Com a Guerra Russo-Turca de 1768-1774, os Russos conquistaram o sul do Mar Negro e, em 1783, anexaram a Crimeia que, nove anos antes, com a ajuda dos Russos, tinha ganho a sua independência do Império Otomano. Estes factos aconteceram durante o reinado de Catarina a Grande (1729-1796). Nesse mesmo ano começou a ser construída a base naval de Sebastopol onde os Russos sediaram a sua frota do Mar Negro. Os navios de guerra russos estavam agora a dois dias de Constantinopla.

O bom relacionamento entre a Rússia e o Reino Unido manteve-se até 1853, apesar dos avanços russos em direção ao Afeganistão e à Índia causarem receio aos Britânicos. Estes preocupavam-se particularmente com a nova linha férrea russa, então parcialmente construída, que se estendia até às fronteiras do Afeganistão e da Pérsia e que, quando concluídas, tornariam possível a Rússia transportar rapidamente as suas forças para aquelas regiões, o que exigiria esforços redobrados aos Britânicos. Em 1827, uma esquadra russa participou com as esquadras francesa e britânica na Batalha de Navarino (20 de outubro) durante a Guerra da Independência da Grécia (1821-1829).

Quando, em 1844, o czar Nicolau I (1796-1855) visitou a rainha Vitória em Londres, houve conversações entre as duas Potências das quais resultou um acordo para ambas cooperarem perante o colapso do Império Otomano, que parecia iminente, ou no caso de este ser atacado por qualquer outra Potência. Entretanto ambas as Potências concordaram em tentar manter o Império Otomano e ambas concordaram em discutirem um acordo sobre as ações a tomar no caso de se tornar claro que não seria possível garantir a sua existência. Este foi um acordo puramente verbal e muito vago no que respeita às ações a tomar e ao seu timing.

A visita de Nicolau I à Grã-Bretanha ocorreu entre 31 de maio e 9 de junho. Em setembro, Karl Nesselrode (1780-1872), o ministro dos Negócios Estrangeiros russo foi a Londres e apresentou um memorando que continha os termos do acordo verbal entre os dois governos, mas, para os Britânicos, o acordo obtido em junho não era mais que «a series of polite generalities rather than a basis for action.» George Hamilton-Gordon, 4º conde de Aberdeen (1784-1860), Secretary of State for Foreign Affairs, limitou-se a declarar que esperava que as ideias contidas no memorando continuassem presentes em futuras negociações sobre o Médio Oriente. Desta forma, a ligação ao que fora acordado com Nicolau I apenas comprometia o Governo de Sir Robert Peel (1788-1850). Os sucessores de Peel entenderam não estarem comprometidos com esse acordo.

Importância do Mediterrâneo Oriental e do Canal do Suez para a “Rota da Índia” (britânica). Imagem original em https://marsemfim.com.br/wp-content/uploads/2017/04/mapa-2.jpg.webp.

 A “questão dos Lugares Santos”, na Palestina, mostrou a fragilidade das relações entre a Rússia e o Reino Unido. Jerusalém, Nazaré e Belém encontravam-se integradas no Império Otomano. A guarda e manutenção dos Lugares Santos estava a cargo de monges católicos e ortodoxos e, no início do século XIX, os monges ortodoxos adquiriram uma posição preponderante nesta tarefa porque o número de peregrinos da Igreja Ortodoxa era muito superior ao da Igreja Católica e das diversas igrejas protestantes. Os governos russo e francês empenharam-se em apoiar estes peregrinos e os respetivos monges, mas gerou-se uma rivalidade entre Russos e Franceses sobre o controlo dos Lugares Santos. O Governo Otomano, cuja fraqueza não lhe permitia impor soluções, procurou equilibrar a situação, mas os Franceses exerceram pressão e enviaram um navio de guerra para Constantinopla. A Rússia exigiu assumir a responsabilidade por todos os Lugares Santos no Médio Oriente. Nicolau I enviou instruções ao representante russo junto do governo otomano: «se a Turquia não ceder, então o embaixador extraordinário deve ameaçar com a destruição de Constantinopla e a ocupação dos Dardanelos.»

Este despacho de Nicolau I mostra as verdadeiras intenções da Rússia, que pouco tinham a ver com os Lugares Santos, os monges ou os peregrinos. É certo que o Governo russo era pressionado para tratar essa questão, mas esta não podia justificar uma invasão da Turquia. O controlo dos Estreitos e o acesso da marinha de guerra russa ao Mediterrâneo eram a causa real desta atitude. Perante a ameaça à integridade do Império Otomano, a França e o Reino Unido apoiaram o Sultão que rejeitou as propostas russas. Os Russos avançaram com as suas tropas para a Moldávia e Valáquia (atual Roménia), então sob suserania turca. A 23 de Outubro de 1853, a Turquia declarou guerra à Rússia.

Uma esquadra turca foi destruída em Sinope, a 30 de novembro, pela frota russa do Mar Negro. A 3 de Janeiro de 1854, com autorização dos Turcos, as esquadras francesa e britânica atravessaram os estreitos e entraram no Mar Negro. Foram desencadeadas ações diplomáticas para obrigar os Russos abandonarem os territórios conquistados, mas sem resultado. A 10 de abril, a França e o Reino Unido assinaram um tratado de aliança a que aderiu também a Turquia e, no dia seguinte, a Rússia declarou guerra à França e ao Reino Unido. Tinha início a Guerra da Crimeia que opôs a França, o Reino Unido e a Turquia contra a Rússia. A partir de janeiro de 1855, ao Reino da Sardenha entrou na guerra ao lado das Potências aliadas.

A Guerra da Crimeia terminou com a derrota da Rússia que foi obrigada a aceitar os termos do armistício assinado em Paris a 28 de fevereiro de 1856 e do Tratado de Paris de 30 de março desse ano. Este tratado era composto por trinta e cinco artigos, uma Convenção relativa aos Estreitos do Bósforo e de Dardanelos e uma Convenção relativa «ao número e à força dos navios de guerra que as Potências costeiras manterão no Mar Negro». O artigo 10.º do Tratado de Paris referia que as normas estabelecidas no Tratado de Londres de 13 de Julho de 1841 – sobre o encerramento dos Estreitos – eram revistas por comum acordo das Potências signatárias (do Tratado de Paris de 1856) e remetia o texto com as alterações adotadas para uma Convenção em anexo, a Convention des Dètroits cujo artigo 1.º estipulava o seguinte:

«ARTICLE PREMIER. – Sa Majesté le Sultan, d’une part, declare qu’il a la ferme résolution de maintenir, à l’avenir, le principe invariablement établi comme règle de son Empire, et en vertu duquel il a été de tout temps défendu aux bâtiments de guerre des Puissances étrangères d’entrer dans les détrits des Dardanelles et du Bosphore, et que, tant que la Porte se trouve en paix, Sa Majesté n’admettra aucun bâtiment de guerre étranger dans les dits détroits.

Et Leur Majestés l’Empereur des Français, l’Empereur d’Autriche, la Reine du Royaume-Uni, de la Grande-Bretagne et d’Irlande, le Roi de Prusse, l’Empereur de toutes les Roussies et le Roi de Sardaigne, de l’autre part, s’engagent à respecter cette détermination du Sultan et à se conformer au principe ci-dessus énoncé.»

Para além das restrições ao trânsito de navios de guerra nos Estreitos, o Tratado de Paris estipulava no seu artigo 11º que o Mar Negro ficaria “neutralizado”, ou seja, eram impostas limitações severas à existência de meios navais de guerra naquele mar. A Convenção relativa ao Mar Negro, em anexo ao Tratado, definia os termos dessas restrições:

«ARTICLE PREMMIER. – Les Hautes Parties contractantes s’engagent mutuellment à n’avoir dans la mer Noire d’autres bâtiments de guerre que ceux dont le nombre, la force et les dimensions sont stipulés ci-après.

Art. 2. – Les Hautes Parties contractantes se réservent d’entretenir chacune, dans cette mer, six bâtiments à vapeur de cinquante mètres de longueur à la flottaison, d’un tonnage de huit cents tonneaux au maximum, et quatre bâtiments légers à vapeur ou à voile, dúne tonnage qui ne dépassera pas deux cents tonneaux chacun

A Rússia perdia desta forma a possibilidade de manter uma frota de guerra no Mar Negro. O objetivo do Reino Unido, o de impedir o acesso da marinha de guerra russa ao Mediterrâneo, ficava então reforçado porque o Tratado de 1856 acrescentava a neutralização do Mar Negro às restrições já existentes no Tratado de Londres de 1841. Após a abertura do Canal de Suez, em novembro de 1869, estas disposições tiveram especial importância relativamente à proteção da rota da Índia já que a utilização daquela obra permitia à marinha britânica economizar 8.200 Km na viagem entre a Grã-Bretanha e a Índia. Já a frota russa do Báltico teria de atravessar os estreitos entre a Dinamarca e a Península da Escandinávia e de enfrentar a Royal Navy no Mar do Norte para chegar a outras regiões do Globo.

Após a Guerra da Crimeia, a Grã-Bretanha e a Rússia encontravam-se nitidamente em campos opostos no que respeita às questões do Médio Oriente que, na época, estava dominado pelo Império Otomano. Os Estreitos e, portanto, Constantinopla, continuavam na mira dos russos. «A fixação com a capital otomana foi […] uma constante no Império Russo, que a denominava de Tsargrado, a “cidade de César”, tanto por seu simbolismo como por sua importância em relação aos estreitos».

O Tratado de Paris viria a ser denunciado pela Rússia em 1871. Com a atenção europeia concentrada na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), o chanceler russo Alexander Gorchakov (1798-1893), com o apoio de Bismarck, denunciou as disposições do Tratado de Paris que os Russos consideravam vexatórias por não lhes permitirem dispor de uma frota de guerra ou fortificações costeiras no Mar Negro. Os Britânicos protestaram e foi realizada uma conferência internacional em Londres, em março de 1871, para tratar este tema. Os Russos conseguiram manter a sua posição. Ficava revogado o princípio da neutralidade do Mar Negro.

No conflito entre a Rússia e a Turquia, em 1877-1878, o Reino Unido voltou a tomar posição em defesa da integridade da Turquia. Assinado o Tratado de San Stefano (1878), foram a Áustria-Hungria e a Grã-Bretanha que forçaram a Rússia a recuar e a participar no Congresso de Berlim que alterou muitas das disposições de San Stefano. Esta derrota diplomática da Rússia levou a opinião pública russa a reagir contra a Áustria-Hungria, Alemanha e Reino Unido. As relações entre o Reino Unido e a Turquia, no entanto, degradaram-se porque a Turquia não avançou com as reformas necessárias e acordadas com as Grandes Potências europeias. Entretanto, o líder do Partido Liberal, William Ewart Gladstone (1809-1898), que sucedeu ao Conservador Benjamim Disraeli (1804-1881) em 1880, aceitou a necessidade de manter o Império Otomano, mas apenas porque o seu colapso envolvia uma grande ameaça para a paz na Europa e porque se opunha a que a Rússia dominasse Constantinopla.

No dia 11 de julho de 1878, dois dias antes de terminar o Congresso de Berlim, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Robert Gascoyne-Cecil, 3º marquês de Salisbury (1830-1903), tinha declarado que as obrigações do Reino Unido relativamente ao fecho dos Estreitos estavam limitadas a um acordo para respeitar a independência das decisões do Sultão sobre o assunto, embora essas decisões se devessem conformar com o espírito dos tratados em vigor. Isto significava que o Sultão podia autorizar uma frota britânica a passar através dos Estreitos para entrarem no Mar Negro. O representante russo, Pavel Andreyevich Shuvalov (1830-1908), fez saber que era entendimento do Governo russo que as obrigações resultantes da aplicação dos trados aplicavam-se a todas as Potências europeias, umas em relação às outras e não meramente ao Sultão. A declaração britânica não teve outro efeito imediato para além de acentuar o sentimento antibritânico na Rússia.

O ambiente de desconfiança entre os governos turco e britânico acentuou-se e a influência britânica no Império Otomano entrou inevitavelmente em declínio relativamente a outras Potências europeias. O Governo turco voltou-se abertamente para a Alemanha e para a Áustria-Hungria, com quem tentou uma aliança. A ideia foi afastada por ambas as Potências para não hostilizarem a Rússia, um dos elementos da, ainda existente, Liga dos Três Imperadores. No entanto, foram firmados alguns acordos e, em 1882, alguns oficiais alemães, sob a direção do general Colmar von der Goltz (1843-1916), seguiram para Constantinopla com a missão de treinarem e desenvolverem o exército turco. Ao contrário dos Britânicos, os Alemães não mostraram interesse nas reformas políticas do Império Otomano.

«A entrada da Rússia na Liga dos Três Imperadores foi em grande parte o produto do seu receio e antipatia pela Grã-Bretanha.» Foi neste cenário que os Russos, tendo presente a declaração de Salisbury a 11 de novembro de 1878, procuraram estabelecer um acordo com a Turquia para a defesa dos Estreitos. O acordo não foi realizado, mas nos anos seguintes as relações turco-russas melhoraram significativamente. O mesmo não aconteceu com as relações anglo-russas na região e o Império Russo continuou a sua expansão gradual na Ásia.

As Conferências de Haia, 1899 e 1907

Existiram várias Convenções de Haia. Para o tema que estamos a tratar é importante referir as Convenções de 1899 e de 1907, oficialmente chamadas “Convenção sobre a Resolução Pacífica de Controvérsias Internacionais (1899)” e com o mesmo título a de 1907. Com as Convenções de Genebra, as Convenções de Haia foram realizadas para clarificar e codificar as regras relativas à limitação de armas, à ocorrência e à conduta da guerra, num corpo de leis internacionais. Esteve planeada uma terceira conferência para 1914, mas a situação de guerra que então se iniciou obrigou a reagendá-la para o ano seguinte – o que mostra a ideia errada que ainda existia sobre o que seria um conflito generalizado – não chegando a ser realizada. As Convenções de Haia de 1899 e de 1907 foram os primeiros tratados multilaterais relativos à conduta da guerra. Os textos redigidos em 1899 basearam-se principalmente no Lieber Code, em vigor nas forças da União por iniciativa do presidente Abraham Lincoln, a 24 de abril de 1863, durante a Guerra Civil Americana (12 abril 1861 – 9 maio 1865). Os textos do Lieber Code tinham já sido adotados por várias instituições militares na Europa.

A primeira Conferência surgiu por proposta de Nicolau II da Rússia (1868-1918). Começou a 18 de maio e terminou a 29 de julho de 1899. A ata final da Conferência (Convenção respeitante às Leis e Costumes da Guerra) continha cinco artigos e um anexo (Regulamentos respeitantes às Leis e Costumes da Guerra em Terra) constituído por sessenta artigos divididos em quatro Secções (Sobre os Beligerantes, sobre os Doentes e Feridos, sobre a Autoridade Militar em Território Hostil, sobre o Internamento dos Beligerantes e o Cuidado dos Feridos em Países Neutrais).

 

Primeira Convenção de Haia (1899)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%B5es_da_Haia_(1899_e_1907)#/media/Ficheiro:The_First_International_Peace_Conference,_the_Hague,_May_-_June_1899_HU67224.jpg

A Segunda Conferência, convocada por sugestão do presidente dos EUA, Theodore Roosevelt (1858-1919), para 1904, acabou por ser adiada devido à Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) e foi realizada entre 16 de junho e 18 de outubro de 1907. Esta Conferência tinha como objetivo expandir as convenções de 1899, alterando algumas partes e acrescentando novos tópicos. Teve como resultado um conjunto de convenções que continham poucos avanços relativamente à Primeira Conferência.

Ambas as conferências incluíram negociações respeitantes a desarmamento, leis de guerra e crimes de guerra. Em ambas foi tentada a criação de um tribunal internacional obrigatório para a mediação das disputas internacionais e em ambas falhou este objetivo por oposição da Alemanha e alguns países que a seguiram. Contudo, o Tribunal Permanente de Arbitragem, criado em 1899, passou a dispor de mais meios para a arbitragem voluntária a que as Potências podiam recorrer. Em 1907, foi dada maior atenção às questões navais. Os Britânicos tentaram garantir a limitação dos armamentos, mas não tiveram sucesso perante a oposição da Alemanha e seus aliados. A Alemanha temia que os britânicos conseguissem fazer aprovar uma convenção que impedisse o crescimento da sua frota.

Na preparação para a Segunda Conferência de Haia, a questão do desarmamento foi discutida no Parlamento britânico, que emitiu uma declaração afirmando que «a grande e crescente despesa feita com armamentos condicionava o crédito nacional e comercial, adicionava ao problema do desemprego a diminuição de recursos disponíveis para as reformas sociais e era um fardo particularmente pesado para as classes trabalhadoras.» Faltava dar passos concretos a favor do desarmamento e esses passos teriam de ser uma iniciativa do Reino Unido ou seria muito mais difícil caminhar nesse sentido já que, como afirmava Sir Edward Grey, todos estavam à espera uns dos outros. No entanto, as propostas de Grey não tiveram muita aceitação no Governo alemão. Parte da opinião pública conservadora na Alemanha estava disposta a aceitar uma limitação temporária de armamentos por forma a poupar dinheiro para as obras de alargamento do Canal de Kiel e outras obras importantes.

Um artigo publicado no Kölnische Zeitung explicava a relutância da Alemanha em aceitar a limitação de armamentos no que respeitava aos recursos navais. No artigo era afirmado que o armamento da Alemanha não podia ser medido pelos mesmos critérios do Reino Unido ou da França, dado que a frota alemã se encontrava no estádio inicial de desenvolvimento. Sendo assim, a Alemanha defendia que as outras Potências deviam permitir o desenvolvimento dos seus armamentos navais até ao mesmo nível que aquelas Potências. A Alemanha receava que o Reino Unido utilizasse a Segunda Conferência de Haia para a obrigar a manter a sua frota no nível alcançado até aí.

O processo para a redução ou limitação de armamentos era complexo e difícil de ser aceite por cada uma das partes quando os pontos de vista eram tão divergentes, mas os Britânicos tinham dado um passo importante. Um ano antes da realização da Conferência, em julho de 1906, os Britânicos anunciaram que iriam reduzir a construção de quatro para três navios e que a construção de um destes três seria suspensa e poderia ser cancelada se as Potências participantes na Conferência de Haia aceitassem a redução de armamentos. A proposta britânica não foi bem-aceite interna e externamente. Internamente, porque muitos receavam que o Reino Unido perdesse a supremacia naval, garante da sua independência. Externamente, porque outras Potências, como, por exemplo, a Alemanha e a França, consideravam que deviam primeiro recuperar o atraso em que se encontravam no desenvolvimento das suas frotas. «O ponto de vista da Bélgica era de que a Grã-Bretanha estava simplesmente à procura de uma forma barata de manter a sua supremacia naval.»

A frota russa tinha sido destruída na guerra com o Japão (1904-1905) e não houve oposição a que a Rússia reconstruisse a sua marinha. A marinha alemã não sofrera um desastre como o que sucedeu com a da Rússia, mas não tinha atingido ainda a dimensão que os Alemães consideravam adequada para a sua defesa. Nesta situação, o Governo alemão não desejava negociar a limitação de armamentos, tanto mais que o Reino Unido já deixara claro que pretendia manter a supremacia naval e estava preparado para suportar os custos elevados dessa política. Um aumento na construção naval alemã conduziria a um aumento correspondente na construção naval britânica e o caminho seguido por estas duas Potências arrastaria outras no mesmo sentido. Se a Grã-Bretanha pretendia continuar a ter a supremacia naval, qual das outras Grandes Potências tomaria a iniciativa de, voluntariamente, impor restrições no que respeita ao seu próprio programa de desenvolvimento naval?

Tanto o Reino Unido como a Alemanha subscreveram as convenções produzidas na Segunda Conferência de Haia, mas estas não significaram mais que um tímido avanço relativamente à primeira. A discussão sobre a limitação de armamentos morreu. O relacionamento entre as duas Potências era francamente amistoso ao nível das respetivas casas reais, mas não ao nível dos respetivos governos.

Os textos relativos às Conferências de Haia, em língua inglesa, podem ser consultados em https://avalon.law.yale.edu/subject_menus/lawwar.asp.

As Conferências de Haia (1899 e 1907) tiveram carácter inovador no campo da diplomacia e das relações internacionais porque tiveram como instigadores os movimentos pacifistas que se organizaram no âmbito da sociedade civil do século XIX. Caracterizaram-se pela abertura das sessões à imprensa, que deu grande relevo às sessões e aos temas nelas tratados, bem como à aplicação do princípio igualitário de um voto por cada delegação. Desta forma, foram criados os precedentes para a prática diplomática das conferências multilaterais: um sistema de comissões para organizar os trabalhos e reportá-los ao plenário, uma comissão de redação e uma Ata Final.

Uma explicação mais técnica deste tema encontra-se no Portal Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa, com o título «Conferência de Paz» em https://portaldiplomatico.mne.gov.pt/relacoesbilaterais/paises-geral/conferencia-da-paz.