sexta-feira, 2 de maio de 2025

O incidente de Casablanca (1909)

A Conferência de Algeciras, realizada entre 16 de janeiro e 7 de abril de 1906, na sequência da Primeira Crise de Marrocos (1905-1906), não resolveu as principais questões relativamente à intervenção das Potências europeias naquele território. Terá evitado um eventual confronto entre as Potências, e reforçou a posição francesa, mas não permitiu a imposição de um sistema de protetorado tal como era ambicionado pela França. Embora estivesse sempre presente uma certa desconfiança e um estado de alerta por parte da Alemanha e da França, estas duas Potências conseguiram resolver de forma pacífica alguns problemas que, entretanto, surgiram e até estudaram formas de cooperação no campo económico, em Marrocos. Para ilustrar esta afirmação podemos analisar os casos do "incidente de Casablanca" e da "Convenção de Marrocos de 1909". A questão verdadeiramente grave surgiu quando a França teve de intervir na capital marroquina e a Alemanha decidiu aproveitar a situação para obter compensações coloniais em África.

O incidente de Casablanca

A cidade marroquina de Casablanca estava ocupada por forças da Legião Estrangeira Francesa. Esta força militar tinha sido criada por decreto de 9 de março de 1831, onde selia «Il sera formé une légion compossé d’etrangers», quando era Ministro da Guerra de França (Secrétaire d’Etat au Département de la Guerre) o Marechal Nicolas Jean-de-Dieu Soult (1769-1851), o mesmo que comandou as tropas napoleónicas durante a Segunda Invasão Francesa de Portugal (1809). A Legião Estrangeira foi então formada por todos os corpos de tropas estrangeiras que serviam no Exército Francês. O 4.º Batalhão da Legião Estrangeira era formado por tropas portuguesas e espanholas.

A Legião Estrangeira Francesa sofreu muitas alterações ao longo dos anos e nas várias intervenções militares em que participou, em muitas partes do mundo. Em Marrocos, a Legião esteve presente desde 1907 até 1956, quando Marrocos readquiriu a sua independência. O primeiro corpo expedicionário da Legião desembarcou em Casablanca, a 7 de agosto. Pouco tempo depois, chegaram novas unidades daquele corpo de tropas. A sua missão era a de pacificar o território marroquino onde as lutas pelo poder se tinham agravado com a resistência à crescente presença francesa.

Na Legião Estrangeira, tal como na generalidade das forças militares, foram registadas deserções. No dia 25 de setembro de 1908, seis desertores da Legião Estrangeira, três deles com a nacionalidade alemã, tentaram embarcar num navio alemão utilizando salvo-condutos emitidos pelo Consulado Alemão. Os desertores foram reconhecidos por funcionários franceses das instalações portuárias, tendo sido necessário utilizar meios violentos para conseguir a sua prisão, apesar de estarem acompanhados pelo Chanceler do Consulado.

Este acontecimento criou uma controvérsia entre a França e a Alemanha. Os Franceses alegaram que a Alemanha só podia oferecer proteção em Marrocos a pessoas de nacionalidade alemã. Com este argumento, os três desertores não alemães ficavam excluídos da proteção alemã. No entanto, os Franceses também alegaram que o território de Marrocos sob ocupação militar por parte da França estava sujeito exclusivamente à jurisdição francesa e, por esta razão, os três desertores alemães deviam prestar contas à Justiça francesa, não tendo a Alemanha nenhuma autoridade para os proteger.

A Alemanha entendia, por seu lado, que os tratados em vigor permitiam-lhe exercer jurisdição extraterritorial em Marrocos e, sendo assim, os três desertores alemães encontravam-se sujeitos exclusivamente à jurisdição do Cônsul alemão em Casablanca. Também alegou que a prisão forçada e violenta dos desertores punha em causa a inviolabilidade dos agentes consulares. Com estes argumentos, a Alemanha exigia a libertação dos desertores de nacionalidade alemã.

Pouco mais de um mês após estes acontecimentos, a França e a Alemanha chegaram a um acordo e, a 10 de novembro de 1908, os representantes de ambos os governos assinaram um protocolo segundo o qual ambas as partes concordavam em sujeitar esta questão a um processo de arbitragem, o que significava envolver uma terceira parte na resolução do problema. Recorreram então ao processo de arbitragem conforme o que se encontrava em vigor nas instâncias internacionais então existentes, o Tribunal Permanente de Arbitragem.

A arbitragem é uma forma de resolução de conflitos praticada desde a Antiguidade e foi utilizada com frequência na Idade Média, mas caiu em desuso com o aparecimento dos Estados modernos e voltou a ser utilizada com mais frequência no final do século XIX e início do século XX. Portugal recorreu ao processo de arbitragem para a resolução das questões de Bolama (em 1870), na atual Guiné-Bissau, e da Baía de Lourenço Marques, em Moçambique (1875). Em ambos os casos, os árbitros eram ou tinham sido chefes de Estado: o general Ulysses S. Grant (1869-1877), presidente dos Estado Unidos da América, no caso de Bolama, e o Marechal Patrice de Mac Mahon (1808-1893), presidente da República Francesa, em 1875.

A Conferência de Paz que tinham decorrido em Haia, em 1899, permitiu a criação do Tribunal Permanente de Arbitragem. Após ter sido escolhido o coletivo de personalidades (árbitros) que iria analisar o problema, as reuniões decorreram entre 1 e 19 de maio de 1909 e a sua decisão foi conhecida a 22 de maio. Em termos gerais, a decisão do Tribunal de Arbitragem dava razão à França e foi acatada pela Alemanha. Este acontecimento põe em evidência a possibilidade de, naquela época, recorrer a instituições internacionais para resolver este tipo de questões. Devemos ter em atenção, no entanto, que não se tratava de uma questão de ocupação ou anexação de algum território, ou, de forma mais específica, não se tratava de atribuir território a uma dessas Potências europeias sem que, de alguma forma, fossem atribuídas compensações às demais Potências.


Sem comentários:

Enviar um comentário