Uma das cláusulas do Tratado de Frankfurt (1871) impunha o pagamento pela França de uma indemnização à Alemanha no valor de cinco mil milhões de francos. Tratava-se de uma quantia muito avultada e Bismarck associou esse pagamento a dois objetivos: dificultar a recuperação francesa e financiar o desenvolvimento da indústria alemã. O prazo para pagamento terminava em março de 1874, mas a França negociou o pagamento antecipado em troca de uma saída mais rápida das tropas de ocupação. Em 1871 tinham-se verificado incidentes entre franceses e ocupantes. Estes incidentes provocaram a ameaça de intervenção por parte de Bismarck. Foi para evitar este tipo de conflitos que Adolphe Thiers, negociou a antecipação do pagamento e da evacuação das tropas alemãs. A 29 de junho de 1872 foi assinada a convenção que autorizou a antecipação dos pagamentos. No ano seguinte, em março, foi assinada uma segunda convenção em que se estabelecia o acordo para os últimos pagamentos e a retirada das últimas tropas de ocupação, seis meses mais cedo que o que tinha sido estabelecido no Tratado de Frankfurt.
Thiers resignou ao cargo de Presidente a 24 de maio de 1873
e sucedeu-lhe Mac Mahon. A chegada dos monárquicos ao poder desagradou
profundamente a Bismarck por duas razões: porque uma França republicana
encontraria maiores obstáculos ao estabelecimento de alianças com as monarquias
europeias e porque a ideia de revanche estava muito mais presente nos
meios monárquicos. Com a formação do governo da coligação conhecida como Ordre
Moral surgiram outras causas de atrito entre a França e a Alemanha.
Com raízes mais antigas, agudizou-se na década de 1870, na
Alemanha, o conflito entre o Governo alemão e a Igreja Católica pelo controlo
de escolas e nomeações para a hierarquia da Igreja, conflito que ficou
conhecido como Kulturkampf. Para o governo de Bismarck tratava-se de
fortalecer o poder central do Império Alemão, predominantemente prussiano e
protestante, mas dentro do qual o sul da Alemanha, a Alsácia-Lorena e as
províncias polacas eram predominantemente católicas. Em 1871 foi abolido o
departamento católico no Ministério dos Cultos. Em 1873 o controlo da Educação
passou a ser exclusivo do Estado e os Jesuítas foram expulsos do Império. No
ano seguinte foi igualmente decretada a expulsão de outras ordens. Em maio
deste ano foram publicadas as leis que regulavam a nomeação para os cargos
eclesiásticos, que restringiam os poderes disciplinares da Igreja e facilitavam
os procedimentos para aqueles que desejassem abandonar o seu serviço. Estas
leis não só restringiam os poderes da Igreja Católica como previam as sanções a
aplicar para as situações de incumprimento e tiveram como consequência a
perseguição a muitos clérigos. Estas perseguições infligidas aos católicos
provocaram os protestos dos bispos de Nîmes e de Angers. Bismarck exigiu ao
governo francês que agisse contra esses bispos.
Estes acontecimentos criaram um momento de tensão grave nas
relações entre a França e a Alemanha, mas não devemos considerar que só por si
eles poderiam desencadear uma nova guerra. Já a reorganização do Exército
Francês foi vista como uma ameaça para a Alemanha. Esta reorganização resultou
de duas leis, uma de 1872, que instaurou um serviço militar obrigatório, em geral, de cinco anos, e outra de março de 1875 que, embora mantendo os efetivos, aumentava o número de batalhões em tempo de paz e permitia a formação
de mais oficiais e sargentos. Com estas leis e um sistema que permitisse uma
rápida mobilização das reservas, a França conseguiria aprontar para uma
campanha um número maior de unidades militares e com maior rapidez. A lei de
março de 1875 foi entendida por Bismarck como uma preparação da França para uma
guerra contra a Alemanha, possibilidade que aproveitou para, utilizando a
imprensa, mobilizar a opinião pública alemã e fazer crer aos Franceses que não
deviam prosseguir com aquela reorganização militar.
Este mal-estar nas relações entre a Alemanha e a França foi
motivo de conversa entre Élie de Gontaut-Biron (1817-1890), embaixador francês
em Berlim, e Joseph Maria Friedrich von Radowitz (1839-1912), embaixador alemão
em Atenas. Gontaut-Biron explicou que a lei de março de 1875 não pretendia
possibilitar um ataque da França à Alemanha, mas Radowitz retorquiu: «se a
vingança está no pensamento íntimo da França - e é seguramente o que se passa -
porque havemos de esperar que recupere as suas forças e faça alianças, para
atacar? Terá de concordar que [...] estas deduções têm fundamento e que a
Alemanha tem de refletir sobre elas.»[1]
O facto de Radowitz ser familiar de Bismarck deixou
Gontaut-Biron ainda mais preocupado com esta resposta e deu conhecimento dela
ao seu Ministro dos negócios Estrangeiros, Élie-Louis Decazes (1780-1860). O
Governo Francês tomou consciência da gravidade da situação, pois a ideia
transmitida por Radowitz teria, muito provavelmente, sido considerada pelo
Governo Alemão e não seria apenas fruto de um pensamento pessoal lançado sem
intenção numa conversa de salão. O Governo Francês considerou a possibilidade
de suspender a lei de março de 1875 a fim de não dar qualquer pretexto à
Alemanha, mas não o fez e pediu o apoio do Reino Unido e da Rússia.
O Primeiro-ministro britânico, Benjamin Disraeli
(1804-1881), garantiu o apoio diplomático à França e solicitou ao Governo
Alemão que assegurasse à Europa que não existia nenhuma intenção de iniciar uma
guerra. Disraeli tentou, portanto, esclarecer as intenções da Alemanha por
forma a manter um clima de paz na Europa. O Czar Alexandre II (1818-1881), no
entanto, assumiu uma atitude mais ativa. O problema de Alexandre II eram as
consequências de uma guerra entre a França e a Alemanha. A França continuava
isolada e o mais provável seria a guerra resultar numa vitória alemã, o que
implicaria a hegemonia alemã no Continente, ou seja, um desequilíbrio do poder
militar entre as potências europeias. Sendo assim, Alexandre II deslocou-se a
Berlim, onde chegou a 10 de maio de 1875 na companhia do seu chanceler, Mikhail
Alexandrovich Gorchakov (1839-1897). Houve uma reunião em que estiveram
presentes Alexandre II, Gorchakov e Bismarck. Não existem registos da conversa
entre estas personalidades, mas Gorchakov deu a garantia a Gontaut-Biron de que
a Alemanha não iria desencadear uma guerra preventiva contra a França.
A República Francesa continuou a implementar as reformas por
forma a reconstruir o seu poder militar. Também não é credível que Bismarck
pretendesse mais do que pressionar a França por forma a evitar que esta se
tornasse uma potência militarmente mais forte e pudesse, no futuro, desencadear
uma guerra para recuperar a Alsácia-Lorena. Bismarck teria
certamente consciência de que as outras potências, tal como a Rússia, não
aceitariam um ataque à França desencadeado pela Alemanha. Com esta crise,
Bismarck ficou bem ciente das fraquezas reveladas pelo Acordo dos Três
Imperadores.
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