terça-feira, 11 de março de 2025

A invasão da Líbia

 

O território que hoje constitui a Líbia esteve dividido durante muito tempo em duas prvíncias:

  • Tripolitânia, ao longo da costa ocidental, com a capital em Tripoli;
  • Cirenaica, ao longo da costa oriental, com a capital em Bengazi.

Estes eram territórios costeiros. O interior, maioritariamente deserto, era conhecido como Fazzan e, até ao século XX fugiu ao controlo administrativo de Tripoli, a capital de todo este conjunto (atual capital da Líbia). As guarnições militares otomanas que no início do século XX ainda existiam na região estavam localizadas ao longo da costa.

Este território tinha sido capturado pelos Otomanos em meados do século XVI. Quando o Egito passou a ser controlado pelos Britânicos, a Líbia ficou isolada do resto do Império. No final do século XIX, o território foi objeto de competição dos interesses franceses e italianos, tal como acontecera com a Tunísia que, em 1881, foi ocupada pelos Franceses. Com a ocupação da Tunísia, muitos italianos estabeleceram-se na Líbia e ali fizeram os seus investimentos. Tratavam-se, pois, de investimentos feitos por uma Potência europeia - a Itália – num território que, embora gozasse de uma grande autonomia, pertencia ao Império otomano.

As relações entre o Reino de Itália e o Império Otomano começaram a deteriorar-se quando os italianos que viviam em Tripoli recusaram aceitar a soberania judicial otomana. Noutras regiões, por exemplo no Egito ou em Marrocos, os cidadãos europeus ali residentes estavam sujeitos a um tratamento jurisdicional diferenciado dos naturais da região. Em algumas regiões otomanas onde a presença europeia era mais antiga e mais desenvolvida existia o sistema das capitulações que, para além de várias vantagens a nível económico, atribuía aos cidadãos europeus a faculdade de se manterem sob a jurisdição dos respetivos consulados.

A Itália já tinha sondado as outras Grandes Potências europeias sobre a possibilidade de se apoderar da Líbia. Não houve oposição às ambições territoriais da Itália, mas a Alemanha, aliada da Itália na Tríplice Aliança, desejava uma aproximação ao Governo Otomano e a invasão da Líbia pela Itália poderia pôr em causa este objetivo. No entanto, a relação entre a Alemanha e o Império Otomano sofreu uma quebra quando, em 1908, se deu a Revolução dos Jovens Turcos. O novo Governo turco não desejava que os interesses italianos se expandissem mais na região e impediu os colonos italianos de adquirirem mais territórios na região.

No dia 23 de setembro de 1911, o Governo italiano enviou ao Governo otomano um protesto formal referindo perseguições aos italianos residentes na Líbia. Os Otomanos conheciam os objetivos italianos e ofereceram a possibilidade de abrir novas concessões económicas e a garantia de segurança dos cidadãos italianos residentes na Líbia. Contudo, paralelamente às diligências diplomáticas, o Governo otomano enviou recursos militares para a Líbia. A Itália não aceitou a resposta otomana e declarou guerra ao Império Otomano a 29 de setembro de 1911. Rapidamente as forças italianas desembarcaram na Líbia e ocuparam as cidades costeiras.

As poucas tropas otomanas existentes na Líbia não conseguiram impedir a invasão italiana do território e retiraram para o interior a partir de onde desenvolveram ações de resistência a uma maior penetração italiana. A situação alterou-se quando os Sanusis, uma tribo da Líbia e da região do Sudão, se juntou aos otomanos na luta contra os italianos. Depressa as tropas italianas ficaram confinadas a algumas posições costeiras onde dispunham do apoio de fogos dos navios de guerra italianos. Contudo, não conseguindo resolver a situação na Líbia e enfrentando problemas internos, o Governo italianos começou a agir contra outros territórios otomanos: Beirute, no atual Líbano, foi bombardeada em fevereiro de 1912; vários fortes que defendiam a entrada do Estreito de Dardanelos foram também bombardeados em maio desse ano; as ilhas atualmente conhecidas como Dodecaneso, no Mar Egeu, foram ocupadas por tropas italianas; os portos otomanos do Mar Vermelho foram bloqueados; uma flotilha de cinco torpedeiros italianos forçou a entrada no Estreito de Dardanelos, em julho de 1912. As ações militares poderiam ter sido prolongadas, mas o início da Primeira Guerra Balcânica no outono de 1912 levou o Império Otomano a aceitar que não tinha condições para continuar a defender os seus territórios africanos.

No dia 18 de outubro de 1912, no palácio de Ouchy, Lausanne, Suíça, foi assinado um tratado entre a Itália e o Império Otomano, com onze artigos dos quais interessa destacar – de forma resumida os três primeiros: o artigo 1 tratava da cessação imediata das hostilidades; o artigo 2 tratava da retirada das tropas e pessoal civil otomano da Líbia e retirada das tropas e pessoal civil italiano das ilhas Dodecaneso; o artigo 3 referia-se à troca de prisioneiros de guerra.

["Treaty of Peace Between Italy and Turkey." The American Journal of International Law 7, no. 1 (1913): 58-62.  https://www.jstor.org/stable/2212446?seq=1#metadata_info_tab_contents Visto em 2020 janeiro 20]

Quando as tropas turcas deixaram a Líbia, deixaram para trás não apenas as armas, mas também muitos homens e asseguraram aos Sanussi que, enquanto resistissem aos italianos, iriam continuar a receber apoio da Turquia. Os Italianos, por sua vez, não abandonaram as ilhas Dodecaneso. Como a guerra se prolongou pelos anos seguintes, os italianos empenharam tropas africanas da Eritreia, então uma colónia italiana. Apesar dos esforços feitos, só depois da Primeira Guerra Mundial a Itália conseguiu dominar a maior parte do território.

A Rússia mostrou simpatia pela ação italiana porque, tendo em vista a possibilidade de controlar os Estreitos, o enfraquecimento do Império Otomano contribuía para esse objetivo. A França manteve uma atitude reservada porque, embora emergindo reforçada da Segunda Crise de Marrocos, ainda não tinha estabelecido o protetorado sobre aquela região. O Reino Unido, signatário dos Acordos do Mediterrâneo (12 fevereiro 1887) segundo os quais aceitava que a Tripolitana pertencia à esfera de influência da Itália enquanto esta apoiaria os britânicos no Egito, não desejavam antagonizar a Itália, pelo que se mantiveram em silêncio sobre o assunto.

A Alemanha também não desejava antagonizar a Itália, sua parceira na Tríplice Aliança e com a contribuição de quem contava nos seus planos para um possível conflito na Europa. No entanto, os seus interesses no Império Otomano estavam em crescimento e estava em execução uma estratégia para exercer ali uma crescente influência económica e militar. Nesta situação, o conflito entre a Itália e o Império Otomano era encarado com apreensão. A Áustria-Hungria não desejava ver a Itália envolvida na questão dos Balcãs e quando as ilhas Dodecaneso foram ocupadas e a Itália ameaçou levar a guerra ainda mais longe, na Península Balcânica, o Chefe do Estado-Maior General austríaco, Conrad von Hötzendorf, chegou a propor uma guerra contra a Itália. No entanto, terá sido a possibilidade de uma intervenção militar da Itália nos Balcãs, quando se iniciava a Primeira Guerra Balcânica, que levou os Turcos à mesa de negociações [GERWARTH & MANELA, 2014, p. 38].


BIBLIOGRAFIA citada:

GERWARTH, Robert & MANELA, Erez (Editores), Empires at War 1911-1923, © 2014, Oxford University Press, New York, United States of America, ISBN 978-0-19-873493-2.



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