Existiram várias Convenções de Haia. Para o tema que estamos a
tratar é importante referir as Convenções de 1899 e de 1907, oficialmente
chamadas “Convenção sobre a Resolução Pacífica de Controvérsias Internacionais
(1899)” e com o mesmo título a de 1907. Com as Convenções de
Genebra, as Convenções de Haia foram realizadas para clarificar e codificar as
regras relativas à limitação de armas, à ocorrência e à conduta da guerra, num
corpo de leis internacionais. Esteve planeada uma terceira conferência para
1914, mas a situação de guerra que então se iniciou obrigou a reagendá-la para
o ano seguinte – o que mostra a ideia errada que ainda existia sobre o que
seria um conflito generalizado – não chegando a ser realizada. As Convenções de
Haia de 1899 e de 1907 foram os primeiros tratados multilaterais relativos à
conduta da guerra. Os textos redigidos em 1899 basearam-se principalmente no Lieber Code, em vigor nas
forças da União por iniciativa do presidente Abraham Lincoln, a 24 de abril de
1863, durante a Guerra Civil Americana (12 abril 1861 – 9 maio 1865). Os textos
do Lieber Code tinham já
sido adotados por várias instituições militares na Europa.
A primeira Conferência surgiu por proposta de Nicolau II da Rússia
(1868-1918). Começou a 18 de maio e terminou a 29 de julho de 1899. A ata
final da Conferência (Convenção respeitante às Leis e Costumes da Guerra)
continha cinco artigos e um anexo (Regulamentos respeitantes às Leis e Costumes
da Guerra em Terra) constituído por sessenta artigos divididos em quatro
Secções (Sobre os Beligerantes, sobre os Doentes e Feridos, sobre a Autoridade
Militar em Território Hostil, sobre o Internamento dos Beligerantes e o Cuidado
dos Feridos em Países Neutrais).
Primeira Convenção de Haia (1899)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%B5es_da_Haia_(1899_e_1907)#/media/Ficheiro:The_First_International_Peace_Conference,_the_Hague,_May_-_June_1899_HU67224.jpg
A Segunda Conferência, convocada por sugestão do presidente dos
EUA, Theodore Roosevelt (1858-1919), para 1904, acabou por ser adiada devido à Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) e foi realizada entre 16 de junho e 18 de
outubro de 1907. Esta Conferência tinha como objetivo expandir as convenções de
1899, alterando algumas partes e acrescentando novos tópicos. Teve como
resultado um conjunto de convenções que continham poucos avanços relativamente
à Primeira Conferência.
Ambas as conferências incluíram negociações respeitantes a
desarmamento, leis de guerra e crimes de guerra. Em ambas foi tentada a criação
de um tribunal internacional obrigatório para a mediação das disputas
internacionais e em ambas falhou este objetivo por oposição da Alemanha e
alguns países que a seguiram. Contudo, o Tribunal Permanente de Arbitragem,
criado em 1899, passou a dispor de mais meios para a arbitragem voluntária a
que as Potências podiam recorrer. Em 1907, foi dada maior atenção às questões
navais. Os Britânicos tentaram garantir a limitação dos armamentos, mas não
tiveram sucesso perante a oposição da Alemanha e seus aliados. A Alemanha temia
que os britânicos conseguissem fazer aprovar uma convenção que impedisse o
crescimento da sua frota.
Na preparação para a Segunda Conferência de Haia, a questão do
desarmamento foi discutida no Parlamento britânico, que emitiu uma declaração
afirmando que «a grande e crescente despesa feita com armamentos condicionava o
crédito nacional e comercial, adicionava ao problema do desemprego a diminuição
de recursos disponíveis para as reformas sociais e era um fardo particularmente
pesado para as classes trabalhadoras.» Faltava dar passos concretos a
favor do desarmamento e esses passos teriam de ser uma iniciativa do Reino
Unido ou seria muito mais difícil caminhar nesse sentido já que, como afirmava
Sir Edward Grey, todos estavam à espera uns dos outros. No entanto, as
propostas de Grey não tiveram muita aceitação no Governo alemão. Parte da
opinião pública conservadora na Alemanha estava disposta a aceitar uma
limitação temporária de armamentos por forma a poupar dinheiro para as obras de
alargamento do Canal de Kiel e outras obras importantes.
Um artigo publicado no Kölnische
Zeitung explicava a relutância da Alemanha em aceitar a limitação de
armamentos no que respeitava aos recursos navais. No artigo era afirmado que o
armamento da Alemanha não podia ser medido pelos mesmos critérios do Reino
Unido ou da França, dado que a frota alemã se encontrava no estádio inicial de
desenvolvimento. Sendo assim, a Alemanha defendia que as outras Potências
deviam permitir o desenvolvimento dos seus armamentos navais até ao mesmo nível
que aquelas Potências. A Alemanha receava que o Reino Unido utilizasse a
Segunda Conferência de Haia para a obrigar a manter a sua frota no nível
alcançado até aí.
O processo para a redução ou limitação de armamentos era complexo
e difícil de ser aceite por cada uma das partes quando os pontos de vista eram
tão divergentes, mas os Britânicos tinham dado um passo importante. Um ano
antes da realização da Conferência, em julho de 1906, os Britânicos anunciaram
que iriam reduzir a construção de quatro para três navios e que a construção de
um destes três seria suspensa e poderia ser cancelada se as Potências
participantes na Conferência de Haia aceitassem a redução de armamentos. A
proposta britânica não foi bem-aceite interna e externamente. Internamente,
porque muitos receavam que o Reino Unido perdesse a supremacia naval, garante
da sua independência. Externamente, porque outras Potências, como, por exemplo, a Alemanha e a França, consideravam que deviam primeiro recuperar o atraso em que
se encontravam no desenvolvimento das suas frotas. «O ponto de vista da Bélgica
era de que a Grã-Bretanha estava simplesmente à procura de uma forma barata de
manter a sua supremacia naval.»
A frota russa tinha sido destruída na guerra com o Japão
(1904-1905) e não houve oposição a que a Rússia reconstruisse a sua marinha. A
marinha alemã não sofrera um desastre como o que sucedeu com a da Rússia, mas
não tinha atingido ainda a dimensão que os Alemães consideravam adequada para a
sua defesa. Nesta situação, o Governo alemão não desejava negociar a limitação
de armamentos, tanto mais que o Reino Unido já deixara claro que pretendia
manter a supremacia naval e estava preparado para suportar os custos elevados
dessa política. Um aumento na construção naval alemã conduziria a um aumento
correspondente na construção naval britânica e o caminho seguido por estas duas
Potências arrastaria outras no mesmo sentido. Se a Grã-Bretanha pretendia
continuar a ter a supremacia naval, qual das outras Grandes Potências tomaria a
iniciativa de, voluntariamente, impor restrições no que respeita ao seu próprio
programa de desenvolvimento naval?
Tanto o Reino Unido como a Alemanha subscreveram as convenções
produzidas na Segunda Conferência de Haia, mas estas não significaram mais que
um tímido avanço relativamente à primeira. A discussão sobre a limitação de
armamentos morreu. O relacionamento entre as duas Potências era francamente
amistoso ao nível das respetivas casas reais, mas não ao nível dos respetivos
governos.
Os textos relativos às Conferências de Haia, em língua inglesa,
podem ser consultados em https://avalon.law.yale.edu/subject_menus/lawwar.asp.
As Conferências de Haia (1899 e 1907) tiveram
carácter inovador no campo da diplomacia e das relações internacionais porque
tiveram como instigadores os movimentos pacifistas que se organizaram no âmbito
da sociedade civil do século XIX. Caracterizaram-se pela abertura das sessões à
imprensa, que deu grande relevo às sessões e aos temas nelas tratados, bem como
à aplicação do princípio igualitário de um voto por cada delegação. Desta
forma, foram criados os precedentes para a prática diplomática das conferências
multilaterais: um sistema de comissões para organizar os trabalhos e
reportá-los ao plenário, uma comissão de redação e uma Ata Final.
Uma explicação mais técnica deste tema encontra-se no Portal Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa, com o título «Conferência de Paz» em https://portaldiplomatico.mne.gov.pt/relacoesbilaterais/paises-geral/conferencia-da-paz.
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