domingo, 16 de março de 2025

A Europa e o Império Alemão

No dia 18 de janeiro de 1871 concretizou-se a unificação da Alemanha. Guilherme II da Prússia foi aclamado Imperador e, nesta qualidade, passou a ser designado por Guilherme I da Alemanha. Estava assim criada uma nova entidade política que assumia a supremacia no Continente europeu, qualidade que até aí tinha pertencido à França. A supremacia não significava, portanto, a impossibilidade de ser derrotado num confronto com outra ou outras potências. Se o poder militar da Alemanha era suficiente para enfrentar qualquer das outras potências europeias, já o mesmo não se poderia dizer se confrontada com uma coligação de potências e, muito especialmente, se essa coligação obrigasse a uma guerra em duas frentes, como poderia ser o caso de uma aliança entre a França e a Rússia.

Concluída a paz com a França nos termos do Tratado de Frankfurt (10 de maio de 1871), Bismarck teve a preocupação de trabalhar no sentido de manter o status quo, ou seja, consolidar a unificação da Alemanha e a sua posição na Europa por forma a garantir a segurança e a continuação do desenvolvimento económico. A anexação das províncias da Alsácia e Lorena, por insistência dos generais prussianos, para tornarem mais defensável o Império Alemão, foi a última alteração de fronteiras. Bismarck não pretendia quaisquer outros ganhos territoriais à custa da França. As futuras alterações no mapa político da Europa, que ocorreram em 1878, 1908, 1912 e 1913, iriam verificar-se nos Balcãs.  Para os objetivos do chanceler alemão, no que respeitava a relações internacionais, manter o status quo envolvia:

  • O isolamento da França;
  • A manutenção de boas relações com a Áustria e a Rússia.

Com estes objetivos, Bismarck procurava, por um lado, evitar a ameaça de uma guerra em duas frentes contra uma aliança franco-russa e, por outro lado, não se envolver numa hipotética guerra entre a Rússia e a Áustria por causa dos conflitos de interesses nos Balcãs. Um acordo com a Áustria e a Rússia manteria a Alemanha num círculo de três Grandes Potências, num mundo de cinco, o que significava que não existia, fora desse acordo, capacidade para atacar a Alemanha. Por outro lado, Bismarck pretendia manter fortes as forças conservadoras, dominantes nos governos da Áustria e da Rússia, contra os movimentos socialistas e republicanos que constituíam uma ameaça para a estabilidade dos regimes nestas potências.

Existiam ameaças aos objetivos de Bismarck. Era precisamente nas forças mais conservadoras de França, a ala direita da política francesa, onde a ideia de revanchisme se mantinha mais forte. As forças conservadoras são mais agressivas e militaristas que as forças republicanas e, por isso, era mais fácil para a Alemanha desenvolver o seu relacionamento com uma república liberal.

Figura 6: A Europa em 1871. Ver mapa em tamanho original (2,284 × 1,503 pixels) em https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dd/Europe_1871_map_en.png

 A 4 de Setembro de 1870, a notícia da derrota francesa na Batalha de Sedan, três dias antes, e da captura de Napoleão III pelas tropas prussianas, provocou em Paris uma insurreição que teve como consequência a queda do Segundo Império e a proclamação da República. A guerra, com todas as suas consequências - políticas, institucionais, económicas e sociais - agravadas pela criação das comunas, em especial da Comuna de Paris (18 de março a 28 de maio de 1871), causaram na sociedade francesa um forte desejo de paz e estabilidade que se traduziu, nas eleições de fevereiro de 1871 para a Assembleia Nacional, numa clara vitória dos partidos monárquicos: 415 representantes num total de 645[1]. Contudo, os partidários da monarquia estavam divididos e a escolha, feita pela Assembleia Nacional, de um chefe do poder executivo para governar a nova República, ainda com um estatuto provisório, recaiu sobre Adolphe Thiers (1797-1877), antigo primeiro-ministro monárquico, mas que se apresentou então como independente. Thiers tinha discordado da declaração de guerra à Prússia e acreditava agora que a unidade nacional exigia uma república. Nas eleições de 1876, os republicanos conseguiram 55,7% dos votos, o que se traduziu em 371 lugares num total de 526[2].

Adolphe Thiers negociou o Tratado de Frankfurt (10 de maio de 1871) e ordenou a supressão da Comuna de Paris. No governo da República, «fez um jogo político ambíguo e subtil»[3] de que os republicanos souberam tirar proveito. No cargo de Presidente da República Francesa, Thiers definiu-se cada vez mais próximo dos republicanos, defendendo uma república liberal. Num discurso proferido a 13 de novembro de 1872, declarou a sua ligação ao regime republicano. A 23 de Maio de 1873, Thiers discursou na Assembleia Nacional e afirmou que a República era o único regime viável em França. A maioria de representantes monárquicos reagiu e aprovou legislação que reduziu as competências do Presidente. Thier demitiu-se a 24 de maio de 1873.

O sucessor de Thier foi o Marechal Patrice de Mac Mahon (1808-1893), monárquico convicto. Para Presidente do Conselho de Ministros, Mac Mahon escolheu Jacques Victor Albert, Duque de Broglie (1821-1901), uma das figuras do catolicismo liberal. O objetivo deste governo formado por uma coligação de direita chamada Ordre Moral era preparar a restauração da monarquia o que, no entanto, foi um fracasso e, no dia 9 de novembro de 1873, a Assembleia Nacional legislou no sentido de estabelecer a duração do mandato do Presidente da República em sete anos, estabelecendo para esta figura política um carácter mais de acordo com a República. Mac Mahon demarcou-se dos partidos políticos e declarou a 4 de fevereiro de 1874 que faria respeitar a ordem estabelecida, isto é, a da República. Foi neste cenário que a Assembleia Nacional aprovou a Constituição de 1875.

A vitória republicana nas eleições de fevereiro/Março de 1876 levou à nomeação de um governo dominado por republicanos. No ano seguinte, na sequência dos incidentes provocados pelo movimento do ultramontanisme (doutrina política católica, com origem em França, que procura em Roma a sua principal referência), Mac Mahon nomeou um governo conservador chefiado por Broglie, convenceu o Senado a dissolver a Câmara dos Deputados e marcou novas eleições. Estas foram realizadas de 14 a 28 de outubro de 1877 e os partidos republicanos obtiveram 318 lugares em 526, isto é, 54,4%[4] dos lugares e Mac Mahon viu-se obrigado a formar um governo republicano. Sem o apoio de uma maioria conservadora, Mac Mahon demitiu-se a 30 de janeiro de 1879.

Tanto o Império Austro-Húngaro como o Império Otomano continham comunidades eslavas (Eslavos do Sul) nos seus domínios dos Balcãs. Croatas, Eslovenos e Sérvios habitavam a região sul do Império Austro-Húngaro, na parte que pertencia à Hungria. Montenegro e Sérvia eram principados autónomos que se apoiavam fundamentalmente na Rússia, onde o movimento pan-eslavista era utilizado pelo governo do Czar com a finalidade de alargar as suas zonas de influência. A Bulgária só iria conquistar a autonomia (não a independência) em 1878. Dos restantes territórios da Península Balcânica, a Grécia era um Reino Independente desde 1830, a Roménia era um Principado, um Estado independente, mas sujeito à suserania do Sultão, e tudo o mais encontrava-se sob domínio direto do Império Otomano.

A Rússia era um dos Estados mais subdesenvolvidos da Europa, em todos os aspetos. Politicamente, era um Estado quase feudal, uma autocracia, onde o liberalismo ocidental era fortemente reprimido. Existiam grupos de intelectuais que defendiam a "ocidentalização". A derrota na Guerra da Crimeia (1853-1856) levou o Czar Alexandre II, que reinou de 1855 até 1881, a implementar uma série de reformas: abolição da servidão (1861), reforma do governo local (1864 a 1870), reforma do sistema judicial (1864), criação do Ministério das Finanças (1860), reformas da educação e a reforma das forças armadas. Todas estas reformas foram implementadas com grandes limitações porque as infraestruturas base não existiam ou tinham grandes deficiências e também porque existia uma forte oposição dos movimentos niilistas, populistas e pan-eslavistas. O resultado foi uma escalada de repressão. Em março de 1881, Alexandre II mandou preparar uma Constituição que não chegou a ser implementada porque foi assassinado no dia 13 desse mês.

Embora a Rússia não dispusesse dos meios necessários para agir com eficácia, não deixou de ter o acesso ao Mediterrâneo como o principal objetivo estratégico.  O Império Otomano estava em desagregação e os sucessivos governos russos foram agindo sempre por forma a tentarem controlar os Estreitos do Bósforo e de Dardanelos e a expandirem-se na Península Balcânica, o que lhes facilitaria esse controlo. Justificando-se com os movimentos pan-eslavistas, mas sem deixar de ter em vista a expansão territorial ou a expansão das suas zonas de influência, o Czar assume-se como protetor das populações cristãs dos Balcãs que procuram a independência. No entanto, os objetivos russos encontram dois obstáculos importantes: os Austríacos que tinham os Balcãs como zona de expansão e os Britânicos que não desejavam permitir que a frota russa tivesse acesso ao Mediterrâneo oriental, especialmente depois da inauguração do Canal de Suez em 1869.

A Áustria tinha sido derrotada na Guerra Austro-Prussiana (1866) e, um ano depois, foi criada uma monarquia dual, o Império Austro-Húngaro. A criação desta entidade política não resolveu minimamente o problema das nacionalidades no Império. Existiam diversas nacionalidades para além dos povos de língua alemã e magiar. O problema fundamental para a Alemanha, no que respeitava à Áustria, eram as nacionalidades que, nos Balcãs, podiam ser causa de colisão dos interesses austríacos e russos. A questão dos Sérvios instalados no sul do território do império Austro-Húngaro, aliciados pelo Principado da Sérvia que sonhava em reunir num único Estado todos os povos eslavos do Sul, era a principal preocupação austríaca. Era um conflito entre estas duas Grandes Potências, Rússia e Áustria-Hungria, que Bismarck considerava essencial evitar.

A Itália completou a sua unificação em 1870, quando a derrota sofrida na Guerra Franco-Prussiana obrigou a França a retirar as que defendiam o poder temporal do Papa. Os Franceses retiraram, os Italianos ocuparam Roma e o Papa ficou «prisioneiro no Vaticano» para utilizar as palavras do Papa Pio IX. A Itália era um Reino com grandes atrasos no domínio da economia, um Estado fraco que não dispunha dos meios necessários para atingir o objetivo que considerava prioritário: libertar do domínio estrangeiro todos os territórios de língua e sentimento italianos. Aqueles territórios eram o Trentino e a região de Trieste, ocupados pela Áustria. Além deste objetivo, a Itália desenvolveu, por questões de prestígio, a vontade de participar na expansão colonial. Neste quadro, a Itália encontrou a hostilidade da Áustria nos territórios irredentos e nos Balcãs, e da França no Mediterrâneo.

O Reino Unido era a primeira potência económica do mundo. Possuía o império colonial mais vasto e, para assegurar a ligação com os seus domínios ultramarinos, dispunha da Royal Navy, a maior armada do mundo. O reino Unido é uma ilha, facto que, aliado às capacidades da Royal Navy, lhe permitiram desenvolver um sentimento de segurança e preferir o isolamento. Evitava qualquer acordo diplomático que o obrigasse ao envolvimento nos conflitos em que os seus interesses diretos não estivessem ameaçados. Em 1871, ainda não existiam rivais à potência industrial do Reino Unido, embora a Alemanha se encontrasse em grande desenvolvimento. Os números seguintes mostram-nos quanto o Reino Unido se encontrava à frente na produção de minérios como o hard coal (carvão mineral de alto rendimento, antracite) ou o ferro e na produção industrial em que o ferro e o aço são sempre indicadores importantes[5]:

Valores referentes a 1871, em milhares de toneladas métricas.

 

Carvão

Minério de ferro

Ferro gusa

Aço

Áustria-Hungria

4.970

864

292

36

França

13.259

1.852

860

80

Alemanha

29.373

3.376

1.424

143

Reino Unido

119.235

16.902

6.733

334

 O sistema de "comércio livre" adotado pelo Reino Unido permitiu que a indústria britânica se abastecesse de produtos agrícolas e matérias-primas no estrangeiro e que colocasse os produtos das suas indústrias em todo o mundo. Para manter esta corrente de trocas era necessário desenvolver uma política a nível mundial e assegurar o domínio dos mares. Assim, os principais objetivos da diplomacia britânica eram: «manter na Europa continental o equilíbrio das potências, assegurar grandes mercados exteriores, não permitir nenhuma ameaça à sua hegemonia naval»[6]. A Alemanha fazia sentir a sua crescente supremacia na Europa continental e o Reino Unido exerci-a no mundo.



[1] COOK & PAXTON, European Political Facts 1848-1918, 1978, p. 121.

[2] COOK & PAXTON, European Political Facts 1848-1918, 1978, p. 121

[3] NÉRÉ, O Mundo Contemporâneo, 1976, p. 223.

[4] COOK & PAXTON, European Political Facts 1848-1918, 1978, p. 121.

[5] MITCHELL, European Historical Statistics 1750-1970, 1976, pp. 362-364, 388, 393-394 e 399.

[6] MILZA, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, 2007, p. 18.

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