domingo, 16 de março de 2025

A criação do Império Alemão

 A região da Europa que ficou conhecida como Alemanha era, antes das Guerras Napoleónicas, um território habitado por cerca de vinte e três milhões de habitantes distribuídos por 314 territórios independentes, governados por autoridades seculares ou religiosas. Grande parte desta região estava incluída no Sacro Império Romano-Germânico sob domínio da Casa de Habsburgo. Tratava-se de um território politicamente muito fragmentado e economicamente subdesenvolvido. Para esta última característica contribuía a ausência de um mercado unificado e a uma estrutura social antiquada em que prevalecia o poder feudal.

Após a Batalha de Austerlitz (2 dezembro 1805), Napoleão Bonaparte extinguiu o Sacro Império Romano-Germânico e formou a Confederação do Reno (junho de 1806), um grupo de dezasseis estados do centro e do sul da Alemanha. A Confederação foi inicialmente bem recebida pelos Estados alemães que a entenderam como um passo em direção à unidade. No entanto, a 21 de novembro de 1806, Napoleão decretou o Bloqueio Continental, o que teve como consequência a quebra no comércio e as dificuldades económicas daí resultantes, provocando grande descontentamento nos meios alemães. Quando a França foi derrotada na Batalha de Leipzig (16-19 outubro 1813), a Confederação do Reno foi dissolvida. No Congresso de Viena (novembro 1814 - junho de 1815), foi criada outra confederação.

Em Viena, onde se reuniram as principais potências que participaram nas Guerras Napoleónicas, incluindo a França, foram feitas alterações ao mapa político da Europa. No dia 9 de junho de 1815 foi assinado o Tratado do Congresso de Viena, um documento com 121 artigos. O tratado foi assinado pelos representantes da Áustria, França, Reino Unido, Portugal, Prússia, Rússia e Suécia. Portugal foi representado pelo Conde de Palmela D. Pedro de Sousa Holstein, por D. António de Saldanha da Gama e por D. Joaquim Lobo da Silveira. Ao tratado foram também anexados dezassete documentos, quase todos respeitantes a questões territoriais.

O artigo 53 do Tratado do Congresso de Viena trata da formação de «uma perpétua Confederação que será chamada "Confederação Germânica" (Deutsche Bund).» O artigo 54 estabelece que o objetivo da Confederação é «a manutenção da segurança externa e interna da Alemanha e da Independência e Inviolabilidade dos Estados Confederados.» O artigo 55 estabelece a igualdade entre todos os Estados Confederados e o artigo 56 trata da existência de uma Dieta (parlamento) Federativa na qual «todos os Membros votarão através dos seus Plenipotenciários, individual ou coletivamente». A maioria dos Estados, como o Reino da Prússia (1701-1918), o Império Austríaco (1804-1867) ou o Reino de Hanôver (1814-1866), tinham direito a 1 voto. No caso das entidades políticas mais pequenas, como as cidades livres, estas teriam de votar coletivamente para utilizarem o voto que competia ao conjunto. Este era o caso das cidades livres Lubeca (Lübeck), Francoforte (Frankfurt), Brema (Bremen) e Hamburgo. O artigo 57 estabelecia que a Áustria presidia à Dieta Federativa. Os artigos 58 a 62 diziam respeito ao funcionamento da Dieta.


Figura 1: O Reino da Prússia encontrava-se dividido em territórios dispersos e a sua parte oriental não estava incluída na Confederação Alemã (1815-1866). Imagem original em https://i.pinimg.com/1200x/42/8c/70/428c70422f050b03341db049de4f683b.jpg

O artigo 63 tratava da manutenção da paz na Alemanha: «Os Estados da Confederação empenham-se na defesa, não só de toda a Alemanha, mas de cada um dos Estados da União, caso venham a ser atacados». O mesmo artigo estabelecia também que, no caso de a guerra ter sido declarada pela Confederação, nenhum membro podia, isoladamente, iniciar conversações com o inimigo, fazer a paz ou concluir um armistício sem o consentimento dos outros membros. «Da mesma forma, os Estados da Confederação empenham-se em não fazerem a guerra contra os outros membros, com nenhum pretexto, nem resolver as suas diferenças pela força das armas, mas submetê-las à Dieta que tentará a mediação através de uma Comissão.»[1]

A Confederação Germânica era Formada por trinta e oito Estados. Entre eles o Império Austríaco e sobretudo a Prússia aumentaram os seus territórios e tornaram-se ainda mais influentes. A Prússia recebeu uma parte da Saxónia e a quase totalidade da Renânia. A anexação deste território fez com que a Prússia passasse a ter fronteira com a França, situação relevante em futuras ações militares entre as duas Potências, como foi o caso da Guerra Franco-Prussiana em 1870-1871. A Áustria abandonou o território da Bélgica (os Países Baixos Austríacos), mas beneficiou com a aquisição de territórios na Itália e nos Balcãs.

A Confederação Germânica foi a fórmula encontrada por Klemens Wenzel Nepomuk Lothar, príncipe de Metternich (1773-1859), chanceler da Áustria, para estabelecer um sistema estável e controlável na Europa Central. Os representantes das Potências europeias, reunidos em Viena, ao desenharem a nova carta da Europa, não tiveram em conta um novo fator lançado no jogo político pelas revoluções americana e francesa: o nacionalismo. Durante a Revolução Francesa e o Império Napoleónico, começaram a surgir indícios do nacionalismo alemão. A crescente animosidade contra o regime napoleónico causada pelo Bloqueio Continental foi criando, embora de forma muito indefinida, algum sentimento de unidade no seio dos Estados alemães. Os filósofos Johann Gottfried von Herder (1744-1803), Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) e Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) defenderam que a população da Alemanha «era um único volk com uma linguagem pura que seria a base de um Volkstadt firmemente unido». O poeta Ernst Moritz Arndt (1769-1860) defendia a criação de uma Deutsches Vaterland. Friedrich Ludwig Christoph Jahn (1778-1852) fundou as Burschenschaften, corporações de estudantes que, entre outros objetivos, desenvolviam o espírito nacional.

O desenvolvimento económico verificado na Confederação Germânica funcionou como um catalisador para as reformas políticas e para a unificação do território. Em 1818, a Prússia aboliu as taxas alfandegárias internas e, em 1828, assinou um pacto de comércio livre com o Grão-ducado de Hesse-Dermstadt. Também a Baviera, Württemberg e mais tarde o Palatinado aderiram ao comércio livre. Acordos semelhantes foram estabelecidos com os Estados da Alemanha Central. No dia 1 de janeiro de 1834, entraram em vigor uma série de tratados que criavam uma coligação de Estados alemães com a finalidade de fazerem a gestão de taxas, direitos alfandegários e políticas económicas. Esta união aduaneira, o Zollverein, adotou o código tarifário da Prússia de 1818 e foi essencial à industrialização e desenvolvimento económico da Alemanha: unificou o direito comercial e a moeda, criou um mercado interno com tarifas baixas e deu proteção tarifária contra a competição estrangeira. O resultado foi o desenvolvimento económico, mas também o domínio económico e político da Prússia na região. Em 1844, apenas Hanôver, Oldenburg, Mecklenburg, as cidades hanseáticas e a Monarquia dos Habsburgos não eram membros do Zollverein.

Esta união económica criou as condições para o desenvolveu da economia e a prosperidade dos seus membros. O desenvolvimento económico da Prússia disparou. As estradas prussianas cresceram de 38.000 Km em 1815 para 83.000 Km em 1829. O economista alemão Daniel Friedrich List (1789-1846) considerou a via férrea como um elemento vital para o crescimento económico e para a unificação e estas vias de comunicação cresceram de 550 Km em 1840 para 6.000 Km em 1850. A Monarquia dos Habsburgo não conseguiu unir-se ao Zollverein e também não conseguiu construir um sistema alternativo. Lentamente, o desenvolvimento no espaço do Zollverein ameaçava pôr um fim na Confederação. A força económica da Prússia era já superior à da Áustria, mas era ainda a Monarquia dos Habsburgo que assumia a presidência da Confederação Germânica.

Em 1862, Otto von Bismarck (1815-1898) passou a dirigir o governo da Prússia. A sua carreira política tinha sido iniciada no Parlamento, na ala mais conservadora. Durante as Revoluções de 1848, Bismarck opôs-se sempre aos pedidos de reforma constitucional. Em 1851, Frederico Guilherme IV (1795-1861) nomeou Bismarck como seu representante na Dieta da Confederação Germânica em Frankfurt. Oito anos mais tarde desempenhou o cargo de embaixador em São Petersburgo e, em 1862, fez uma curta passagem por Paris em idênticas funções. A 1 de Abril desse ano foi nomeado Ministro-presidente da Prússia e, quinze dias mais tarde, assumiu também o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros. Entre as importantes reformas que levou a cabo no início das suas funções estava a do Exército Prussiano.

«A Alemanha não olha para o liberalismo da Prússia, olha para a sua força.»[2]  Eleito em 1861, o Landtag prussiano era maioritariamente liberal. Esta situação gerou uma confrontação com o rei e a aristocracia prussiana, fortemente conservadora. Foi neste ambiente de confronto que Bismarck foi escolhido para governar a Prússia, enfrentando o Parlamento que se recusava a aprovar novos impostos. Aquela frase também traduzia a forma como Bismarck entendia que a unificação da Alemanha devia ser construída: sob a hegemonia da Prússia. Esta premissa conduzia à questão fundamental que era a de definir os limites da unificação.

Poderia a Áustria fazer parte da Alemanha unificada? Bismarck sabia que a Casa de Habsburgo não aceitaria que a Prússia (Casa de Hohenzollern) se colocasse em pé de igualdade com a Áustria. O Império Austríaco, por outro lado, englobava extensos territórios de língua não germânica e não fazia sentido serem incluídos numa Alemanha unificada. Definitivamente, a Prússia teria de "conquistar" a hegemonia no espaço alemão que não incluía a Áustria. A 30 de Setembro de 1862, no Landtag prussiano, Bismarck declarou: «As grandes questões da atualidade não serão decididas com discursos nem com as resoluções de maioria - este foi o grande erro de 1848 e 1849 -, mas com ferro e sangue.»[3]

Desde que Bismarck assumiu o cargo de ministro-presidente do governo prussiano, a Prússia participou em três guerras: a Guerra dos Ducados do Elba (1 fevereiro - 30 outubro 1864), a Guerra Austro-Prussiana (14 junho - 23 agosto 1866) e a Guerra Franco-Prussiana (19 de julho de 1870 - 10 de maio de 1871). Estes conflitos mostram-nos o caminho percorrido pela Prússia até se tornar o elemento aglutinador das várias entidades políticas que vieram a formar o Império Alemão do qual a Áustria não fazia parte. Por esta razão, aqueles conflitos ficaram conhecidos como "Guerras da Unificação Alemã".


[1] OAKES & MOWAT, The Great European Treaties of the Nineteenth Century, Oxford University Press, Great Britain, 1930, pp. 37-125.

[2] Citado em TAYLOR, Bismarck, o Homem e o Estadista, Edições 70, 2009, p. 56.

[3] SPERBER, Prof. Jonathan (Editor), «Excerpt from Bismarck's "Blood and Iron" Speech (1862)», in German History in Documents and Images, in http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/sub_document.cfm?document_id=250&language=english, visto em 12 de março de 2025.

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