A Ata de Algeciras (1906) deu solução a várias questões
relativas aos interesses das Potências que ali desenvolveram as suas atividades
industriais e comerciais, mas não resolveu as questões políticas destas
Potências no que respeitava a este território; criou a solução para algumas
questões internas de Marrocos (polícia dos portos, Banco de Marrocos, etc.)
todas elas ligadas a interesses das Potências presentes em Algeciras; não só
não resolveu a generalidade dos problemas marroquinos como criou uma situação
de grande instabilidade. Foi esta instabilidade que permitiu diversas
intervenções militares francesas - em Oujda, junto à fronteira com a Argélia,
em julho de 1907, ou o bombardeamento de Casablanca nesse mesmo ano –
resultando em novos acordos com o Sultão permitindo uma ingerência crescente
dos Franceses em Marrocos.
Quando foi assinada a Ata de Algeciras, em 1906, era sultão
de Marrocos Muley Abd-el-Aziz (1878-1943) que, numa tentativa desajeitada de
modernizar Marrocos, endividou ainda mais o país, tornando-o cada vez mais
dependente dos interesses estrangeiros. Contra ele surgiram várias revoltas e
Marrocos caiu num estado de anarquia. A mais importante dessas revoltas foi
encabeçada por Mulei Abdal Hafide (1875-1937), irmão do sultão e que acabaria
por conquistar o poder em 1909. Dois anos mais tarde, perante uma revolta que
punha em perigo a sua posição como sultão, Mulai Hafid pediu ajuda aos
Franceses.
Em resposta ao pedido de ajuda, os Franceses enviaram para
Fez uma coluna de tropas que ocupou a cidade a 21 de maio de 1911. Para os
Alemães, este movimento dos Franceses começava a evidenciar uma tentativa de
ocupar militarmente todo o território marroquino alterando os acordos
anteriormente estabelecidos. O Governo alemão exigiu ao embaixador francês em
Berlim que a França retirasse as suas tropas de Fez e cumprisse o estabelecido
na Convenção de 1909. O Governo alemão também deixou claro que o passo dado
pela França podia significar a reabertura de todo o processo de Marrocos, ou
seja, o estatuto da França naquele território teria que ser revisto. Contudo, a
situação interna de Marrocos não permitia que os Franceses saíssem de Fez e os
Alemães estavam conscientes desse facto.
No dia 1 de julho de 1911, o Governo alemão notificou as
Potências signatárias da Ata de Algeciras de que a canhoneira Panther
tinha sido enviada para o porto de Agadir e de que a sua presença se
justificava para, em caso de necessidade, prestar assistência aos súbditos
alemães e aos empregados dos estabelecimentos alemães ali existentes. Ora, o
porto de Agadir não fazia parte da lista de portos abertos ao comércio
estrangeiro e não existiam súbditos alemães na cidade. Ficava claro que o objetivo
da intervenção alemã era reabrir a questão de Marrocos. O Governo alemão tinha
decidido fazer uma demonstração de força para evitar uma maior penetração
francesa em Marrocos e obrigar a França a negociar uma resolução para o
problema. Poderiam até estar outras hipóteses em aberto: «é altamente
provável que a Alemanha esperasse conseguir destruir a Tríplice Entente. Também
é provável que, no início do incidente, a Alemanha esperasse obter parte de
Marrocos para ela própria, contando com a conhecida fraqueza militar da França
e a confusão em Inglaterra produzida pela luta no House of Lords para impedir
uma oposição séria.»
Os Alemães esperaram uma resposta por parte dos Franceses.
Inicialmente, estes estavam dispostos a enviar alguns dos seus navios de guerra
para Agadir, mas, conscientes das implicações que esse gesto podia ter em
Marrocos e na própria Europa, decidiram deixar o próximo movimento ao cuidado
dos Alemães que, assim, se viram na obrigação de apresentar as suas propostas.
Alfred von Kiderlen-Waechter (1852-1912), Secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros da Alemanha, transmitiu ao embaixador francês em Berlim que a
Alemanha esperava receber o Congo Francês em troca da permissão para dar mão
livre aos Franceses em Marrocos.
Os Franceses decidiram não aceitar a proposta apresentada
por Kiderlen e, ao fazê-lo, deixaram aos Alemães a possibilidade de seguir dois
caminhos: ou retiravam a proposta e retiravam as suas forças de Agadir ou
seriam obrigados a utilizar a força a fim de manterem os seus objetivos. A
persistência da recusa francesa em aceitar a proposta alemã conduziu a um
crescimento da tensão entre as duas Potências, o que não foi favorável a
Kiderlen porque nem o Imperador, Guilherme II, nem o Chanceler, Theobald von
Bethmann Hollweg (1856-1921) desejavam iniciar uma guerra e porque o Reino
Unido decidiu clarificar a sua posição nesta crise.
O Reino Unido começou por esclarecer que não tencionava interferir e preferia apoiar um acordo razoável entre a França e a Alemanha sobre os territórios africanos. Com o prolongamento das negociações sem que que se registassem progressos, Lloyd George (1863-1945), ministro das Finanças desde 1908, conhecido como um advogado das relações amigáveis entre o Reino Unido e a Alemanha, afirmou no seu discurso de 21 de julho de 1911, em Mansion House, residência oficial do Lord Mayor of the City of London [Texto do discurso, em língua inglesa, em https://wwi.lib.byu.edu/index.php/Agadir_Crisis:_Lloyd_George%27s_Mansion_House_Speech]:
«Acredito que é essencial para
os mais altos interesses, não apenas deste país, mas do mundo, que a
Grã-Bretanha mantenha sempre o seu lugar e o seu prestígio entre as Grandes
Potências do mundo. A sua poderosa influência já foi no passado e pode ainda ser
no futuro, inestimável para a causa da liberdade humana. No passado, mais de
uma vez resgatou nações continentais, que às vezes tendem a esquecer esse
serviço, de desastres avassaladores e até de extinção nacional. Eu faria
grandes sacrifícios para preservar a paz. Penso que nada justificaria uma
perturbação da boa vontade internacional, exceto questões da maior importância
nacional. Mas se formos forçados a uma situação em que a paz só possa ser
preservada com a rendição da grande e benéfica posição que a Grã-Bretanha
conquistou por séculos de heroísmo e conquista, permitindo que a Grã-Bretanha
seja tratada, por forma a afetar os seus interesses vitais como se ela não
fosse de nenhuma importância no concerto das nações, digo enfaticamente que a
paz a esse preço seria uma humilhação intolerável para um grande país como o
nosso. Honra nacional não é uma questão partidária. A segurança do nosso grande
comércio internacional não é uma questão de nenhum partido; é muito mais
provável que seja garantida a paz do mundo se todas as nações compreenderem
perfeitamente quais devem ser as condições da paz.»
Por outro lado, Sir Edward Grey, o Secretário de Estado dos
Negócios Estrangeiros insistiu em que o Reino Unido deveria ser consultado em
quaisquer acordos sobre Marrocos. Arthur
James Balfour (1848-1930), líder do Partido Conservador, declarou o apoio da
oposição ao Governo nesta matéria. Os políticos da época tiveram também em
conta a opinião pública francesa, das diversas tendências, que exigia uma
atitude firme do seu Governo. Provavelmente houve alguma pressão por parte da
Rússia embora a sua reação tenha sido idêntica à da França quando se deu a
Crise de 1908, por causa da Bósnia-Herzegovina, isto é, não estavam em jogo
interesses vitais da França que pudessem vir a justificar uma intervenção russa
ao abrigo da aliança de 1902. Contudo, com esta situação de instabilidade, a
Bolsa de Berlim teve grandes quebras o que levou o Governo alemão a agir de
forma mais prudente e a declarar que não tinha quaisquer pretensões sobre o
território de Marrocos e que desejava chegar a acordo com o Governo francês.
Pouco tempo depois, a 18 de agosto de 1911, as negociações
foram interrompidas sem que houvesse algum progresso significativo. Os Governos
foram, no entanto, pressionados, interna e externamente, para retomarem as
negociações, o que aconteceu a 4 de setembro. Cinco dias mais tarde, a 9 de setembro,
verificou-se outra grande descida nos valores da Bolsa de Berlim e surgiram
mais rumores sobre preparativos militares e navais que estariam a ser feitos
por cada uma das partes. Apesar disso, os negociadores francês e alemão
conseguiram delinear uma convenção que dava à França o protetorado de facto
sobre Marrocos, embora este termo não fosse usado nos textos. Em troca, seria
estabelecido de forma muito clara o princípio de “porta aberta” naquele
território. A Alemanha recebeu partes do território francês no Congo e cedeu à
França algum território na região do Lago Chade.
No dia 4 de novembro de 1911, em Berlim, foram assinadas as
convenções relativas a Marrocos e ao Congo. À Convenção sobre Marrocos foi
anexada uma declaração do ministro alemão dos Negócios Estrangeiros em que
reconhecia o direito da França criar um protetorado em Marrocos. Os acordos
alcançados foram considerados um triunfo para a França e foram obtidos,
internamente, com o apoio da opinião pública francesa e, externamente, com o
apoio diplomático do Reino Unido. Na Alemanha registaram-se inúmeras críticas à
diplomacia do Governo e a opinião pública, em grande parte canalizada pela
imprensa ligada ao Governo, virou-se contra o Reino Unido que foi, do ponto de
vista alemão, a Potência responsável pela sua derrota diplomática da Alemanha.
Os líderes alemães compreenderam que a Tríplice Entente era mais coesa do que o tipo de ligação entre os seus membros podia fazer crer e que, do ponto de vista diplomático tornava-se, assim, mais forte do que a Tríplice Aliança. O Governo alemão também teve ocasião de registar que, tanto por parte dos Governos como da opinião pública, a simpatia era geralmente dirigida a favor da França. Mas a fraqueza diplomática da Alemanha deu mais evidência às conclusões de Tirpitz, o que significava aumentar a dimensão da marinha alemã. Com a oposição de Bethmann, mas com o apoio do Imperador, em 1912 foi aprovada uma nova Lei Naval que acrescentava mais meios aos que estavam previstos nas leis anteriores.
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