quinta-feira, 16 de abril de 2020

O incidente de Agadir - segunda crise de Marrocos


A Acta de Algeciras (1906) deu solução a várias questões relativas aos interesses das Potências que ali desnvolveram as suas actividades industriais e comerciais, mas não resolveu as questões políticas destas Potências no que respeitava a este território; criou a solução para algumas questões internas de Marrocos (polícia dos portos, Banco de Marrocos, etc.) todas elas ligadas a interesses das Potências presentes em Algeciras; não só não resolveu a generalidade dos problemas marroquinos como criou uma situação de grande instabilidade. Foi esta instabilidade que permitiu diversas intervenções militares francesas - em Oujda, junto à fronteira com a Argélia, em Julho de 1907, ou o bombardeamento de Casablanca nesse mesmo ano – resultando em novos acordos com o Sultão permitindo uma ingerência crescente dos Franceses em Marrocos.
Quando foi assinada a Acta de Algeciras, em 1906, era sultão de Marrocos Muley Abd-el-Aziz (1878-1943) que, numa tentativa desajeitada de modernizar Marrocos, endividou ainda mais o país, tornando-o cada vez mais dependente dos interesses estrangeiros. Contra ele surgiram várias revoltas e Marrocos caiu num estado de anarquia. A mais importante dessas revoltas foi encabeçada por Mulei Abdal Hafide (1875-1937), irmão do sultão e que acabaria por conquistar o poder em 1909. Dois anos mais tarde, perante uma revolta que punha em perigo a sua posição como sultão, Mulai Hafid pediu ajuda aos Franceses.
Em resposta ao pedido de ajuda, os Franceses enviaram para Fez uma coluna de tropas que ocupou a cidade a 21 de Maio de 1911. Para os Alemães, este movimento dos Franceses começava a evidenciar uma tentativa de ocupar militarmente todo o território marroquino alterando os acordos anteriormente estabelecidos. O Governo alemão exigiu ao embaixador francês em Berlim que a França retirasse as suas tropas de Fez e cumprisse o estabelecido na Convenção de 1909. O Governo alemão também deixou claro que o passo dado pela França podia significar a reabertura de todo o processo de Marrocos, ou seja, o estatuto da França naquele território teria que ser revisto. Contudo, a situação interna de Marrocos não permitia que os Franceses saíssem de Fez e os Alemães estavam conscientes desse facto.

No dia 1 de Julho de 1911, o Governo alemão notificou as Potências signatárias da Acta de Algeciras de que a canhoneira Panther tinha sido enviada para o porto de Agadir e de que a sua presença justificava-se para, em caso de necessidade, prestar assistência aos súbditos alemães e aos empregados dos estabelecimentos alemães ali existentes. Ora, o porto de Agadir não fazia parte da lista de portos abertos ao comércio estrangeiro e não existiam súbditos alemães na cidade. Ficava claro que o objectivo da intervenção alemã era reabrir a questão de Marrocos. O Governo alemão tinha decidido fazer uma demonstração de força para evitar uma maior penetração francesa em Marrocos e levar a França a negociar uma resolução para o problema. Poderiam até estar outras hipóteses em aberto: «é altamente provável que a Alemanha esperasse conseguir destruir a Tríplice Entente. Também é provável que, no início do incidente, a Alemanha esperasse obter parte de Marrocos para ela própria, contando com a conhecida fraqueza militar da França e a confusão em Inglaterra produzida pela luta no House of Lords para impedir uma oposição séria.»
Os Alemães esperaram uma resposta por parte dos Franceses. Inicialmente, estes estavam dispostos a enviar alguns dos seus navios de guerra para Agadir, mas, conscientes das implicações que esse gesto podia ter em Marrocos e na própria Europa, decidiram deixar o próximo movimento ao cuidado dos Alemães que, assim, se viram na obrigação de apresentar as suas propostas. Alfred von Kiderlen-Waechter (1852-1912), Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, transmitiu ao embaixador francês em Berlim que a Alemanha esperava receber o Congo Francês em troca da permissão para dar mão livre aos Franceses em Marrocos.
Os Franceses decidiram não aceitar a proposta apresentada por Kiderlen e, ao fazê-lo, deixaram aos Alemães a possibilidade de seguir dois caminhos: ou retiravam a proposta e retiravam as suas forças de Agadir ou seriam obrigados a utilizar a força a fim de manterem os seus objectivos. A persistência da recusa francesa em aceitar a proposta alemã conduziu a um crescimento da tensão entre as duas Potências , o que não foi favoirável a Kiderlen porque nem o Imperador, Guilherme II, nem o Chanceler, Theobald von Bethmann Hollweg (1856-1921) desejavam iniciar uma guerra e porque o Reino Unido decidiu clarificar a sua posição nesta crise.
O Reino Unido começou por esclarecer que não tencionava interferir e preferia apoiar um acordo razoável emtre a França e a Alemanha sobre os territórios africanos. Com o prolongamento das negociações sem que que se registassem progressos, Lloyd George (1863-1945), ministro das Finanças desde 1908, conhecido como um advogado das relações amigáveis entre o Reino Unido e a Alemanha, afirmou no seu discurso de 21 de Julho de 1911 em Mansion House, residência oficial do Lord Mayor of the City of London [Texto do discurso, em língua inglesa, em https://wwi.lib.byu.edu/index.php/Agadir_Crisis:_Lloyd_George%27s_Mansion_House_Speech]:
«Acredito que é essencial para os mais altos interesses, não apenas deste país, mas do mundo, que a Grã-Bretanha mantenha sempre o seu lugar e o seu prestígio entre as Grandes Potências do mundo. A sua poderosa influência já foi no passado e pode ainda ser no futuro, inestimável para a causa da liberdade humana. No passado, mais de uma vez resgatou nações continentais, que às vezes tendem a esquecer esse serviço, de desastres avassaladores e até de extinção nacional. Eu faria grandes sacrifícios para preservar a paz. Penso que nada justificaria uma perturbação da boa vontade internacional, exceto questões da maior importância nacional. Mas se formos forçados a uma situação em que a paz só possa ser preservada com a rendição da grande e benéfica posição que a Grã-Bretanha conquistou por séculos de heroísmo e conquista, permitindo que a Grã-Bretanha seja tratada, por forma a afectar os seus interesses vitais como se ela não fosse de nenhuma importância no concerto das nações, digo enfaticamente que a paz a esse preço seria uma humilhação intolerável para um grande país como o nosso. Honra nacional não é uma questão partidária. A segurança do nosso grande comércio internacional não é uma questão de nenhum partido; é muito mais provável que seja garantida a paz do mundo se todas as nações compreenderem perfeitamente quais devem ser as condições da paz.»
Por outro lado, Sir Edward Grey, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros insistiu em que o Reino Unido deveria ser consultado em quaisquer acordos sobre Marrocos.  Arthur James Balfour (1848-1930), líder do Partido Conservador, declarou o apoio da oposição ao Governo nesta matéria. Os políticos da época tiveram também em conta a opinião pública francesa, das diversas tendências, que exigia uma atitude firme do seu Governo. Provavelmente houve alguma pressão por parte da Rússia embora a sua reação tenha sido idêntica à da França quando se deu a Crise de 1908, por causa da Bósnia-Herzegovina, isto é, não estavam em jogo interesses vitais da França que pudessem vir a justificar uma intervenção russa ao abrigo da aliança de 1902. Contudo, com esta situação de instabilidade, a Bolsa de Berlim teve grandes quebras o que levou o Governo alemão a agir de forma mais prudente e a declarar que não tinha quaisquer pretenções sobre o território de Marrocos e que desejava chegar a acordo com o Governo francês.
Poucos tempo depois, a 18 de Agosto de 1911, as negociações foram interrompidas sem que houvesse algum progresso significativo. Os Governos foram, no entanto, pressionados, interna e externamente, para retomarem as negociações, o que aconteceu a 4 de Setembro. Cinco dias mais tarde, a 9 de Setembro, verificou-se outra grande descida nos valores da Bolsa de Berlim e surgiram mais rumores sobre preparativos militares e navais que estariam a ser feitos por cada uma das partes. Apesar disso, os negociadores francês e alemão conseguiram delinear uma convenção que dava à França o protectorado de facto sobre Marrocos, embora este termo não fosse usado nos textos. Em troca, seria estabelecido de forma muito clara o princípio de “porta aberta” naquele território. A Alemanha recebeu partes do território francês no Congo e cedeu à França algum território na região do Lago Chade.
No dia 4 de Novembro de 1911, em Berlim, foram assinadas as convenções relativas a Marrocos e ao Congo. À Convenção sobre Marrocos foi anexada uma declaração do Ministro alemão dos Negócios Estrangeiros em que reconhecia o direito da França criar um protectorado em Marrocos. Os acordos alcançados foram considerados um triunfo para a França e foram obtidos, internamente, com o apoio da opinião pública francesa e, externamente, com o apoio diplomático do Reino Unido. Na Alemanha registaram-se inúmeras críticas à diplomacia do Governo e a opinião pública, em grande parte canalizada pela imprensa ligada ao Governo, virou-se contra o Reino Unido que foi, do ponto de vista alemão, a Potência responsável pela sua derrota diplomática frente à França.
Os líderes alemães compreenderam que a Tríplice Entente era mais coesa do que o tipo de ligação entre os seus membros – entente - podia fazer crer e que, do ponto de vista diplomático tornava-se, assim, mais forte do que a Tríplice Aliança. O Governo alemão também teve ocasião de registar que, tanto por parte dos Governos como da opinião pública, a simpatia era geralmente dirigida a favor da França. Mas a fraqueza diplomática da Alemanha deu mais evidência às conclusões de Tirpitz, o que significava aumentar a dimensão da marinha alemã. Com a oposição de Bethmann, mas com o apoio do Imperador, em 1912 foi aprovada uma nova Lei Naval que acrescentava mais meios aos que estavam previstos nas leis anteriores.

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