A Bósnia e a Herzegovina foram sujeitas, durante muito tempo, a governos muçulmanos que usufruíam de grande independência relativamente a Constantinopla. Neste território desenvolveu-se uma estrutura social e económica antiquada, com um governo que exercia um controlo apertado sobre um campesinato maioritariamente cristão em que muitos dos seus membros tinham o estatuto de servos. Esta situação já tinha provocado revoltas na região, a última das quais em 1861-1862. A influência do Principado da Sérvia não era estranha a estas revoltas. Em julho de 1875, os impostos foram agravados e os camponeses cristãos revoltaram-se contra os seus senhores muçulmanos. Esta revolta causou inquietação nas Grandes Potências e manifestações de simpatia na generalidade das comunidades eslavas, em particular do Montenegro que apoiou os rebeldes desde o início da revolta.
Alexandre II avisou os sérvios sobre os perigos de uma
intervenção militar em apoio dos rebeldes, mas a opinião pública sérvia
influenciou as decisões de Milan Obrenović (1854-1901), Príncipe da Sérvia
(Milan I), que decidiu prestar ajuda aos revoltosos da Bósnia e da Herzegovina.
Os Turcos tinham começado a reunir forças para agirem contra os revoltosos e,
em outubro, registaram-se vários confrontos entre as forças turcas e o exército
sérvio. A declaração de guerra da Sérvia à Turquia foi feita a 2 de julho e, no
dia 10, a Sérvia e o Montenegro assinaram um tratado de aliança e uma convenção
militar. A Áustria-Hungria e a Rússia, as grandes potências com interesses diretos
na região, estabeleceram um acordo. A 8 de julho de 1875, em Reichstadt,
Boémia, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Áustria-Hungria e da Rússia,
Andràssy e Gorchakov concordaram verbalmente em não intervir na guerra.
Concordaram que, se a Turquia derrotasse os montenegrinos e os sérvios,
ela não seria autorizada a beneficiar da sua vitória, pois a Rússia e a
Áustria-Hungria exigiriam que a Sérvia fosse restaurada nas suas fronteiras
anteriores à guerra, exigiriam o reconhecimento do Montenegro como um Estado
independente e a Bósnia e Herzegovina veria reconhecida a sua autonomia.
Aqueles dois diplomatas também chegaram a acordo sobre as
ações a desenvolver no caso de a Turquia perder a guerra. Neste caso, a Rússia
recuperaria o sul da Bessarábia e poderia ocupar Batumi (na atual Geórgia) e
outros territórios na fronteira asiática com a Turquia, sem a oposição da
Áustria-Hungria. Este foi um acordo não escrito em que foram estabelecidas
várias outras cláusulas para o caso de um colapso do Império Otomano e, sendo
assim, o exame dos documentos posteriores encontrou várias discrepâncias entre
a versão russa e a versão austríaca.
Uma edição de
Through Bosnia and the Herzegovina on foot during the insurrection, August and September 1875 (1877) with an historical review of Bosnia, and a glimpse at the Croats, Slavonians, and the ancient republic of Ragusa
Autor: SirArthur Evans (1851-1941)
Em maio de 1875, o general russo Mikhail Grigorievich
Chernyayev (1828-898) foi nomeado comandante do Exército Sérvio e as
expectativas criadas pelo apoio da Rússia encorajaram a Sérvia a declarar
guerra ao Império Otomano. Esse apoio, em novembro de 1875, somava três milhões
de rublos, uma grande quantidade de abastecimentos e entre dois e três mil
voluntários russos que se juntaram às forças sérvias. O apoio enviado da
Rússia, conseguido principalmente num sistema de doações particulares ao
movimento pan-eslavista, era apesar de tudo insuficiente para impedir a vitória
das forças otomanas. No final de outubro, os turcos estavam em posição de
avançar sobre Belgrado, o que só não aconteceu porque a Rússia lançou um
ultimato que obrigou a um armistício.
Perante a fraqueza da Sérvia, a Rússia decidiu desenvolver o
seu esforço em direção à Bulgária, passando esta a ser a principal zona de
influência russa nos Balcãs. Os Búlgaros eram então uma comunidade autónoma
dentro do Império Otomano sendo a religião cristã ortodoxa o principal elemento
aglutinador sob a liderança do Patriarca de Constantinopla. Os líderes desta
comunidade eram claramente russófilos e a comunidade mostrava-se pouco
permeável às influências ocidentais. Neste processo desenvolveu-se a ideia da
criação de uma "Grande Bulgária" que seria criada à custa dos
territórios que eram os que materializavam as ambições territoriais da Sérvia.
Por outro lado, a intervenção da Rússia para proteger os habitantes da Bósnia e
Herzegovina, da Sérvia e do Montenegro, levaria a atritos ou mesmo a uma
situação de guerra com a Áustria-Hungria.
Esta era a situação que Bismarck mais queria evitar porque,
mesmo que o conflito entre a Áustria-Hungria e a Rússia se mantivesse no
patamar diplomático, a Alemanha seria obrigada a fazer uma escolha, apoiando um
dos seus parceiros do Acordo dos Três Imperadores e antagonizando o outro.
Neste caso, estaria criada uma oportunidade para a França sair do isolamento em
que se encontrava desde 1871, conseguindo uma aliança com a parte não apoiada
pela Alemanha. Para Bismarck, a solução óbvia era a partilha do Império
Otomano, o que iria mitigar o antagonismo entre a Áustria-Hungria e a Rússia.
Para as outras Grandes Potências serem compensadas dos ganhos austríacos e
russos, podiam ser-lhes feitas concessões no Próximo Oriente ainda dominado
pelo Império Otomano.
A Áustria-Hungria dominaria a Bósnia e Herzegovina e a parte
ocidental dos Balcãs. A parte oriental da Península ficaria aberta ao controlo
da Rússia, que exerceria controlo sobre a Roménia e uma Bulgária autónoma. O
Reino Unido ocuparia o Egipto e algumas ilhas turcas no Mar Egeu e a França
seria compensada com a Síria. Para implementar esta partilha, Bismarck
necessitava da cooperação do Reino Unido, cujo governo não se decidiu sobre a
posição a tomar. Durante o ano de 1876 foram tentadas negociações entre as
Grandes Potências sem que alguma se tenha comprometido com o projeto de
Bismarck. O Reino Unido assumiu a posição de preservar o Império Otomano.
Em maio de 1876, a insurreição que tinha começado na Bósnia
e na Herzegovina chegou aos territórios da Bulgária. Com o apoio de agentes
russos e uma organização que estava a ser criada desde 1873, os búlgaros
revoltaram-se contra o domínio otomano. As represálias exercidas foram de
grande violência. As tropas otomanas cometeram grandes atrocidades e
massacraram dezenas de milhares de pessoas. As notícias desta repressão
indignaram a opinião pública europeia que exerceu pressão sobre os seus
governos para intervirem para porem fim aos «horrores búlgaros». Este era o
título de um folheto publicado por William Ewart Gladstone (1809-1898)
em que denunciava a situação na Bulgária. Apesar da indignação pública, os
governos não se apressaram. Só a Rússia, porque tinha interesses na região,
agiu mais prontamente.
O Czar tornou pública a intenção de realizar uma intervenção
militar se as outras potências não chegassem a acordo sobre uma ação comum
junto do Governo otomano. A Áustria-Hungria não deu sinais de se opor a esta
atitude da Rússia já que, desta forma, ficava com as mãos livres para se
apoderar da Bósnia e da Herzegovina. Andrássy e Gortchakov reuniram-se e
chegaram a acordo sobre uma partilha de zonas de influência nos Balcãs.
Bismarck limitou-se a estar atento aos acontecimentos para procurar evitar que
os seus parceiros do Acordo dos Três Imperadores entrassem em confronto um com
o outro, mas o Reino Unido continuou a opor-se ao desmembramento do Império
Otomano porque, a acontecer, prejudicaria os interesses britânicos no
Mediterrâneo Oriental. Para tratar a questão, os britânicos propuseram a
realização de uma conferência em Constantinopla.
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