domingo, 16 de março de 2025

A Conferência de Constantinopla (23 dez 1876 a 20 jan 1877)

Os Turcos, perante a desunião mostrada pelas Grandes Potências, recusaram pôr fim ao conflito. O Conselho Imperial russo, reuniu em Livadiya, na Crimeia, a 15 de outubro de 1876, e decidiu uma mobilização parcial do exército. No dia 4 de novembro, Frederick Arthur Stanley (1841-1908), Conde de Derby, Financial Secretary para o War Office, sugeriu uma conferência a realizar em Constantinopla para elaborar um novo esquema de reformas para o Império Otomano, o que mereceu o acordo das outras Potências. O Governo otomano aceitou com grande relutância a realização da conferência, depois de Lord Derby ter deixado claro que a alternativa seria uma guerra entre a Rússia e o Império Otomano, ficando este por sua conta. O Czar tinha tornado público que a Rússia agiria por sua conta se as Potências não chegassem a acordo em Constantinopla e o Governo otomano não apresentasse garantias de que as reformas seriam realizadas.

A Conferência de Constantinopla foi realizada de 23 de dezembro de 1876 a 20 de janeiro de 1877. Participaram os representantes do Reino Unido, Alemanha, Áustria-Hungria, França, Rússia, Itália e Império Otomano. Nas primeiras semanas de dezembro foram realizados encontros preparatórios para a Conferência, dos quais os representantes turcos foram excluídos. As decisões tomadas nas reuniões preparatórias foram as seguintes[1]:

  • A Bósnia e a Herzegovina seriam unidas numa única província, sendo o governador nomeado pela Porta (designação do Governo Otomano), embora necessitando do consentimento das Grandes Potências;
  • A Sérvia e o Montenegro receberiam pequenos ganhos territoriais, mas este projeto não previa nenhuma saída para o mar; O sul da Herzegovina seria anexado ao Principado do Montenegro.
  • A Bulgária tornar-se-ia num Estado autónomo em que a fronteira sul deveria ser traçada entre Adrianópolis (atualmente Edirna, Turquia) e Monastir (atual Bitola, Macedónia), e o novo Estado deveria ser dividido em duas províncias: oriental, com capital em Tarnovo, e ocidental, com capital em Sofia. As Grandes Potências apresentaram uma proposta legislativa sobre a organização administrativa do território, impostos e supervisão internacional para a verificação da aplicação das medidas acordadas.

No dia 23 de dezembro, na abertura da primeira sessão plenária, os delegados foram surpreendidos pelo anúncio de uma nova Constituição do Império Otomano, com um carácter liberal. As decisões que as Grandes Potências queriam impor pareciam agora desajustadas da realidade. A 18 de janeiro de 1877, em Constantinopla, um "conselho de notáveis", que incluía os representantes das comunidades cristãs, votou quase unanimemente contra a aceitação das decisões das Grandes Potências. Estas, desunidas, não conseguiram levar o Governo turco a aceitar as suas decisões. Os Franceses, por seu lado, aproveitaram a oportunidade para estreitarem as relações com a Rússia e o Reino Unido. Bismarck desenvolveu esforços para se manter perto da Áustria-Hungria e do Reino Unido. A primeira consequência desta desunião foi a de as Grandes Potências acabarem por alterar as suas propostas no sentido de atraírem o Governo turco, mas este continuou a opor-se às decisões tomadas na Conferência e, no dia 20 de janeiro de 1877, esta deu os trabalhos por terminados sem ter atingido os seus objetivos. A situação ainda se agravou mais quando, a 5 de fevereiro, foram feitas remodelações no Governo Otomano e este se tornou mais conservador e mostrou maior antagonismo às propostas das Grandes Potências.


Os delegados do Reino Unido, França, Alemanha, Áustria-Hungria, Itália e Rússia. Não está presente na fotografia o representante turco, apesar de a conferência ter sido realizada em Constantinopla. Fotografia em  https://pt.wikipedia.org/wiki/Confer%C3%AAncia_de_Constantinopla#/media/Ficheiro:Constantinople_Conference.jpg.

A Rússia insistiu em obrigar a Turquia a desmobilizar e a aceitar um programa de reformas cuja execução seria controlada pelas Grandes Potências. Tanto a Áustria-Hungria como o Reino Unido insistiram na desmobilização das forças russas antes de ser assinado qualquer acordo. Por iniciativa da Rússia, as negociações continuaram, apesar de encerrada a Conferência, e as Grandes Potências chegaram a um acordo de que resultou um protocolo assinado a 31 de março em que exigiam a desmobilização das forças turcas. A 9 de abril, os termos do protocolo foram rejeitados pelo Sultão.


[1] ANDERSON, The Eastern Question, 1978, p. 191.

Revoltas na Bósnia, na Herzegovina e na Bulgária

A Bósnia e a Herzegovina foram sujeitas, durante muito tempo, a governos muçulmanos que usufruíam de grande independência relativamente a Constantinopla. Neste território desenvolveu-se uma estrutura social e económica antiquada, com um governo que exercia um controlo apertado sobre um campesinato maioritariamente cristão em que muitos dos seus membros tinham o estatuto de servos. Esta situação já tinha provocado revoltas na região, a última das quais em 1861-1862. A influência do Principado da Sérvia não era estranha a estas revoltas. Em julho de 1875, os impostos foram agravados e os camponeses cristãos revoltaram-se contra os seus senhores muçulmanos. Esta revolta causou inquietação nas Grandes Potências e manifestações de simpatia na generalidade das comunidades eslavas, em particular do Montenegro que apoiou os rebeldes desde o início da revolta.

Alexandre II avisou os sérvios sobre os perigos de uma intervenção militar em apoio dos rebeldes, mas a opinião pública sérvia influenciou as decisões de Milan Obrenović (1854-1901), Príncipe da Sérvia (Milan I), que decidiu prestar ajuda aos revoltosos da Bósnia e da Herzegovina. Os Turcos tinham começado a reunir forças para agirem contra os revoltosos e, em outubro, registaram-se vários confrontos entre as forças turcas e o exército sérvio. A declaração de guerra da Sérvia à Turquia foi feita a 2 de julho e, no dia 10, a Sérvia e o Montenegro assinaram um tratado de aliança e uma convenção militar. A Áustria-Hungria e a Rússia, as grandes potências com interesses diretos na região, estabeleceram um acordo. A 8 de julho de 1875, em Reichstadt, Boémia, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Áustria-Hungria e da Rússia, Andràssy e Gorchakov concordaram verbalmente em não intervir na guerra. Concordaram que, se a Turquia derrotasse os montenegrinos e os sérvios, ela não seria autorizada a beneficiar da sua vitória, pois a Rússia e a Áustria-Hungria exigiriam que a Sérvia fosse restaurada nas suas fronteiras anteriores à guerra, exigiriam o reconhecimento do Montenegro como um Estado independente e a Bósnia e Herzegovina veria reconhecida a sua autonomia.

Aqueles dois diplomatas também chegaram a acordo sobre as ações a desenvolver no caso de a Turquia perder a guerra. Neste caso, a Rússia recuperaria o sul da Bessarábia e poderia ocupar Batumi (na atual Geórgia) e outros territórios na fronteira asiática com a Turquia, sem a oposição da Áustria-Hungria. Este foi um acordo não escrito em que foram estabelecidas várias outras cláusulas para o caso de um colapso do Império Otomano e, sendo assim, o exame dos documentos posteriores encontrou várias discrepâncias entre a versão russa e a versão austríaca.


Uma edição de 

Through Bosnia and the Herzegovina on foot during the insurrection, August and September 1875 (1877) with an historical review of Bosnia, and a glimpse at the Croats, Slavonians, and the ancient republic of Ragusa

Autor: SirArthur Evans (1851-1941)



Em maio de 1875, o general russo Mikhail Grigorievich Chernyayev (1828-898) foi nomeado comandante do Exército Sérvio e as expectativas criadas pelo apoio da Rússia encorajaram a Sérvia a declarar guerra ao Império Otomano. Esse apoio, em novembro de 1875, somava três milhões de rublos, uma grande quantidade de abastecimentos e entre dois e três mil voluntários russos que se juntaram às forças sérvias. O apoio enviado da Rússia, conseguido principalmente num sistema de doações particulares ao movimento pan-eslavista, era apesar de tudo insuficiente para impedir a vitória das forças otomanas. No final de outubro, os turcos estavam em posição de avançar sobre Belgrado, o que só não aconteceu porque a Rússia lançou um ultimato que obrigou a um armistício.

Perante a fraqueza da Sérvia, a Rússia decidiu desenvolver o seu esforço em direção à Bulgária, passando esta a ser a principal zona de influência russa nos Balcãs. Os Búlgaros eram então uma comunidade autónoma dentro do Império Otomano sendo a religião cristã ortodoxa o principal elemento aglutinador sob a liderança do Patriarca de Constantinopla. Os líderes desta comunidade eram claramente russófilos e a comunidade mostrava-se pouco permeável às influências ocidentais. Neste processo desenvolveu-se a ideia da criação de uma "Grande Bulgária" que seria criada à custa dos territórios que eram os que materializavam as ambições territoriais da Sérvia. Por outro lado, a intervenção da Rússia para proteger os habitantes da Bósnia e Herzegovina, da Sérvia e do Montenegro, levaria a atritos ou mesmo a uma situação de guerra com a Áustria-Hungria.

Esta era a situação que Bismarck mais queria evitar porque, mesmo que o conflito entre a Áustria-Hungria e a Rússia se mantivesse no patamar diplomático, a Alemanha seria obrigada a fazer uma escolha, apoiando um dos seus parceiros do Acordo dos Três Imperadores e antagonizando o outro. Neste caso, estaria criada uma oportunidade para a França sair do isolamento em que se encontrava desde 1871, conseguindo uma aliança com a parte não apoiada pela Alemanha. Para Bismarck, a solução óbvia era a partilha do Império Otomano, o que iria mitigar o antagonismo entre a Áustria-Hungria e a Rússia. Para as outras Grandes Potências serem compensadas dos ganhos austríacos e russos, podiam ser-lhes feitas concessões no Próximo Oriente ainda dominado pelo Império Otomano.

A Áustria-Hungria dominaria a Bósnia e Herzegovina e a parte ocidental dos Balcãs. A parte oriental da Península ficaria aberta ao controlo da Rússia, que exerceria controlo sobre a Roménia e uma Bulgária autónoma. O Reino Unido ocuparia o Egipto e algumas ilhas turcas no Mar Egeu e a França seria compensada com a Síria. Para implementar esta partilha, Bismarck necessitava da cooperação do Reino Unido, cujo governo não se decidiu sobre a posição a tomar. Durante o ano de 1876 foram tentadas negociações entre as Grandes Potências sem que alguma se tenha comprometido com o projeto de Bismarck. O Reino Unido assumiu a posição de preservar o Império Otomano.

Em maio de 1876, a insurreição que tinha começado na Bósnia e na Herzegovina chegou aos territórios da Bulgária. Com o apoio de agentes russos e uma organização que estava a ser criada desde 1873, os búlgaros revoltaram-se contra o domínio otomano. As represálias exercidas foram de grande violência. As tropas otomanas cometeram grandes atrocidades e massacraram dezenas de milhares de pessoas. As notícias desta repressão indignaram a opinião pública europeia que exerceu pressão sobre os seus governos para intervirem para porem fim aos «horrores búlgaros». Este era o título de um folheto publicado por William Ewart Gladstone (1809-1898) em que denunciava a situação na Bulgária. Apesar da indignação pública, os governos não se apressaram. Só a Rússia, porque tinha interesses na região, agiu mais prontamente.

O Czar tornou pública a intenção de realizar uma intervenção militar se as outras potências não chegassem a acordo sobre uma ação comum junto do Governo otomano. A Áustria-Hungria não deu sinais de se opor a esta atitude da Rússia já que, desta forma, ficava com as mãos livres para se apoderar da Bósnia e da Herzegovina. Andrássy e Gortchakov reuniram-se e chegaram a acordo sobre uma partilha de zonas de influência nos Balcãs. Bismarck limitou-se a estar atento aos acontecimentos para procurar evitar que os seus parceiros do Acordo dos Três Imperadores entrassem em confronto um com o outro, mas o Reino Unido continuou a opor-se ao desmembramento do Império Otomano porque, a acontecer, prejudicaria os interesses britânicos no Mediterrâneo Oriental. Para tratar a questão, os britânicos propuseram a realização de uma conferência em Constantinopla.

A crise franco-alemã de 1875

Uma das cláusulas do Tratado de Frankfurt (1871) impunha o pagamento pela França de uma indemnização à Alemanha no valor de cinco mil milhões de francos. Tratava-se de uma quantia muito avultada e Bismarck associou esse pagamento a dois objetivos: dificultar a recuperação francesa e financiar o desenvolvimento da indústria alemã. O prazo para pagamento terminava em março de 1874, mas a França negociou o pagamento antecipado em troca de uma saída mais rápida das tropas de ocupação. Em 1871 tinham-se verificado incidentes entre franceses e ocupantes. Estes incidentes provocaram a ameaça de intervenção por parte de Bismarck. Foi para evitar este tipo de conflitos que Adolphe Thiers, negociou a antecipação do pagamento e da evacuação das tropas alemãs. A 29 de junho de 1872 foi assinada a convenção que autorizou a antecipação dos pagamentos. No ano seguinte, em março, foi assinada uma segunda convenção em que se estabelecia o acordo para os últimos pagamentos e a retirada das últimas tropas de ocupação, seis meses mais cedo que o que tinha sido estabelecido no Tratado de Frankfurt.

Thiers resignou ao cargo de Presidente a 24 de maio de 1873 e sucedeu-lhe Mac Mahon. A chegada dos monárquicos ao poder desagradou profundamente a Bismarck por duas razões: porque uma França republicana encontraria maiores obstáculos ao estabelecimento de alianças com as monarquias europeias e porque a ideia de revanche estava muito mais presente nos meios monárquicos. Com a formação do governo da coligação conhecida como Ordre Moral surgiram outras causas de atrito entre a França e a Alemanha.

Com raízes mais antigas, agudizou-se na década de 1870, na Alemanha, o conflito entre o Governo alemão e a Igreja Católica pelo controlo de escolas e nomeações para a hierarquia da Igreja, conflito que ficou conhecido como Kulturkampf. Para o governo de Bismarck tratava-se de fortalecer o poder central do Império Alemão, predominantemente prussiano e protestante, mas dentro do qual o sul da Alemanha, a Alsácia-Lorena e as províncias polacas eram predominantemente católicas. Em 1871 foi abolido o departamento católico no Ministério dos Cultos. Em 1873 o controlo da Educação passou a ser exclusivo do Estado e os Jesuítas foram expulsos do Império. No ano seguinte foi igualmente decretada a expulsão de outras ordens. Em maio deste ano foram publicadas as leis que regulavam a nomeação para os cargos eclesiásticos, que restringiam os poderes disciplinares da Igreja e facilitavam os procedimentos para aqueles que desejassem abandonar o seu serviço. Estas leis não só restringiam os poderes da Igreja Católica como previam as sanções a aplicar para as situações de incumprimento e tiveram como consequência a perseguição a muitos clérigos. Estas perseguições infligidas aos católicos provocaram os protestos dos bispos de Nîmes e de Angers. Bismarck exigiu ao governo francês que agisse contra esses bispos.

Estes acontecimentos criaram um momento de tensão grave nas relações entre a França e a Alemanha, mas não devemos considerar que só por si eles poderiam desencadear uma nova guerra. Já a reorganização do Exército Francês foi vista como uma ameaça para a Alemanha. Esta reorganização resultou de duas leis, uma de 1872, que instaurou um serviço militar obrigatório, em geral, de cinco anos, e outra de março de 1875 que, embora mantendo os efetivos, aumentava o número de batalhões em tempo de paz e permitia a formação de mais oficiais e sargentos. Com estas leis e um sistema que permitisse uma rápida mobilização das reservas, a França conseguiria aprontar para uma campanha um número maior de unidades militares e com maior rapidez. A lei de março de 1875 foi entendida por Bismarck como uma preparação da França para uma guerra contra a Alemanha, possibilidade que aproveitou para, utilizando a imprensa, mobilizar a opinião pública alemã e fazer crer aos Franceses que não deviam prosseguir com aquela reorganização militar.

Este mal-estar nas relações entre a Alemanha e a França foi motivo de conversa entre Élie de Gontaut-Biron (1817-1890), embaixador francês em Berlim, e Joseph Maria Friedrich von Radowitz (1839-1912), embaixador alemão em Atenas. Gontaut-Biron explicou que a lei de março de 1875 não pretendia possibilitar um ataque da França à Alemanha, mas Radowitz retorquiu: «se a vingança está no pensamento íntimo da França - e é seguramente o que se passa - porque havemos de esperar que recupere as suas forças e faça alianças, para atacar? Terá de concordar que [...] estas deduções têm fundamento e que a Alemanha tem de refletir sobre elas.»[1]

O facto de Radowitz ser familiar de Bismarck deixou Gontaut-Biron ainda mais preocupado com esta resposta e deu conhecimento dela ao seu Ministro dos negócios Estrangeiros, Élie-Louis Decazes (1780-1860). O Governo Francês tomou consciência da gravidade da situação, pois a ideia transmitida por Radowitz teria, muito provavelmente, sido considerada pelo Governo Alemão e não seria apenas fruto de um pensamento pessoal lançado sem intenção numa conversa de salão. O Governo Francês considerou a possibilidade de suspender a lei de março de 1875 a fim de não dar qualquer pretexto à Alemanha, mas não o fez e pediu o apoio do Reino Unido e da Rússia.

O Primeiro-ministro britânico, Benjamin Disraeli (1804-1881), garantiu o apoio diplomático à França e solicitou ao Governo Alemão que assegurasse à Europa que não existia nenhuma intenção de iniciar uma guerra. Disraeli tentou, portanto, esclarecer as intenções da Alemanha por forma a manter um clima de paz na Europa. O Czar Alexandre II (1818-1881), no entanto, assumiu uma atitude mais ativa. O problema de Alexandre II eram as consequências de uma guerra entre a França e a Alemanha. A França continuava isolada e o mais provável seria a guerra resultar numa vitória alemã, o que implicaria a hegemonia alemã no Continente, ou seja, um desequilíbrio do poder militar entre as potências europeias. Sendo assim, Alexandre II deslocou-se a Berlim, onde chegou a 10 de maio de 1875 na companhia do seu chanceler, Mikhail Alexandrovich Gorchakov (1839-1897). Houve uma reunião em que estiveram presentes Alexandre II, Gorchakov e Bismarck. Não existem registos da conversa entre estas personalidades, mas Gorchakov deu a garantia a Gontaut-Biron de que a Alemanha não iria desencadear uma guerra preventiva contra a França.

A República Francesa continuou a implementar as reformas por forma a reconstruir o seu poder militar. Também não é credível que Bismarck pretendesse mais do que pressionar a França por forma a evitar que esta se tornasse uma potência militarmente mais forte e pudesse, no futuro, desencadear uma guerra para recuperar a Alsácia-Lorena. Bismarck teria certamente consciência de que as outras potências, tal como a Rússia, não aceitariam um ataque à França desencadeado pela Alemanha. Com esta crise, Bismarck ficou bem ciente das fraquezas reveladas pelo Acordo dos Três Imperadores.



[1] MILZA, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, 2007, p. 22. Citação, sem mencionar a fonte.

O Acordo dos Três Imperadores (Dreikaiserabkommen)

O interesse da Alemanha nos Balcãs relacionava-se com a necessidade de manter o equilíbrio entre a Áustria-Hungria e a Rússia. Por outro lado, era do interesse de Bismarck manter a Monarquia Dual, isto é, evitar a desintegração do Império Austro-Húngaro, o que levaria os Austríacos, de língua alemã e católicos, a procurarem juntar-se à Alemanha, não existindo então razão para que uma população germânica o não fizesse. Uma situação como esta poria em risco a preponderância da Prússia protestante no Império Alemão. Por outro lado, a Alemanha perderia o seu único aliado de confiança já que a França era o seu potencial inimigo, o Reino Unido mantinha a sua política isolacionista a menos que os seus interesses fossem ameaçados e a posição da Rússia era dúbia porque mantinha um conflito latente com a Áustria devido aos interesses antagónicos nos Balcãs. Bismarck desejava preservar o Império Austro-Húngaro, mas não desejava desafiar a Rússia.

A fórmula encontrada foi a construção de um sistema de alianças entre a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Rússia. Este sistema deixaria a França isolada já que o Reino Unido manteria a sua política de não intervenção. No entanto, essa estratégia de Bismarck implicava não apoiar a Rússia contra os interesses britânicos. Existiam duas áreas de conflito geoestratégico entre o Reino Unido e o Império Russo: A Ásia Central e os Estreitos do Bósforo e de Dardanelos. Na Ásia Central, a Rússia desejava expandir-se para sul visando adquirir um porto nas águas quentes do Oceano Índico. O Reino Unido receava que a Rússia criasse bases na Ásia Central, de onde podiam ameaçar a Índia Britânica. Sem entrarem diretamente em confronto com os russos, os britânicos viram-se envolvidos nas Guerras do Afeganistão (1839-1842 e 1878-1880) e a situação na região foi sempre uma fonte de atritos entre as duas Potências. Se o foco das preocupações de Bismarck era a Europa, a questão do “Grande Jogo” - nome que os britânicos utilizavam para designar este confronto de interesses com a Rússia - podia ficar fora dos acordos que fossem concluídos para a Europa. Já o mesmo não se passava relativamente aos Estreitos porque a sua utilização era (e é) feita de acordo com normas internacionais estabelecidas então pelas Grandes Potências, o que incluía a França. O que o Reino Unido receava era que a Rússia dominasse os Estreitos e, dessa forma, utilizasse o seu poder naval para ameaçar a livre circulação dos navios britânicos no Mediterrâneo Oriental e, especificamente, o acesso ao Canal de Suez.

Para manter a paz na Europa era, portanto, necessário não ameaçar a supremacia naval do Reino Unido e manter a França afastada da Áustria-Hungria e da Rússia, com quem a Alemanha estabeleceria laços de aliança. O Acordo dos Três Imperadores começou por ser um acordo entre a Rússia e a Alemanha para ajuda mútua se um ou outro fosse atacado. A este acordo foi adicionado outro, entre a Rússia e a Áustria-Hungria, em que concordavam em estabelecer um processo de consultas em caso de ameaça de agressão. Para estes acordos não foi estabelecido nenhum prazo de vigência. Tratava-se de uma nova Santa Aliança, conservadora como as três monarquias que a integravam.

Reconhecendo as consequências da vitória da Prússia em 1870-1871, Francisco José, Imperador da Áustria-Hungria, concluiu que teria toda a vantagem numa reconciliação com o Império Alemão. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Áustria-Hungria, Gyula Andrássy (1823-1890), era partidário de uma aliança com a Alemanha, mas desejava que esta aliança englobasse um terceiro parceiro, o Reino Unido. A estratégia que Andrássy propunha criava uma aliança, ou conjunto de alianças, contra a Rússia, o que ia contra os objetivos de Bismarck. No decorrer das negociações com a Alemanha, Andrássy chegou a propor a independência da Polónia por forma a criar uma barreira contra a Rússia. Bismarck manteve os seus objetivos, pois considerava que a ligação com a Rússia era essencial para manter a segurança da Alemanha contra a França. O principal argumento utilizado por Bismarck para convencer Andrássy a aceitar o acordo foi o da «solidariedade monárquica, para fazer face a uma França republicana e agressiva.» Na realidade, este era um falso argumento em que nem Bismarck acreditava. Os três imperadores reuniram-se em Berlim, em setembro de 1872. Não foi escrito nenhum acordo e «a reunião foi apresentada como uma demonstração contra "a revolução".»[1]

 

Figura 7: O Acordo dos Três Imperadores (Dreikaiserabkommen)

No ano seguinte, em maio, Guilherme I visitou São Petersburgo e, em junho, Alexandre II visitou Viena. Em cada uma destas visitas foram estabelecidos acordos. Em São Petersburgo, Helmuth von Moltke e o Marechal de Campo Friedrich Wilhelm Rembert von Berg (1794-1874), conselheiro de estado russo, assinaram uma convenção que previa ajuda militar mútua em caso de um dos Impérios ser atacado por outra potência europeia. Da visita a Viena resultou um acordo, a que Guilherme I se juntou mais tarde, que estabelecia a promessa de consulta mútua entre os Imperadores no caso em que alguma questão ameaçasse dividi-los. Este acordo entre os três soberanos, estabelecido a 22 de outubro de 1873, tinha, pois, uma estrutura frágil, mas permitiu a Bismarck atingir o seu principal objetivo: o isolamento diplomático da França. As fraquezas deste acordo foram postas à prova nas crises que se seguiram: a crise franco-alemã de 1875 e a crise balcânica de 1875-1878.



[1] TAYLOR, The Struggle for Mastery in Europe 1848-1918, 2001, pp. 218-219.

A Europa e o Império Alemão

No dia 18 de janeiro de 1871 concretizou-se a unificação da Alemanha. Guilherme II da Prússia foi aclamado Imperador e, nesta qualidade, passou a ser designado por Guilherme I da Alemanha. Estava assim criada uma nova entidade política que assumia a supremacia no Continente europeu, qualidade que até aí tinha pertencido à França. A supremacia não significava, portanto, a impossibilidade de ser derrotado num confronto com outra ou outras potências. Se o poder militar da Alemanha era suficiente para enfrentar qualquer das outras potências europeias, já o mesmo não se poderia dizer se confrontada com uma coligação de potências e, muito especialmente, se essa coligação obrigasse a uma guerra em duas frentes, como poderia ser o caso de uma aliança entre a França e a Rússia.

Concluída a paz com a França nos termos do Tratado de Frankfurt (10 de maio de 1871), Bismarck teve a preocupação de trabalhar no sentido de manter o status quo, ou seja, consolidar a unificação da Alemanha e a sua posição na Europa por forma a garantir a segurança e a continuação do desenvolvimento económico. A anexação das províncias da Alsácia e Lorena, por insistência dos generais prussianos, para tornarem mais defensável o Império Alemão, foi a última alteração de fronteiras. Bismarck não pretendia quaisquer outros ganhos territoriais à custa da França. As futuras alterações no mapa político da Europa, que ocorreram em 1878, 1908, 1912 e 1913, iriam verificar-se nos Balcãs.  Para os objetivos do chanceler alemão, no que respeitava a relações internacionais, manter o status quo envolvia:

  • O isolamento da França;
  • A manutenção de boas relações com a Áustria e a Rússia.

Com estes objetivos, Bismarck procurava, por um lado, evitar a ameaça de uma guerra em duas frentes contra uma aliança franco-russa e, por outro lado, não se envolver numa hipotética guerra entre a Rússia e a Áustria por causa dos conflitos de interesses nos Balcãs. Um acordo com a Áustria e a Rússia manteria a Alemanha num círculo de três Grandes Potências, num mundo de cinco, o que significava que não existia, fora desse acordo, capacidade para atacar a Alemanha. Por outro lado, Bismarck pretendia manter fortes as forças conservadoras, dominantes nos governos da Áustria e da Rússia, contra os movimentos socialistas e republicanos que constituíam uma ameaça para a estabilidade dos regimes nestas potências.

Existiam ameaças aos objetivos de Bismarck. Era precisamente nas forças mais conservadoras de França, a ala direita da política francesa, onde a ideia de revanchisme se mantinha mais forte. As forças conservadoras são mais agressivas e militaristas que as forças republicanas e, por isso, era mais fácil para a Alemanha desenvolver o seu relacionamento com uma república liberal.

Figura 6: A Europa em 1871. Ver mapa em tamanho original (2,284 × 1,503 pixels) em https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dd/Europe_1871_map_en.png

 A 4 de Setembro de 1870, a notícia da derrota francesa na Batalha de Sedan, três dias antes, e da captura de Napoleão III pelas tropas prussianas, provocou em Paris uma insurreição que teve como consequência a queda do Segundo Império e a proclamação da República. A guerra, com todas as suas consequências - políticas, institucionais, económicas e sociais - agravadas pela criação das comunas, em especial da Comuna de Paris (18 de março a 28 de maio de 1871), causaram na sociedade francesa um forte desejo de paz e estabilidade que se traduziu, nas eleições de fevereiro de 1871 para a Assembleia Nacional, numa clara vitória dos partidos monárquicos: 415 representantes num total de 645[1]. Contudo, os partidários da monarquia estavam divididos e a escolha, feita pela Assembleia Nacional, de um chefe do poder executivo para governar a nova República, ainda com um estatuto provisório, recaiu sobre Adolphe Thiers (1797-1877), antigo primeiro-ministro monárquico, mas que se apresentou então como independente. Thiers tinha discordado da declaração de guerra à Prússia e acreditava agora que a unidade nacional exigia uma república. Nas eleições de 1876, os republicanos conseguiram 55,7% dos votos, o que se traduziu em 371 lugares num total de 526[2].

Adolphe Thiers negociou o Tratado de Frankfurt (10 de maio de 1871) e ordenou a supressão da Comuna de Paris. No governo da República, «fez um jogo político ambíguo e subtil»[3] de que os republicanos souberam tirar proveito. No cargo de Presidente da República Francesa, Thiers definiu-se cada vez mais próximo dos republicanos, defendendo uma república liberal. Num discurso proferido a 13 de novembro de 1872, declarou a sua ligação ao regime republicano. A 23 de Maio de 1873, Thiers discursou na Assembleia Nacional e afirmou que a República era o único regime viável em França. A maioria de representantes monárquicos reagiu e aprovou legislação que reduziu as competências do Presidente. Thier demitiu-se a 24 de maio de 1873.

O sucessor de Thier foi o Marechal Patrice de Mac Mahon (1808-1893), monárquico convicto. Para Presidente do Conselho de Ministros, Mac Mahon escolheu Jacques Victor Albert, Duque de Broglie (1821-1901), uma das figuras do catolicismo liberal. O objetivo deste governo formado por uma coligação de direita chamada Ordre Moral era preparar a restauração da monarquia o que, no entanto, foi um fracasso e, no dia 9 de novembro de 1873, a Assembleia Nacional legislou no sentido de estabelecer a duração do mandato do Presidente da República em sete anos, estabelecendo para esta figura política um carácter mais de acordo com a República. Mac Mahon demarcou-se dos partidos políticos e declarou a 4 de fevereiro de 1874 que faria respeitar a ordem estabelecida, isto é, a da República. Foi neste cenário que a Assembleia Nacional aprovou a Constituição de 1875.

A vitória republicana nas eleições de fevereiro/Março de 1876 levou à nomeação de um governo dominado por republicanos. No ano seguinte, na sequência dos incidentes provocados pelo movimento do ultramontanisme (doutrina política católica, com origem em França, que procura em Roma a sua principal referência), Mac Mahon nomeou um governo conservador chefiado por Broglie, convenceu o Senado a dissolver a Câmara dos Deputados e marcou novas eleições. Estas foram realizadas de 14 a 28 de outubro de 1877 e os partidos republicanos obtiveram 318 lugares em 526, isto é, 54,4%[4] dos lugares e Mac Mahon viu-se obrigado a formar um governo republicano. Sem o apoio de uma maioria conservadora, Mac Mahon demitiu-se a 30 de janeiro de 1879.

Tanto o Império Austro-Húngaro como o Império Otomano continham comunidades eslavas (Eslavos do Sul) nos seus domínios dos Balcãs. Croatas, Eslovenos e Sérvios habitavam a região sul do Império Austro-Húngaro, na parte que pertencia à Hungria. Montenegro e Sérvia eram principados autónomos que se apoiavam fundamentalmente na Rússia, onde o movimento pan-eslavista era utilizado pelo governo do Czar com a finalidade de alargar as suas zonas de influência. A Bulgária só iria conquistar a autonomia (não a independência) em 1878. Dos restantes territórios da Península Balcânica, a Grécia era um Reino Independente desde 1830, a Roménia era um Principado, um Estado independente, mas sujeito à suserania do Sultão, e tudo o mais encontrava-se sob domínio direto do Império Otomano.

A Rússia era um dos Estados mais subdesenvolvidos da Europa, em todos os aspetos. Politicamente, era um Estado quase feudal, uma autocracia, onde o liberalismo ocidental era fortemente reprimido. Existiam grupos de intelectuais que defendiam a "ocidentalização". A derrota na Guerra da Crimeia (1853-1856) levou o Czar Alexandre II, que reinou de 1855 até 1881, a implementar uma série de reformas: abolição da servidão (1861), reforma do governo local (1864 a 1870), reforma do sistema judicial (1864), criação do Ministério das Finanças (1860), reformas da educação e a reforma das forças armadas. Todas estas reformas foram implementadas com grandes limitações porque as infraestruturas base não existiam ou tinham grandes deficiências e também porque existia uma forte oposição dos movimentos niilistas, populistas e pan-eslavistas. O resultado foi uma escalada de repressão. Em março de 1881, Alexandre II mandou preparar uma Constituição que não chegou a ser implementada porque foi assassinado no dia 13 desse mês.

Embora a Rússia não dispusesse dos meios necessários para agir com eficácia, não deixou de ter o acesso ao Mediterrâneo como o principal objetivo estratégico.  O Império Otomano estava em desagregação e os sucessivos governos russos foram agindo sempre por forma a tentarem controlar os Estreitos do Bósforo e de Dardanelos e a expandirem-se na Península Balcânica, o que lhes facilitaria esse controlo. Justificando-se com os movimentos pan-eslavistas, mas sem deixar de ter em vista a expansão territorial ou a expansão das suas zonas de influência, o Czar assume-se como protetor das populações cristãs dos Balcãs que procuram a independência. No entanto, os objetivos russos encontram dois obstáculos importantes: os Austríacos que tinham os Balcãs como zona de expansão e os Britânicos que não desejavam permitir que a frota russa tivesse acesso ao Mediterrâneo oriental, especialmente depois da inauguração do Canal de Suez em 1869.

A Áustria tinha sido derrotada na Guerra Austro-Prussiana (1866) e, um ano depois, foi criada uma monarquia dual, o Império Austro-Húngaro. A criação desta entidade política não resolveu minimamente o problema das nacionalidades no Império. Existiam diversas nacionalidades para além dos povos de língua alemã e magiar. O problema fundamental para a Alemanha, no que respeitava à Áustria, eram as nacionalidades que, nos Balcãs, podiam ser causa de colisão dos interesses austríacos e russos. A questão dos Sérvios instalados no sul do território do império Austro-Húngaro, aliciados pelo Principado da Sérvia que sonhava em reunir num único Estado todos os povos eslavos do Sul, era a principal preocupação austríaca. Era um conflito entre estas duas Grandes Potências, Rússia e Áustria-Hungria, que Bismarck considerava essencial evitar.

A Itália completou a sua unificação em 1870, quando a derrota sofrida na Guerra Franco-Prussiana obrigou a França a retirar as que defendiam o poder temporal do Papa. Os Franceses retiraram, os Italianos ocuparam Roma e o Papa ficou «prisioneiro no Vaticano» para utilizar as palavras do Papa Pio IX. A Itália era um Reino com grandes atrasos no domínio da economia, um Estado fraco que não dispunha dos meios necessários para atingir o objetivo que considerava prioritário: libertar do domínio estrangeiro todos os territórios de língua e sentimento italianos. Aqueles territórios eram o Trentino e a região de Trieste, ocupados pela Áustria. Além deste objetivo, a Itália desenvolveu, por questões de prestígio, a vontade de participar na expansão colonial. Neste quadro, a Itália encontrou a hostilidade da Áustria nos territórios irredentos e nos Balcãs, e da França no Mediterrâneo.

O Reino Unido era a primeira potência económica do mundo. Possuía o império colonial mais vasto e, para assegurar a ligação com os seus domínios ultramarinos, dispunha da Royal Navy, a maior armada do mundo. O reino Unido é uma ilha, facto que, aliado às capacidades da Royal Navy, lhe permitiram desenvolver um sentimento de segurança e preferir o isolamento. Evitava qualquer acordo diplomático que o obrigasse ao envolvimento nos conflitos em que os seus interesses diretos não estivessem ameaçados. Em 1871, ainda não existiam rivais à potência industrial do Reino Unido, embora a Alemanha se encontrasse em grande desenvolvimento. Os números seguintes mostram-nos quanto o Reino Unido se encontrava à frente na produção de minérios como o hard coal (carvão mineral de alto rendimento, antracite) ou o ferro e na produção industrial em que o ferro e o aço são sempre indicadores importantes[5]:

Valores referentes a 1871, em milhares de toneladas métricas.

 

Carvão

Minério de ferro

Ferro gusa

Aço

Áustria-Hungria

4.970

864

292

36

França

13.259

1.852

860

80

Alemanha

29.373

3.376

1.424

143

Reino Unido

119.235

16.902

6.733

334

 O sistema de "comércio livre" adotado pelo Reino Unido permitiu que a indústria britânica se abastecesse de produtos agrícolas e matérias-primas no estrangeiro e que colocasse os produtos das suas indústrias em todo o mundo. Para manter esta corrente de trocas era necessário desenvolver uma política a nível mundial e assegurar o domínio dos mares. Assim, os principais objetivos da diplomacia britânica eram: «manter na Europa continental o equilíbrio das potências, assegurar grandes mercados exteriores, não permitir nenhuma ameaça à sua hegemonia naval»[6]. A Alemanha fazia sentir a sua crescente supremacia na Europa continental e o Reino Unido exerci-a no mundo.



[1] COOK & PAXTON, European Political Facts 1848-1918, 1978, p. 121.

[2] COOK & PAXTON, European Political Facts 1848-1918, 1978, p. 121

[3] NÉRÉ, O Mundo Contemporâneo, 1976, p. 223.

[4] COOK & PAXTON, European Political Facts 1848-1918, 1978, p. 121.

[5] MITCHELL, European Historical Statistics 1750-1970, 1976, pp. 362-364, 388, 393-394 e 399.

[6] MILZA, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, 2007, p. 18.

O Império Alemão (1871-1918)

 

Conseguida a criação do Império Alemão, isto é, a unificação da Alemanha, foi redigida uma Constituição[1] com setenta e oito artigos distribuídos por catorze secções. Vejamos alguns artigos que nos podem dar uma noção do que era o Império de que Bismarck foi chanceler até 1890. Na primeira secção, intitulada «Território da Confederação», fica definido o contexto geográfico do Império:

«Artigo I. O território da Confederação é composto pelos Estados da Prússia com Lauenburg, Baviera, Saxónia, Würtemburg, Baden, Hesse, Mecklenburg-Schwerin, Saxe-Weimar, Mecklenburg-Strelitz, Oldenburg, Brunswick, Saxe-Meiningen, Saxe-Altenburg, Saxe-Coburg-Gotha, Anhalt, Schwarzburg-Rudolstadt, Schwarzburg-Sondershausen, Waldeck, Reuss Elder Line, Reuss Younger Line, Schaumburg-Lippe, Lippe, Lubeck, Bremen, and Hamburg.»

Seguem-se vários artigos sobre a legislação no Império, o Conselho da Confederação, a Presidência da Confederação (que pertencia ao Rei da Prússia – artigo XI), a Dieta (parlamento) imperial, as questões de comércio e alfândegas, as questões de caminhos de ferro. Esta última merece especial atenção para a nossa análise porque o seu artigo XLI começa da seguinte forma: «Os caminhos de ferro que são considerados necessários para a defesa da Alemanha…». O seu artigo XLVII estipula o seguinte: «As requisições das autoridades do Império relativamente à utilização dos caminhos de ferro com o propósito de defesa da Alemanha devem ser obedecidas sem obstáculos por toda a administração dos caminhos de ferro […] todos os militares e materiais de guerra devem ser transportados a taxas igualmente reduzidas.»

A constituição trata depois dos assuntos postais e telegráficos, navegação e marinha mercante, serviços consulares e, na sua secção XI trata dos assuntos militares do Império. Desta secção da Constituição do Império Alemão importa salientar o seguinte:

«Artigo LVII. Todos os alemães estão sujeitos ao serviço militar e esse serviço não pode ser prestado por substituição.

Artigo LIX. Cada Alemão capaz para o serviço pertence por 7 anos ao exército permanente, como regra desde a idade de 20 anos até aos 28; isto é, os primeiros 3 anos com o exército ativo permanente e os últimos 4 anos na reserva; então, os 5 anos seguintes na Landwehr. […] a redução gradual desse serviço só pode ser feita conforme as necessidades do exército imperial para a guerra.

Artigo LXI. Após a publicação desta Constituição, todo o Código Militar de Leis da Prússia será adotado através do Império sem demoras, […]

Artigo LXIII. Toda a força terrestre do Império formará um único exército que, em guerra e em paz, está sob o comando do Imperador. […]

Artigo LXIV. Todas as tropas alemãs estão obrigadas a obedecer incondicionalmente às ordens do Imperador. […]»

A Constituição continha ainda as secções relativas às finanças do Império, e um conjunto de disposições finais.

O Império Alemão e os territórios franceses anexados.

«Depois da sua unificação, a Alemanha tornou-se o país mais forte no Continente […] Desde a emergência do moderno sistema de estados no tempo de Richelieu, as potências da orla da Europa – Grã-Bretanha, França e Rússia – tinham exercido pressão sobre o centro. Agora, pela primeira vez, o centro da Europa tornava-se suficientemente poderoso para pressionar a periferia»[2].


[1] OAKES & MOWAT, The Great European Treaties of the Nineteenth Century, Oxford University Press, Great Britain, 1930, pp. 288-331.

[2] KISSINGER, DiplomacySimon & Schuster, New York, 1994, p. 137.

A Guerra Franco-Prussiana (1870-1871)

 O triunfo da Prússia na guerra com a Áustria refletiu-se de forma clara na formação da Confederação da Alemanha do Norte (Nordeutscher Bund) e nos termos da sua Constituição (Konstituierender Reichstag), promulgada a 14 de junho de 1867. Nos termos desta Constituição, a Prússia foi investida na Presidência da Confederação com a responsabilidade de a representar internacionalmente, declarar guerra, concluir a paz, estabelecer alianças e outros tratados com Estados estrangeiros e de acreditar e receber embaixadores em nome da Confederação. Entre muitos outros aspetos, a Constituição estabelecia que todas as forças terrestres da Confederação formavam um único exército sob comando do Rei da Prússia que, entre outros atributos, podia mandar erguer fortalezas em qualquer parte do território da Confederação. A marinha, de igual forma, ficou sob comando da Prússia.

A Confederação era constituída pelos reinos da Prússia e Saxónia; pelos grão-ducados de Hesse, Mecklenbourg-Schwerin, Mecklenbourg-Strelitz, Oldenburg e Saxe-Weimar-Eisenach; pelos ducados de Anhalt, Brunswick, Saxe-Altenbourg, Saxe-Coburg-Gotha e Saxe-Meiningen-Hildburghausen; pelos principados de Lippe-Detmold, Reuss-Greiz, Reuss-Gera, Schaumbourg-Lippe, Schwarzbourg-Rudolstadt, Schwarzbourg-Sondernshausen e Waldeck-Pyrmont; pelas cidades livres de Bremen, Hamburgo e Lübeck. O ducado de Saxe-Lauenbourg pertencia ao rei da Prússia, em união pessoal desde 1865; geralmente não era mencionado como um Estado membro, mas era realmente um Estado independente separado do Reino da Prússia.

Estavam fora da Confederação os Estados alemães do Sul: os Reinos da Baviera e de Wurtemberg, o Grão-ducado de Bade e o Sul do Hesse-Darmstadt. A decisão de manter estes Estados fora da Confederação pertenceu a Bismarck e ficou a dever-se, por um lado, ao facto de ali existir um forte sentimento democrático e anti prussiano e, por outro lado, à intenção de não entrar em choque com Napoleão III, Imperador dos Franceses. No entanto, o artigo 79º da Constituição da Confederação permitia a adesão dos Estados do Sul à Confederação1:

«[1] As relações da federação com os estados do sul da Alemanha serão reguladas imediatamente após a determinação da condição da federação do Norte da Alemanha, por meio de contractos especiais a serem submetidos ao Reichstag para aprovação;

[2] A entrada dos estados alemães do Sul ou de um deles na Federação ocorre por sugestão da presidência federal na forma da legislação federal.»

No entanto, em segredo, esses Estados assinaram com a Prússia tratados de aliança militar, com carácter defensivo e ofensivo.

Charles Louis Napoleon (1808-1873), Napoleão III, foi eleito presidente da República Francesa a 10 de dezembro de 1848. Com o golpe de estado de 2 de dezembro de 1852, pôs fim à República e estabeleceu o Segundo Império Francês. Em 1858 comprometeu-se com a ajuda ao Piemonte na causa da independência de Itália. Mantendo a França o estatuto de principal potência militar do Continente europeu, Napoleão III não deixou de se preocupar com a modernização do seu exército e deu início aos trabalhos nesse sentido.

Isabel II de Espanha (1830-1904) ocupou o trono até 30 de setembro de 1868. Com a revolução chamada "La Gloriosa", Isabel II foi obrigada a fugir para França. Passou a viver em Paris, de onde renunciou ao trono espanhol, a 25 de junho de 1870. Espanha precisava de um novo soberano dado que as Cortes tinham recusado a implementação de uma república. Enquanto a Espanha era governada por um regente, foi redigida e promulgada uma constituição de carácter liberal e procurou-se nas casas reinantes da Europa o futuro soberano espanhol. Entre as várias personagens elegíveis para o trono espanhol encontrava-se o Príncipe Leopoldo de Hohenzollern-Sigmaringen (1835-1905), da família do Rei da Prússia. Leopoldo era casado com D. Antónia de Bragança (1845-1913), filha de D. Maria II (1819-1853) e D. Fernando II (1816-1885) de Portugal.

Leopoldo de Hohenzollern era católico, o que agradava aos Espanhóis, mas não gostava de uma excessiva influência do clero nos assuntos políticos, o que agradava a Bismarck. Mas esta candidatura era também uma possibilidade de resposta da Prússia contra um projeto de aliança entre a França e a Áustria. No que respeita à Europa, o trono de Espanha nas mãos de um Hohenzollern seria um dissuasor das ambições francesas sobre a Alemanha do Sul porque, a concretizar-se a subida ao Trono espanhol do Príncipe Leopoldo, a casa de Hohenzollern governaria a nordeste e a sudoeste de França. Este facto lançou o alarme em Paris. Em caso de conflito, a França teria de enfrentar as forças dos Hohenzollern em duas frentes.


Napoleão III receava que a Espanha passasse a ser governada por alguém da família do Rei da Prússia. Em caso de guerra, a França seria obrigada a dividir as suas forças por duas frentes.

A situação assumia contornos tanto mais graves quanto se fazia sentir o isolamento da França. Napoleão III quis ser recompensado pela neutralidade da França na Guerra Austro-Prussiana (1866) e pretendeu adquirir o Luxemburgo, situação que gerou a chamada "Crise do Luxemburgo" que esteve próximo de dar início a uma guerra entre a França e a Prússia. Também pretendeu adquirir o Palatinado e a Bélgica, negociando com Bismarck estes últimos territórios. No entanto, a 25 de julho de 1870, Bismarck tornou públicas as propostas francesas sobre a Bélgica, independente desde 1830 e com a independência e a neutralidade reconhecidas no Tratado de Londres (19 abril 1839). As Potências signatárias do tratado mostraram o seu desagrado, especialmente o Reino Unido, situação que provocou o seu afastamento da França, favorecendo a estratégia de Bismarck. Na Áustria, que não foi humilhada por Bismarck no final da Guerra Austro-Prussiana e que durante esse conflito com a Prússia também enfrentou a ameaça da Itália que contava com o apoio da França, o sentimento dominante era antifrancês. A Rússia já tinha deixado claro que as suas simpatias estavam do lado da Prússia e a Itália, devido à "Questão de Roma", mantinha muitas reservas quanto à França tanto mais que Napoleão III manteve ali uma força militar para proteção do Papa.

Bismarck apoiava a candidatura do Príncipe Leopoldo de Hohenzollern, mas o Rei Guilherme II da Prússia não pensava da mesma forma porque não desejava ver a sua família envolvida na política instável de Espanha. Por seu lado, Leopoldo também não se mostrava entusiasmado com a perspetiva de vir a ser rei de Espanha. Neste quadro, e atendendo também à oposição do Governo francês, a candidatura de Leopoldo foi retirada a 12 de julho de 1870. No entanto, a França apresentou mais exigências. No dia 13, o embaixador francês, Conde Vincent Benedetti (1817-1900), conseguiu interpelar o Rei da Prússia durante um passeio matinal no Kurpark, na estância termal de Ems. Benedetti, executando ordens do ministro francês dos Negócios Estrangeiros, apresentou a Guilherme II a exigência de um pedido de desculpa pela candidatura e de uma garantia de que não voltaria a ser permitida nova candidatura de um Príncipe Hohenzollern ao trono de Espanha. Guilherme II reiterou o anúncio da retirada da candidatura, mas rejeitou as exigências do embaixador francês. Contudo, não deixou de tratar o embaixador em tom conciliatório.

Bismarck encontrava-se em Berlim quando recebeu o relatório destes acontecimentos por um telegrama enviado de Ems e escrito pelo secretário do rei, Heinrich Abeken. Bismarck estava a jantar com Albrecht von Roon, Ministro da Guerra, e com Helmuth von Moltke, Chefe do Estado-Maior General (Große Generalstab) quando recebeu o telegrama de Ems. O telegrama, a seguir transcrito, encontra-se na obra Pensées et Souvenirs par le prince de Bismarck:

«Le comte Benedetti m’a arrêté au passage à la promenade pour me demander finalement, d’une manière très indiscrète, de l’autoriser à télégraphier aussitôt à l’empereur que je m’engageais pour l’avenir à ne jamais plus donner mon consentement, si les Hohenzollern revenaient sur leur candidature. Je finis par refuser assez sévèrement, attendu qu’on ne devait ni ne pouvait prendre de pareils engagements à tout jamais. Je lui dis naturellement que je n’avais encore rien reçu et puisqu’il était, par la voie de Paris et de Madrid, informé plus tôt que moi, il voyait bien que mon gouvernement était de nouveau hors de cause.»2

Depois de ler o telegrama aos seus convidados, Bismarck perguntou a Moltke se o exército estaria preparado para entrar numa guerra e se acreditava que poderia vencer a França. Moltke assegurou a vitória da Prússia. Bismarck redigiu então uma versão resumida do telegrama no qual parecia que o rei tinha mostrado desprezo pelo embaixador:

«La nouvelle du renoncement du prince héritier de Hohenzollern a été officiellement communiquée au gouvernement impérial français par le gouvernement royal espagnol. Depuis, l’ambassadeur français a encore adressé à Ems, à Sa Majesté le Roi, la demande de l’autoriser à télégraphier à Paris, que Sa Majesté le Roi, à tout jamais, s’engageait à ne plus donner son consentement si les Hohenzollern devaient revenir sur leur candidature. Sa Majesté le Roi là-dessus a refusé de recevoir encore l’ambassadeur français et lui a fait dire par l’aide de camp de service que Sa Majesté n’avait plus rien à communiquer à l’ambassadeur.»3

O telegrama de Bismarck foi publicado na imprensa. Num ambiente em que as relações entre a França e a Prússia estavam já muito tensas, o "Telegrama de Ems" foi a gota de água que conduziu à guerra. Ofendidos pelos termos expressos no telegrama e sem conseguirem as garantias de não renovação de uma candidatura ao trono de Espanha, os Franceses declararam guerra à Prússia, a 19 de julho de 1870. Na prática, declararam guerra à Confederação da Alemanha do Norte porque os Estados englobados nesta Confederação estavam obrigados a participar na guerra ao lado da Prússia. Bismarck já tinha tentado atrair os Estados alemães do Sul com a possibilidade de uma extensão do Zollverein, embora sem sucesso, mas as provas apresentadas sobre a ameaça sobre o Luxemburgo terão, pelo menos, alertado esses Estados para a possibilidade de terem de enfrentar uma ameaça francesa.

A Guerra Franco-Prussiana colocou em evidência a superioridade alemã em armamento, organização e liderança. Estas qualidades permitiram aos Estados alemães, sob a direção da Prússia, derrotar rapidamente os Franceses. Os oficiais do Exército da Prússia constituíam um grupo muito fechado em que a maior parte eram junkers prussianos. A ideia de profissionalismo ainda não tinha conseguido destronar o direito de comandar da aristocracia. A qualidade das tropas era elevada e o analfabetismo quase não existia. «Uma das razões que contribuíram para que os prussianos batessem os franceses em 1870-1 foi o grau muito superior de alfabetização dos seus soldados.»4 Na França, o analfabetismo entre os recrutas ainda era de 18%. Em termos quantitativos, a população das duas potências não era muito diferente. A França, em 1866, tinha cerca de 38.000.000 habitantes e a Alemanha, dois anos antes (1864), tinha uma população inferior, mas muito próxima da população francesa5 [MITCHELL, 1976, p. 20]. No entanto, a população alemã estava a crescer a um ritmo mais rápido que a francesa. Entre 1850 e 1875, a Alemanha cresceu 6.500.000 de habitantes e a França apenas 1.100.000, embora devamos ter em conta as alterações territoriais resultantes da guerra6.

O exército alemão de 1870 era formado pelas forças da Confederação da Alemanha do Norte a que se juntaram as forças fornecidas pelos estados do sul da Alemanha, nomeadamente Baviera, Baden e Wurtemberg. O exército francês tinha a quase totalidade das suas forças operacionais concentradas no Exército do Reno que era formado por oito corpos de exército. Ambos os exércitos tinham uma estrutura idêntica, isto é, a sua base era o Corpo de Exército, uma força formada por tropas de infantaria, cavalaria, artilharia e respetivos apoios, com um efetivo de cerca de 30.000 homens. A organização das reservas é que era muito diferente entre os dois exércitos, estando a França muito atrasada porque as reformas planeadas ainda se encontravam no início da sua implementação quando a guerra começou. De qualquer forma, ao longo do conflito, que foi curto, a França mobilizou 2.000.740 homens e a Alemanha mobilizou 1.494.412, e foram colocados em campanha 949.337 militares franceses e 710.000 alemães7.

Nas duas décadas antes da guerra verificou-se uma extraordinária transformação e expansão económica. Entre 1851 e 1873, em França, o crescimento médio anual atingiu os 5%, sendo a indústria têxtil o ramo mais importante. Já a indústria siderúrgica teve dificuldades em adquirir matéria-prima. A França importava entre 25 a 30% do carvão que consumia, o que, em 1870, era mais de vinte milhões de toneladas. O ferro também era importado, principalmente de Espanha e da Argélia. A produção francesa de ferro e aço em 1869 era de aproximadamente um milhão de toneladas8.

Na Alemanha, a industrialização tinha progredido apenas na Renânia e na Vestefália, onde as comunicações eram mais fáceis, onde existia já uma tradição industrial e onde existiam os recursos naturais necessários. A formação do Zollverein e a construção das linhas férreas facilitaram o desenvolvimento da indústria. Entre 1840 e 1850 tinham sido constituídas grandes sociedades mineiras com capital francês, britânico e belga. Em 1850 a França produziu 406.000 toneladas métricas (t) de ferro gusa e a Alemanha apenas produziu 210.000 t, mas em 1870, quando a França tinha aumentado a sua produção para 1.178.000 t, a Alemanha já se encontrava à frente com 1.261.000 t. Na produção de aço bruto, em 1870, a Alemanha, com 126 t, estava também à frente da França, com 84 t9.

Mais do que na indústria ou na agricultura, os governos envolveram-se no desenvolvimento dos transportes e meios de comunicação. Neste caso, o caminho de ferro tinha grande importância económica e militar, razão pela qual os governos exerciam uma supervisão muito próxima sobre esta área. Em 1869, a França tinha construído 16.465 Km de linha férrea e a Alemanha 17.215 km. No entanto, neste mesmo ano, os Franceses transportavam ligeiramente mais mercadorias no caminho de ferro (6.271.000.000 ton/Km) do que os Alemães (5.330.000.000 ton/Km)10. No tráfego de passageiros, também em 1869, (4.108.000.000 passageiros/Km, na França, e 3.530.000.000 na Alemanha) existia alguma vantagem dos Franceses. O Produto Nacional Bruto (PNB, em inglês GNP) per capita era em 1870, com as fronteiras anteriores à guerra, de 437 US$ de 1960 para a França e 428 US$ para a Alemanha11.

Relativamente aos dados acima apresentados, podemos concluir que não existia nenhuma vantagem significativa por cada uma das partes. No entanto, se analisarmos a evolução destes valores ao longo dos anos e para além de 1870, ano em que teve início a Guerra Franco-Prussiana, verificamos que a Alemanha se desenvolveu a um ritmo muito superior ao da França, na população, na indústria, nas comunicações, nos caminhos de ferro e outras atividades. Para além da população ou da produção do carvão e do ferro e aço, é necessário saber o que foi realizado com os recursos disponíveis.

Em meados do século XIX, para além da matéria prima disponível, importada ou não, a máquina a vapor é um dos fatores que caracterizaram a época. Se a industrialização progredia, isso significava que aumentava a produção de energia a vapor. Em 1870, a energia industrial produzida por máquinas fixas na Alemanha tinha igualado a da Grã-Bretanha - 900.000 cavalos-vapor (CV) - e isto significava que, em vinte anos, tinha evoluído de 40.000 CV para 900.000 CV enquanto a França, em igual período, apenas evoluiu de 67.000 CV para 341.000 CV. A Alemanha, apesar das estatísticas apresentadas, chegou às vésperas da Guerra Franco-Prussiana com uma indústria mais diversificada e uma dinâmica industrial francamente superior à França. Numa época em que a força militar se baseava cada vez mais «no potencial industrial, na capacidade tecnológica e nos conhecimentos técnicos», estes fatores tornavam-se determinantes para o desenrolar dos acontecimentos. Desde a década de 1860, «o desenvolvimento industrial passa a ser uma condição essencial para que os Estados mantenham o seu lugar no clube das "grandes potências".»12

No dia 14 de julho, o telegrama de Ems estava publicado nos principais jornais da Europa. Em Paris, o tratamento concedido ao embaixador, na versão do telegrama redigido por Bismarck, era considerado um insulto que a França não devia tolerar. Napoleão III deu ordem para a convocação das reservas e a Assembleia votou o orçamento para a guerra. O Marechal Edmond Leboeuf (1809-1888), Ministro da Guerra, declarou que o Exército estava pronto para o conflito. Na Assembleia, apenas foram contados 10 votos contra a guerra, num total de 245. As decisões tomadas em Paris rapidamente chegaram a Berlim. No dia 16 de julho, Moltke pôs em execução os planos de guerra. No dia 19 foi entregue a Bismarck a declaração de guerra formal por parte dos Franceses. Em todo este processo, desde o início da crise, a declaração de guerra foi o único contacto estabelecido entre os governos da França e da Prússia.

O sistema de caminho de ferro francês era superior ao da Prússia e esse facto podia proporcionar uma vantagem que permitiria a França manter a iniciativa. Mas a realidade é que os Franceses não estavam preparados para o conflito embora fosse sua a iniciativa do conflito armado. Os seus planos para a guerra eram rudimentares e não permitiam fazer o aproveitamento necessário das infraestruturas ferroviárias. A falta de um Estado Maior General adequado e de um planeamento feito em tempo de paz era uma das grandes fraquezas da França. A outra, era a qualidade da liderança. O exército alemão, pelo contrário, estava dotado de um Estado Maior General moderno, ciente das transformações que as novas tecnologias traziam para o meio militar e, além do mais, estava sob comando do General Helmuth von Moltke cujas qualidades militares ficaram bem esclarecidas nestas guerras.

No dia 28 de julho, quando Napoleão III chegou a Metz para assumir o comando das operações, apenas 200.000 soldados tinham sido mobilizados e muitos ainda procuravam chegar às suas unidades. O "Exército do Reno" iniciou o seu avanço a 31 de julho e, no dia 2 de agosto, as forças francesas atravessaram a fronteira e capturaram Saarbrücken (cidade alemã), onde não encontraram grande resistência. Esta "vitória" foi festejada em Paris, mas, a 5 de agosto, o Primeiro Exército prussiano contra-atacou e as forças francesas foram obrigadas a retirar. O resto da guerra foi uma sucessão de vitórias da Prússia: Wissembourg (4 de agosto), Wörth e Spicheren (6 de agosto), Mars-la-Tour (16 de agosto), Gravelotte – St Privat (18 de agosto) e Sedan (1-2 de setembro). Nesta última batalha, o próprio Napoleão III foi capturado.

Após a derrota em Sedan, o Império caiu e foi proclamada a Terceira República. No dia 19 de setembro teve início o cerco de Paris, Estrasburgo rendeu-se a 28 e, um mês mais tarde (27 de outubro), rendeu-se Metz. A 9 de novembro, o Exército do Loire, sob comando do General D'Aurelle de Paladines (1804-1877), atacou e venceu uma força da Baviera, em Coulmiers. A 30 deste mês houve uma tentativa falhada de romper o cerco a Paris e, a 5 de janeiro de 1871, foi dado início ao bombardeamento da capital francesa. A 10, 11 e 12 de janeiro, uma força francesa sob comando do General Antoine Chanzy (1823-1883), com cerca de 150.000 homens, foi completamente derrotada pelas tropas do Príncipe Friedrich Karl von Preußen (1828–1885), com um efetivo três vezes menor, 50.000 homens. A 19 de Janeiro, os Franceses foram derrotados em Saint Quentin, em mais uma tentativa para libertar Paris.  A capital francesa rendeu-se no dia 27 e, no dia seguinte foi assinado um armistício com a Alemanha.

A vitória da Confederação da Alemanha do Norte e dos Estados da Alemanha do Sul, seus aliados, permitiu atingir o acordo para a unificação da Alemanha, ainda antes de terminada a guerra. No dia 18 de janeiro de 1871, na Sala dos Espelhos do Palácio de Versalhes, foi proclamado Império Alemão e o rei da Prússia como seu imperador. Guilherme II da Prússia era, a partir de então, o Kaiser da Alemanha (Guilherme I da Alemanha) e Otto von Bismarck o seu chanceler. Quando foi acordado um armistício com os Franceses (27 de janeiro), pondo fim ao cerco de Paris, a França teve de negociar com uma unidade política muito mais poderosa do que aquela a quem tinha declarado guerra. Já não foi com a Prússia, mas com o Império Alemão que foram negociados os termos da paz. As negociações decorreram num cenário de humilhação para os Franceses pois os encontros para as negociações foram realizados em Versalhes, sob domínio alemão. No dia 26 de fevereiro, chegaram a um acordo sobre as condições da paz e no dia 1 de março as tropas alemãs realizaram uma parada em Paris.


O encontro de Napoleão III e Bismarck após a captura de Napoleão na Batalha de Sedan, 1870. Pintado por Wilhelm Camphausen, 1878. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Franco-Prussiana#/media/Ficheiro:BismarckundNapoleonIII.jpg.

Poderia a derrota da França ou apenas essa possibilidade suscitar a intervenção das outras potências europeias? A Áustria-Hungria não entrou na guerra ao lado da França pelo ressentimento ainda presente devido à guerra no norte de Itália (Segunda Guerra da Independência Italiana, 1859). A derrota da França permitia à Rússia maior liberdade de ação no Próximo Oriente. O Reino Unido não encontrou razões para intervir porque a situação da Bélgica, de cuja independência e neutralidade era responsável tal como as outras Grandes Potências europeias, estava salvaguardada pela própria Confederação da Alemanha do Norte. Os Italianos não eram uma Potência que pudesse dar-se ao luxo de intervir no conflito a não ser diplomaticamente, mas a guerra e a derrota da França, que tinha sido o garante da independência de Roma, colocou esta cidade nas mãos do Estado Italiano e reduziu os domínios pontificais à cidade do Vaticano. A França encontrava-se isolada.

Pelo acordo preliminar de paz, assinado em Versalhes a 26 de fevereiro, foram estabelecidas as novas fronteiras entre a França e a Alemanha e decidida a indemnização que a França deveria pagar. A França cedeu um território que englobava 93% da Alsácia e 26% da Lorena. Este território anexado pelo recém-criado Império Alemão passou a ser designado como Território Imperial da Alsácia-Lorena.  O Tratado também tratou das condições de evacuação das tropas alemãs no território ocupado, das populações dos territórios da Alsácia-Lorena, dos prisioneiros de guerra e de uma série de questões de carácter administrativo. Os Estados do sul da Alemanha, Baviera, Würtemberg e Baden, só tiveram conhecimento destas condições no dia da assinatura deste tratado preliminar. O tratado de paz definitivo foi assinado em Frankfurt a 10 de maio de 1871.


O Império Alemão em 1871

O Tratado de Frankfurt13 continha dezoito artigos aos quais foram acrescentados, em anexo, três artigos adicionais. Os dezoito artigos do Tratado confirmavam com algumas alterações as linhas gerais do tratado preliminar assinado em Versalhes, em Fevereiro: as fronteiras foram ajustadas (artigo I) e as disposições relativas à população que permanecia no território foram melhoradas (artigo II); foi estabelecida a entrega de documentos relativos a registos civis, militares e de outras questões administrativas sobre os territórios cedidos (artigo III) bem como as questões financeiras desses mesmos territórios (artigo IV); foi tratada a questão da navegação de canais e afluentes do Reno (artigo V); a questão religiosa das comunidades católicas, protestantes ou judias desses territórios (artigo VI); o processo de pagamento da indemnização da França à Alemanha no valor total de 5.000.000.000 de francos e as condições em que se processa a ocupação até estarem reunidas determinadas condições desse pagamento (artigo VII); sobre a manutenção das tropas alemãs de ocupação (artigo VIII); sobre prisioneiros de guerra (artigo IX); sobre um conjunto de questões administrativas (artigos X a XV); sobre os túmulos dos militares mortos durante a guerra (artigo XVI); sobre futuras negociações relativas a questões não especificadas neste tratado (artigo XVII) e sobre as ratificações (artigo XVIII). Os artigos adicionais respeitam à utilização dos caminhos de ferro.


________________________________

1 Texto completo da Constituição, em alemão, em http://www.documentarchiv.de/nzjh/ndbd/verfndbd.html (Em alemão), visto em 2025-03-15. Atendendo a que este texto nos é apresentado como uma página na Internet, é possível e fácil ler a sua tradução para língua portuguesa.

4 HOBSBAWM, Eric John Ernest, A Era do Capital 1848-1875, Editorial Presença, 1988, p. 65.

5 MITCHELL, Brian R., European Historical Statistics 1750-1970, The Macmillan Press Ltd, London, 1976, p. 20.

6 PRADA, Valentin Vazquez de, História Económica Mundial, volume 2, Livraria Civilização Editora, Porto, 1994, volume 2, p. 33.

7 Efectivos apresentados em https://en.wikipedia.org/wiki/Franco-Prussian_War, com referência a CLODFELTER, Micheal, Warfare and Armed Conflicts: A Statistical Encyclopedia of Casualty and Other Figures, 1492-2015, © 2008, Jefferson, North Carolina: McFarland, 2017, p. 184.

8 PRADA, 1994, volume 2, pp. 66-69.

9 MITCHELL, 1976, conjunto dos dados estatísticos referidos no capítulo «Industry». Sobre a industrialização nesta época deve-se ler o capítulo II, «O grande boom» em HOBSBAWM, 1988, pp. 47-70 ou os dados referentes à França e à Alemanha em PRADA, 1994, volume 2, pp. 65-78.

10 MITCHEL, 1976, Tabelas G1 «Lenght on Railway Line Open», p. 581, e G2 «Freight Traffic on Railways», p. 589; em 1869, Portugal tinha construído 694 Km de linha férrea (p. 582) e só conhecemos estatísticas de transporte de mercadorias a partir de 1880 (663.000 toneladas métricas, contra 80.770.000 da França – pp. 592-593).

11 PUGH, Martin (Editor), A Companion to Modern European History, 1871-1945, Blackwell Publishers, USA, 2000, p. 26.

12 HOBSBAWM, 1988, pp. 60-63.

13 Textos em francês do acordo preliminar de paz, assinado a 26 de fevereiro, e do Tratado de Frankfurt, assinado a 10 de maio de 1871 em: http://gander.chez.com/traite-de-francfort.htm.