segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

O incidente de Fachoda


Para os britânicos era fundamental controlar o vale do Nilo. O Tratado de Heligolândia-Zanzibar tinha definido os limites da expansão alemã naquela região de África, mas outras Potências mantinham-se igualmente interessadas em avançar em direcção ao vale do Nilo. Charles Tilstone Beke (10 de Outubro de 1800 – 31 de Julho de 1884), explorador britânico, autor de An Essay on the Nile and its Tributaries (1847), entre outras obras, enviou a Lord Palmerston (Henry John Temple, 3º Visconde Palmerston), primeiro ministro britânico, em 1851, um memorando intitulado Mémoire sur la possibilite de détourner les eaux du Nil en vue d’empêcher l’irrigation de l’Égypte. O Governo britânico deu suficiente importância a esta obra e assumiu a gravidade da ameaça que pendia sobre o Egipto.

O vale do Nilo tinha, assim, uma importância vital para o Reino Unido. Controlar o Nilo equivalia a controlar o Egipto, o que permitia controlar o Canal de Suez, ponto crítico na rota para a Índia. Nem a Alemanha nem a Itália constituíam uma ameaça nessa região, mas a França nunca tinha aceite a ocupação permanente do Egipto pelos Britânicos, nem aceitava o monopólio britânico sob a bacia do Nilo. O Reino Unido iria tentar utilizar com os Franceses os mesmos métodos que utilizou com a Alemanha para resolver a questão das esferas de influência na África Oriental. Isto implicava negociar com os Franceses cedendo aos seus interesses noutras zonas.

Os Franceses, desde Napoleão Bonaparte, tinham a ambição de modernizar o Egipto e aí fazerem grandes investimentos. Por esta razão, consideraram a ocupação britânica do Egipto como uma derrota infligida a eles próprios e, durante muito tempo, mantiveram-se afastados do Nilo. A primeira tentativa de penetração nessa região, a partir da África Ocidental, foi feita por iniciativa do rei Leopoldo da Bélgica, mas os Britânicos deixaram claro que consideravam inaceitável o acesso dos Belgas ao vale do Nilo. Para contornar a oposição dos Britânicos, Leopoldo procurou ganhar o apoio da França e levá-la a lançar uma nova iniciativa na região do Nilo.

O objectivo dos Franceses era o de obrigarem os Ingleses a reexaminarem a questão do Egipto e a melhor forma de o conseguirem era discutir o assunto numa conferência internacional. Neste caso, a França apresentaria uma posição reforçada se estabelecesse a sua presença sobre o Nilo. Com este objectivo, foram organizadas várias expedições com origem na África Ocidental, mas também na Etiópia, com a missão de estabelecerem uma presença francesa no Alto Nilo. A primeira dessas expedições, a Expedição Monteil, foi organizada em 1893. A última, a Expedição Marchand, teve início em 1896.
Jean-Baptiste Marchand (1863-1934), capitão da infanterie de marine (fuzileiros navais), apresentou o seu projecto de expedição ao Ministério das Colónias e Negócios Estrangeiros a 11 de Setembro de 1895. Este projecto, denominado Missão Congo-Nilo, tinha como objectivo «a consolidação da influência francesa no hinterland do Congo por forma que, quando as potências partilharem esta região, a França esteja também presente.» Não se pretendia atingir este objectivo pela utilização da força militar, o que daria às outras potências um argumento para não reconhecerem as posições francesas, mas pela conclusão de tratados e pela criação de laços de amizade com os autóctones do território.

No dia 25 de Junho de 1896, Marchand partiu para África e chegou a Loango (actual República do Congo) a 24 de Julho, dirigindo-se em seguida para Brazzaville. Iniciou a sua viagem para o Alto Nilo em Janeiro de 1897, tendo como objectivo Fachoda (actual Kodok, no nordeste do Sudão do Sul), a capital do antigo Reino dos Shilluk, na margem ocidental do Nilo. A viagem foi feita em embarcações ao longo dos rios e a pé. Partiram de Brazzaville seis oficiais, quatro sargentos europeus, 50 soldados autóctones, um médico e um intérprete e cerca de 3.000 carregadores. A expedição chegou a Fashoda a 10 de Julho de 1898 e, um pouco acima, num ilhéu do rio Nilo, já tinha sido içada a bandeira francesa por outra expedição que tinha saído da Etiópia. Em Agosto desse ano registaram-se confrontos com os Mahdistas que acabaram por retirar. A 3 de Setembro, Marchand concluiu um tratado pelo qual a França estabelecia um protectorado sobre o território do povo Shilluk.

Após a conquista de Ondurmã, Kitchener dirigiu-se para Fashoda onde chegou no dia 19. Kitchener protestou contra a presença francesa e mandou içar a bandeira egípcia. Marchand não tinha espaço de manobra para se opor já que os Franceses tinham defendido, contra o domínio inglês, que era necessário apoiar os direitos do Egipto, que incluía o Sudão. O Governo francês avaliou mal o interesse das outras Potências em apoiar a França. A Rússia não tinha nenhum interesse em intrometer-se neste assunto. Os Alemães não estavam interessados em contribuir para a solução de um diferendo que impedia uma aproximação entre a França e o Reino Unido, apesar de, na época, a Alemanha e o Reino Unido serem quase aliados. Aliás, foi com base no bom entendimento entre estas duas Potências que elas chegaram a acordo, a 30 de Agosto de 1898, sobre uma eventual partilha das colónias portuguesas.


Para visualizar o mapa com mais detalhe, seguir o link de origem: https://www.mtholyoke.edu/acad/intrel/pol116/Marchand's%20Route%20to%20Fashoda.jpg

Os governos da França e do Reino Unido iniciaram negociações. Os britânicos ofereceram concessões na África Ocidental em troca dos territórios na região do Nilo, troca a que os Franceses se opunham. Não foi alcançado nenhum acordo e a questão de Fachoda transformou-se no acontecimento que poderia conduzir a uma confrontação mais alargada entre as duas Potências. O Reino Unido era a Potência mais forte. Kitchener dispunha de um exército moralizado pelas recentes vitórias enquanto Marchand não dispunha de mais que meia dúzia de franceses e uma centena de atiradores sudaneses. No vale do Nilo, os Franceses estavam em desvantagem. No contexto global, a França tinha a Rússia como aliada, mas esta não mostrou vontade de intervir; o Reino Unido não dispunha de aliados, mas estava de boas relações com a Tríplice Aliança. No que respeita à marinha de guerra, o Reino Unido dispunha de uma enorme vantagem sobre a França. O Governo britânico era estável enquanto o Governo francês estava dividido. O Reino Unido considerava esta uma questão de interesse nacional enquanto para a França era uma questão de prestígio. A opinião pública francesa considerou um absurdo a possibilidade de uma guerra contra o Reino Unido a propósito de Fashoda quando a Alsácia-Lorena continuava em mãos alemãs. A França cedeu e, no dia 11 de Dezembro de 1898, Marchand retirou de Fashoda.

Sem comentários:

Enviar um comentário