Para os britânicos era fundamental controlar o vale do Nilo. O
Tratado de Heligolândia-Zanzibar tinha definido os limites da expansão alemã
naquela região de África, mas outras Potências mantinham-se igualmente
interessadas em avançar em direcção ao vale do Nilo. Charles Tilstone Beke (10
de Outubro de 1800 – 31 de Julho de 1884), explorador britânico, autor de An
Essay on the Nile and its Tributaries (1847), entre outras obras, enviou a Lord
Palmerston (Henry John Temple, 3º Visconde Palmerston), primeiro ministro
britânico, em 1851, um memorando intitulado Mémoire sur la possibilite de
détourner les eaux du Nil en vue d’empêcher l’irrigation de l’Égypte. O Governo
britânico deu suficiente importância a esta obra e assumiu a gravidade da
ameaça que pendia sobre o Egipto.
O vale do Nilo tinha, assim, uma importância vital para o Reino Unido.
Controlar o Nilo equivalia a controlar o Egipto, o que permitia controlar o
Canal de Suez, ponto crítico na rota para a Índia. Nem a Alemanha nem a Itália
constituíam uma ameaça nessa região, mas a França nunca tinha aceite a ocupação
permanente do Egipto pelos Britânicos, nem aceitava o monopólio britânico sob a
bacia do Nilo. O Reino Unido iria tentar utilizar com
os Franceses os mesmos métodos que utilizou com a Alemanha para resolver a
questão das esferas de influência na África Oriental. Isto implicava negociar
com os Franceses cedendo aos seus interesses noutras zonas.
Os Franceses, desde Napoleão Bonaparte, tinham a ambição de modernizar
o Egipto e aí fazerem grandes investimentos. Por esta razão, consideraram a
ocupação britânica do Egipto como uma derrota infligida a eles próprios e,
durante muito tempo, mantiveram-se afastados do Nilo. A primeira tentativa de
penetração nessa região, a partir da África Ocidental, foi feita por iniciativa
do rei Leopoldo da Bélgica, mas os Britânicos deixaram claro que consideravam
inaceitável o acesso dos Belgas ao vale do Nilo. Para contornar a oposição dos
Britânicos, Leopoldo procurou ganhar o apoio da França e levá-la a lançar uma
nova iniciativa na região do Nilo.
O objectivo dos Franceses era o de obrigarem os Ingleses a
reexaminarem a questão do Egipto e a melhor forma de o conseguirem era discutir
o assunto numa conferência internacional. Neste caso, a França apresentaria uma
posição reforçada se estabelecesse a sua presença sobre o Nilo. Com este
objectivo, foram organizadas várias expedições com origem na África Ocidental,
mas também na Etiópia, com a missão de estabelecerem uma presença francesa no
Alto Nilo. A primeira dessas expedições, a Expedição Monteil, foi organizada em
1893. A última, a Expedição Marchand, teve início em 1896.
Jean-Baptiste Marchand (1863-1934), capitão da infanterie de marine
(fuzileiros navais), apresentou o seu projecto de expedição ao Ministério das
Colónias e Negócios Estrangeiros a 11 de Setembro de 1895. Este projecto,
denominado Missão Congo-Nilo, tinha como objectivo «a consolidação da
influência francesa no hinterland do Congo por forma que, quando as potências
partilharem esta região, a França esteja também presente.» Não se pretendia atingir este objectivo pela utilização da força
militar, o que daria às outras potências um argumento para não reconhecerem as
posições francesas, mas pela conclusão de tratados e pela criação de laços de
amizade com os autóctones do território.
No dia 25 de Junho de 1896, Marchand partiu para África e chegou a
Loango (actual República do Congo) a 24 de Julho, dirigindo-se em seguida para
Brazzaville. Iniciou a sua viagem para o Alto Nilo em Janeiro de 1897, tendo
como objectivo Fachoda (actual Kodok, no nordeste do Sudão do Sul), a capital
do antigo Reino dos Shilluk, na margem ocidental do Nilo. A viagem foi feita em
embarcações ao longo dos rios e a pé. Partiram de Brazzaville seis oficiais,
quatro sargentos europeus, 50 soldados autóctones, um médico e um intérprete e
cerca de 3.000 carregadores. A expedição chegou
a Fashoda a 10 de Julho de 1898 e, um pouco acima, num ilhéu do rio Nilo, já
tinha sido içada a bandeira francesa por outra expedição que tinha saído da
Etiópia. Em Agosto desse ano registaram-se confrontos com os Mahdistas que
acabaram por retirar. A 3 de Setembro, Marchand concluiu um tratado pelo qual a
França estabelecia um protectorado sobre o território do povo Shilluk.
Após a conquista de Ondurmã, Kitchener dirigiu-se para Fashoda onde
chegou no dia 19. Kitchener protestou contra a presença francesa e mandou içar
a bandeira egípcia. Marchand não tinha espaço de manobra para se opor já que os
Franceses tinham defendido, contra o domínio inglês, que era necessário apoiar
os direitos do Egipto, que incluía o Sudão. O Governo francês avaliou mal o
interesse das outras Potências em apoiar a França. A Rússia não tinha nenhum
interesse em intrometer-se neste assunto. Os Alemães não estavam interessados
em contribuir para a solução de um diferendo que impedia uma aproximação entre
a França e o Reino Unido, apesar de, na época, a Alemanha e o Reino Unido serem
quase aliados. Aliás, foi com base no bom entendimento entre estas duas
Potências que elas chegaram a acordo, a 30 de Agosto de 1898, sobre uma
eventual partilha das colónias portuguesas.
Para visualizar o mapa com mais detalhe, seguir o link de origem: https://www.mtholyoke.edu/acad/intrel/pol116/Marchand's%20Route%20to%20Fashoda.jpg
Os governos da França e do Reino Unido iniciaram negociações. Os
britânicos ofereceram concessões na África Ocidental em troca dos territórios
na região do Nilo, troca a que os Franceses se opunham. Não foi alcançado
nenhum acordo e a questão de Fachoda transformou-se no acontecimento que
poderia conduzir a uma confrontação mais alargada entre as duas Potências. O
Reino Unido era a Potência mais forte. Kitchener dispunha de um exército
moralizado pelas recentes vitórias enquanto Marchand não dispunha de mais que
meia dúzia de franceses e uma centena de atiradores sudaneses. No vale do Nilo,
os Franceses estavam em desvantagem. No contexto global, a França tinha a
Rússia como aliada, mas esta não mostrou vontade de intervir; o Reino Unido não
dispunha de aliados, mas estava de boas relações com a Tríplice Aliança. No que
respeita à marinha de guerra, o Reino Unido dispunha de uma enorme vantagem
sobre a França. O Governo britânico era estável enquanto o Governo francês
estava dividido. O Reino Unido considerava esta uma questão de interesse
nacional enquanto para a França era uma questão de prestígio. A opinião pública
francesa considerou um absurdo a possibilidade de uma guerra contra o Reino
Unido a propósito de Fashoda quando a Alsácia-Lorena continuava em mãos alemãs.
A França cedeu e, no dia 11 de Dezembro de 1898, Marchand retirou de Fashoda.
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