Bismarck
abandonou o poder a 20 de Março de 1890. A Alemanha definiu uma nova política (Weltpolitik/Política mundial), destinada
a aumentar a sua influência no cenário internacional. O Tratado de Resseguro
(1887) não foi renovado e foi estabelecida uma aliança entre a França e a
Rússia (1892), reforçada em 1894 por uma convenção militar. A aliança entre a
França e a Rússia colocava a Alemanha numa posição difícil porque tornava muito
mais provável uma guerra em duas frentes. Contudo, a partir daquele ano e até
1905, a Rússia foi absorvida pelos acontecimentos no Extremo Oriente, o que
tornava difícil a cooperação com a França. No entanto, a Alemanha explorou ao
máximo todas as oportunidades para mostrar que o seu apoio era necessário a
estas Potências. Foi o que sucedeu com o apoio à França em 1894, em África, na
questão da delimitação do Estado Livre do Congo, ou em 1895, quando apoiou a
França e a Rússia que exigiam que o Japão renunciasse a ganhos territoriais
resultantes da guerra com a China. Com o Reino Unido, apesar de algumas
tentativas para uma aproximação, a Alemanha, com a sua diplomacia um tanto
errante, criou situações de conflito.
A
estabilidade obtida na Europa permitiu às principais Potências desenvolverem
políticas de expansão, especialmente em África e no Extremo Oriente. Apesar das
rivalidades existentes, a Alemanha e o Reino Unido assinaram, a 1 de Julho de
1890, o Tratado de Zanzibar-Heligolândia, favorável aos Britânicos na África
Oriental e aos Alemães no Mar do Norte. Contudo, a 3 de Janeiro de 1896 um
acontecimento mostrou a fragilidade e a tensão das relações entre as duas
Potências: o chamado “telegrama Kruger”. Na África do Sul, os Bóeres e os
Britânicos enfrentaram-se em guerras declaradas por duas vezes. A Primeira
Guerra dos Bóeres decorreu entre 20 de Dezembro de 1880 e 23 de Março de 1881 e
terminou com a derrota das forças britânicas. A Segunda Guerra dos Bóeres
decorreu entre 11 de Outubro de 1899 e 31 de Maio de 1902 e, ao contrário da
primeira, terminou com uma vitória britânica. Entre estas duas guerras,
registaram-se confrontos entre Bóeres e Britânicos.
Stephanus Johannes Paulus (Paul) Kruger, presidente da República do Transval, entre 9 de Maio de 1883 e 31 de Maio de 1902 (https://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Kruger#/media/File:KrugerPaulusJohannes.jpg) |
Em 1857, os
Bóeres – descendentes dos colonos oriundos dos Países Baixos, da Alemanha e da
Dinamarca - tinham proclamado a República do Transval, com capital em Pretoria.
Entre 1883 e 1902, foi seu presidente Stephanus Johannes Paulus Kruger (1825-1904), geralmente conhecido como Paul Kruger. O Transval é hoje uma região da África do Sul conhecida pelas sua
riqueza em diamantes e ouro descobertos em 1868 e 1898 respectivamente. Além da
república do Transval, existia outro Estado Bóer, o estado Livre de Orange.
Ainda existiam outros Estados Bóeres que foram sendo anexados pela Colónia do
Cabo. A ambição do Governo britânico, sob a liderança de Benjamin Disraeli
(1804-1881), primeiro-ministro britânico entre 20 de Fevereiro de 1874 e 21 de
Abril de 1880, o Governo britânico ambicionou criar uma federação na África
Austral na qual estariam incluídas todas as repúblicas bóeres. A quase
totalidade das repúblicas foi anexada sem grande resistência. A República do
Transval enfrentou os Britânicos na sua expansão na África do Sul.
A revolta
dos Bóeres do Transval, sob a liderança de Paul Kruger, deu origem à chamada
Primeira Guerra dos Bóeres (1880-1881). Esta guerra nunca absorveu grandes
efectivos. Das batalhas que foram travadas entre as forças bóeres e britânicas,
só na Batalha de Laing's Nek (28 Janeiro 1881) cada uma das forças empenhou
mais de mil homens. Numa guerra deste tipo, em que a força militar bóer,
constituída por uma milícia que formava grupos chamados “comandos”, era
conhecedora do terreno e muito móvel, os Britânicos necessitavam de uma força
muito superior àquela de que dispunham na região para dominarem os insurrectos.
Após quatro batalhas perdidas, William Ewart Gladstone (1809-1898), o
primeiro-ministro britânico desde 23 de Abril de 1880, compreendeu que para
continuar o conflito seria necessário enviar avultados reforços de tropas e
equipamentos. Sendo assim, optou por um gesto conciliatório e foi estabelecido
um armistício a 6 de Março de 1881. No dia 23 de Março foi assinado um Tratado
de Paz provisório que tomaria a forma definitiva com a Convenção de Pretoria,
assinada a 3 de Agosto [Texto da Convenção de Pretoria em https://en.wikisource.org/wiki/Pretoria_Convention]. Esta
Convenção sofreu algumas alterações e foi substituída em 1884 pela Convenção de
Londres [Texto da Convenção de Londres em https://en.wikisource.org/wiki/London_Convention]. Estava
garantida a independência do Transval.
Cecil Rhodes, primeiro-ministro da Colónia do Cabo entre 17 de Julho de 1890 e 12 de Janeiro de 1896 (https://en.wikipedia.org/wiki/Cecil_Rhodes#/media/File:CecilRhodes.jpg) |
Apesar das
disposições das convenções assinadas em 1881 e 1884, existiam conflitos de
interesses entre a Colónia do Cabo e o Transval, conflitos que poderiam pôr em
causa a paz estabelecida. O rico território do Transval era alvo da cobiça do
homem que presidia aos destinos políticos da Colónia do Cabo, Cecil John Rhodes
(1853-1902). Rhodes tinha criado uma sociedade diamantífera, a De Beers Company, em 1874. Mais tarde,
em 1889, criou uma companhia destinada a obter a exploração das jazidas de
diamantes no Noroeste do Transval (região que se tornou mais tarde na Rodésia
do Sul, hoje Zimbabwe. Também dirigiu no Transval uma sociedade mineira
dedicada à exploração do ouro, a Gold
Fields of South Africa. Foi este homem de negócios que o Governo britânico
nomeou primeiro-ministro da Colónia do Cabo, cargo que assumiu a 17 de Julho de
1890. Nestas novas funções, criando uma profunda promiscuidade entre política e
negócios, ainda podia contar com a protecção do Governo britânico.
O projecto
de anexação das colónias bóeres continuava de pé. Cecil Rhodes estava
convencido que tinha o apoio dos numerosos estrangeiros residentes no Transval
(Uitlanders) e não teve escrúpulos em
organizar uma revolta que deveria proporcionar a anexação do Transval pela
Colónia do Cabo. Entre 29 de Dezembro de 1895 e 2 de Janeiro de 1896, Leander Starr
Jameson (1853-1917), da British South
Africa Company (BSAC), com uma força formada por elementos da BSAC e da
polícia do Protectorado da Bechuanalândia, invadiram a República do Transval
com a intenção de provocar a esperada insurreição dos Uitlanders. Esta acção fracassou, não se verificou nenhuma
insurreição e Jameson e os seus homens foram aprisionados e conduzidos para
Pretoria.
A Alemanha
teve mostrou sempre uma grande simpatia pela República do Transval onde exercia
uma forte influência e encorajava as aspirações Bóeres. Cerca de quinze mil
alemães tinham-se instalado no Transval após a descoberta de ouro em 1886.
Empresas alemãs estabeleceram filiais em Pretoria. Uma linha de caminho de
ferro que ligava Pretoria ao Oceano Índico, em Moçambique, estava a ser
construída com maioria de capital alemão. Quando o resultado do Jameson raid foi conhecido em Berlim, o
kaiser Guilherme II enviou um telegrama a Paul Kruger, com o seguinte texto:
«Expresso os meus sinceros parabéns porque, apoiado pelo seu
povo e sem solicitar a ajuda de Potências amigas, obteve sucesso pela sua
enérgica acção contra os bandos armados que invadiram o vosso país e
perturbaram a paz e por ter sido capaz de restaurar a paz e defender a
independência do país contra os ataques lançados do exterior.»
Pau Kruger
respondeu a este telegrama da seguinte forma:
«Expresso a Vossa Majestade a minha mais profunda gratidão
pelas felicitações de Vossa Majestade. Com a ajuda de Deus esperamos continuar
a fazer tudo o que for possível pela existência da República.»
Na Alemanha,
a opinião pública apoiou o telegrama do Kaiser, mas alguns órgãos de
comunicação social deixaram claro que se tratava de uma derrota para o Reino
Unido. Foi o caso do Allgemeine Zeitung
de Munique que falava do «prazer universal sobre a derrota dos Ingleses».
Friedrich von Holstein, que serviu no Ministério dos Negócios Estrangeiros
alemão e defendia um entendimento com o Reino Unido, escreveu em 1907, já
afastado do serviço: «A Inglaterra, aquela rica e plácida nação, foi empurrada
para a sua actual atitude defensiva relativamente à Alemanha por contínuas ameaças
e insultos por parte dos Alemães. O telegrama Kruger foi o primeiro deles.» De facto, para os britânicos, o telegrama significava
que a Alemanha aprovava a independência do Transval. Além disso, a expressão
“Potências amigas” utilizada no telegrama do Kaiser foi interpretada como uma
indicação de que a Alemanha estaria disposta a apoiar militarmente o Transval.
Na
realidade, a 30 de Dezembro de 1895, o cônsul alemão em Pretoria, von Herff,
telegrafou para Berlim a pedir o desembarque de forças militares embarcadas em
navios alemães fundeados na Baía de Lourenço Marques, hoje Baía de Maputo e na
época conhecida por Delagoa-Bucht (em alemão) ou Delagoa Bay (em inglês), para
serem transportadas por comboio para Johannesburg a fim de protegerem os
súbditos alemães e a sua propriedade. No dia seguinte, 31 de Dezembro, o
embaixador alemão em Londres, Conde Paul von Hatzfeldt (1831-1901), questionou
oficialmente o Governo britânico sobre se tinha aprovado o Jameson raid. A resposta foi negativa e Salisbury garantiu que
estavam a ser tomadas todas as medidas para pôr termo àquela acção. Hatzfeldt
tinha instruções para, em caso de resposta afirmativa, solicitar o seu
passaporte e cortar relações diplomáticas. Em Berlim, o embaixador britânico,
Sir Frank Cavendish Lascelles (1841-1920), declarou que a força sob comando de
Leander Jamson era uma força rebelde a quem já tinha sido dado ordem para
retirar do Transval.
Na sequência
do telegrama Kruger houve uma troca de correspondência entre Guilherme II,
Imperador da Alemanha, e a rainha Vitória, sua avó. Numa carta escrita a 8 de
Janeiro de 1896, Guilherme II afirmava que «nunca o Telegrama foi concebido
como um passo contra a Inglaterra ou o seu Governo.» [MASSIE, 1991, p. 227-228]
Em 1897, na Grã-Bretanha, foi formada uma comissão nas Câmara dos Comuns que,
durante cinco meses, averiguou o envolvimento de Cecil John Rhodes e Joseph
Chamberlain (1836-1914), o Secretário de Estado para as colónias. Esta comissão
concluiu que seria impossível Chamberlain ter tido conhecimento antecipado da
operação no Transval. No entanto, foram capturados documentos que provavam a
cumplicidade de Cecil Rhodes.
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