«Marrocos
será para nós um objecto de compensação. Quantos mais interesses ali criarmos,
mais essa compensação será necessária.» Com estas
palavras, Bismarck punha em evidência uma das razões que o levaram a alterar a
sua atitude relativamente a uma política colonial. A Alemanha, tal como outras
Potências europeias, desenvolveu actividades económicas em Marrocos, mas sem
que tenham atingido uma grande relevância. A partir de 1904, com a criação da Entente Cordiale, a questão de Marrocos
tornou-se para os Alemães numa questão essencialmente política. Desde a sua
unificação (1871), a Alemanha tornara-se uma Potência incontornável nas
questões europeias e não estava disposta a abdicar desse estatuto.
Após a saída
de Bismarck (1890), com a política mundial (Weltpolitik)
adoptada por Guilherme II e seus governos, a Alemanha tinha necessidade de se
afirmar nas questões internacionais – não apenas europeias - especialmente
aquelas em que outras Potências europeias se encontravam envolvidas. A França e
outras Potências não podiam tomar decisões sobre Marrocos sem consultarem a
Alemanha. Esta posição era consensual na Alemanha, mas o mesmo não se passava
quanto à perspectiva das consequências dessa tomada de posição. A questão marroquina tinha, por esta razão, um alcance que
ia muito além do território de Marrocos e havia o perigo de, a partir daí,
surgir um conflito franco-alemão, ou seja, uma guerra europeia que certamente
escaparia aos limites europeus, alastrando por todos os continentes onde as
Potências europeias defendiam os seus interesses. Isto podia suceder apesar de
o chanceler alemão, Bernhard Heinrich Martin Karl von Bülow (1849-1929),
chanceler entre 1900 e 1909, anunciar que do ponto de vista da Alemanha não era
desejável que a França e o Reino Unido mantivessem boas relações a fim de
preservar a paz no mundo, o que a Alemanha sinceramente desejava.
Mapa de Marrocos, em http://www.africa-turismo.com/marrocos/mapa.htm |
Para o
Governo alemão, era necessário provocar o afastamento do ministro francês dos
Negócios Estrangeiros, Délcassé, por duas razões. Em primeiro lugar porque ele,
hostil em relação à Alemanha e partidário de uma ligação mais íntima com o
Reino Unido, teve um papel fundamental na construção da Entente Cordiale, ou seja, concluiu um acordo sobre Marrocos sem
que a Alemanha tivesse sido consultada. De igual forma, conseguiu os acordos
com a Itália [Ver o texto «06 - A Aliança Franco-Russa e a Aproximação
Franco-Italiana»] e com a Espanha que, a 6 de Outubro de 1904, tinha
estabelecido um acordo secreto com a França. A troco de apoio na política
marroquina, a Espanha beneficiaria de concessões territoriais no Norte e no Sul
de Marrocos. Em segundo lugar, porque existia a possibilidade de a França
desempenhar um papel importante na mediação do conflito entre a Rússia e o
Japão. «Se a mediação fosse bem-sucedida, a França desempenharia um papel de
primeiro plano na política mundial e poderia até colocar-se à cabeça de uma
“Quádrupla Aliança” composta pela França, Reino Unido, Rússia e Japão.»
Com estas
perspectivas, a diplomacia alemã agiu com o objectivo de dividir a França e
seus aliados. Ao Reino Unido procurou mostrar o perigo de uma aliança com a
França porque tal implicaria arrastar os britânicos para uma guerra no Continente
europeu, precisamente a situação que o Governo Britânico tinha procurado evitar
com a sua atitude de isolamento. Friedrich August Karl Ferdinand Julius von
Holstein (1837-1909), a “eminência parda” do Ministério dos Negócios
Estrangeiros alemão, acreditava que a ligação entre o Reino Unido e a França
não passava de uma amizade “platónica” e que o Reino Unido não apoiaria a
França. A Rússia, por
seu lado, encontrava-se neutralizada por duas questões: uma interna, a
Revolução Russa de 1905, e outra externa, a Guerra Russo-Japonesa (8 Fevereiro
1904 – 5 Setembro 1905). Nestas condições, a Rússia não conseguia cumprir com
as suas obrigações previstas na Aliança Franco-Russa de 1892. Nesta caso, o
Imperador e o Governo alemão procuraram demonstrar a Nicolau II o pouco apoio
que a França lhe dava.
No dia 31 de
Março de 1905, o vapor alemão “Hamburg” que percorria o Mediterrâneo e
transportava o Imperador Guilherme II, dirigiu-se para Tânger. O Imperador
desembarcou e teve uma recepção calorosa. Encontrou-se com o representante
francês em Tânger e com o tio do Sultão. O Imperador não fez nenhuma declaração
pública, mas o secretário da delegação alemã coligiu as declarações que
Guilherme II fez em círculos mais restritos e apresentou essa colectânea como
uma declaração do Imperador da Alemanha. Nessa “declaração”, o Imperador
pronunciou-se a favor de um sistema de “porta aberta” e também contra os
monopólios e contra a anexação de Marrocos. O conteúdo da declaração produziu
efeito, especialmente em França. Ficava claro que a Alemanha não aceitava as
ambições francesas sobre Marrocos. Sem ter sido consultada, em especial quando
foi construído o acordo de 1904 entre a França e o Reino Unido, a Alemanha
fazia agora uma demonstração de força diplomática. Se a França prosseguisse com
os seus planos, corria o risco de enfrentar também a força militar alemã.
Entrada do Imperador Guilherme II em Tânger, a 31 de Março de 1905, em https://fr.wikipedia.org/wiki/Crise_de_Tanger#/media/Fichier:Guglielmo_II_a_Tangeri_(1905).jpg |
Délcassé
considerava que a Alemanha estava a fazer bluff
e que o Reino Unido era um aliado absolutamente seguro. Henry Charles Keith
Petty-Fitzmaurice, 5.º Marquês de Lansdowne (1845-1927), Secretary of State for Foreign Affairs, não previra que o acordo
franco-britânico pudesse conduzir a um conflito com a Alemanha. O Governo
britânico definiu que o caminho a seguir era dar à França todo o apoio dentro
dos termos do acordo e, simultaneamente, tentar encontrar forma de satisfazer a
Alemanha. Mas esta parecia querer nada menos que a destruição da Entente Cordiale. A atitude alemã foi
vista pela comunicação social britânica não como a defesa dos seus legítimos
interesses económicos, mas como um ataque à Entente.
Em França a generalidade das pessoas tinha a mesma visão dos acontecimentos.
Neste ambiente em que a ameaça de guerra estava sempre presente sucediam-se as
declarações dos responsáveis políticos sobre a vontade de manter a paz.
«Nenhuma pessoa sã em Inglaterra deseja ter um conflito ou uma guerra com a
Alemanha», dizia Arthur James Balfour (1848-1930), primeiro-ministro do Reino
Unido, ao embaixador alemão em Londres. No entanto, Edward Grey (1862-1933), Secretary of State for Foreign Affairs
(10 Dezembro 1905 – 10 Dezembro 1916), avisou o embaixador alemão de que, no
caso de a Alemanha atacar a França por causa da questão de Marrocos, nenhum
Governo britânico poderia permanecer neutral. Num memorando de 19 de Fevereiro
de 1906, Edward Grey explicava os seus motivos: «Os Estados Unidos
desprezar-nos-iam, a Rússia pensaria que não valia a pena fazer um acordo amigável
connosco sobre a Ásia, o Japão preparar-se-ia para se ressegurar noutro lado, seríamos deixados sem
um amigo e sem o poder de fazer um amigo, e a Alemanha tiraria alguma
satisfação, depois do que se passou, explorando bem a situação para nossa desvantagem.» Bullow escrevia
nas suas memórias: «Não era meu desejo que fizéssemos guerra à França. Não a
queria naquele momento, nem a quis mais tarde.»
O Governo
francês compreendeu que a diplomacia de Déclassé podia ter consequências
desastrosas para a França. Maurice Rouvier (1842-1911), presidente do Conselho
de Ministros francês entre 24 Janeiro 1905 e 12 Março 1906, decidiu, com o
apoio da maioria dos seus ministros, seguir um caminho diferente. Aliás, o
próprio “grupo colonial” (os defensores da expansão colonial) deixou também de
apoiar Délcassé porque considerava que para manter uma política colonial activa
e canalizar para aí parte importante dos seus recursos implicava manter boas
relações com a Alemanha. Délcassé deixou de ter apoios para prosseguir a sua
política. Por outro lado, Rouvier tomou conhecimento pelas chefias militares do
estado de fraqueza, material e moral, em que se encontrava o Exército. No dia
26 de Abril, numa reunião com o embaixador alemão, Hugo von Radolin
(1841-1917), deu-lhe a entender que estava perto de demitir Délcassé, o que
materializaria uma mudança de direcção na política externa francesa. Um
telegrama enviado por Radolin para Berlin foi interceptado pelos serviços do Ministério
dos Negócios Estrangeiros francês e Délcassé tomou conhecimento, dessa forma,
das intenções de Rouvier. No conselho de ministros de 6 de Junho de 1905,
completamente isolado, Délcassé demitiu-se. Esta foi uma vitória da diplomacia
alemã.
A política
conciliadora de Rouvier, relativamente à Alemanha, correspondia à vontade
dominante em França. Houve troca de correspondência sobre Marrocos entre as
duas diplomacias e, no dia 8 de Julho de 1905, foi aceite por ambas as partes a
realização de uma conferência internacional destinada a regular a questão
marroquina. O Governo francês definiu que as questões coloniais, de Marrocos ou
outras, assim como as questões relativas aos interesses económicos, deviam ser
regulados pacificamente mesmo com a Alemanha. Contudo, as relações franco
alemãs tiveram novo momento de tensão quando a diplomacia alemã se esforçou por
obter uma aliança com a Rússia.
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