quinta-feira, 5 de junho de 2014

A Guerra Franco-Prussiana



A Primeira Guerra Mundial começou no Verão de 1914. A 28 de Julho deste ano, um mês depois do assassinato do arquiduque Francisco Fernando da Áustria (28 de Junho), a Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia e, no dia seguinte, bombardeou Belgrado. A Sérvia tinha recebido um ultimato austríaco no dia 23 de Junho e, no dia seguinte, pediu apoio à Rússia para o conflito que estava prestes a ter início. O apoio à Sérvia obrigou a Rússia a iniciar uma série de preparativos para a mobilização. Estes preparativos colocaram tanto os seus aliados como os prováveis inimigos em estado de alerta. A mobilização na Rússia iniciou-se no dia 31 de Julho e desencadeou uma série de ultimatos e ordens de mobilização que transformaram um conflito regional entre a Áustria-Hungria e a Sérvia num conflito entre as principais potências europeias que, rapidamente se tornou mundial.

Em Agosto de 1914, o conflito envolveu as potências centrais unidas na Tríplice Aliança, Alemanha, Áustria-Hungria e Itália, esta última mantendo uma atitude de neutralidade, contra as potências da Tríplice Entente, França, Rússia e Reino Unido. Mantinha-se, desde o dia 29 de Julho, o conflito armado entre a Áustria-Hungria e a Sérvia. A Bélgica, apesar do seu estatuto de neutralidade, foi envolvida no conflito porque a Alemanha decidiu enviar as suas forças através das planícies da Flandres para atacar a França. O Luxemburgo, igualmente com um estatuto de neutralidade, foi o primeiro território a ser ocupado pelas tropas alemãs (1 e 2 de Agosto) sem qualquer resistência.
 
Estes acontecimentos desenrolaram-se de acordo com planos militares definidos há algum tempo. O plano que os alemães puseram em prática no início da guerra é o que conhecemos como Plano Schlieffen. As outras potências puseram em prática os seus planos: Plano XVII da França; Planos G, A e 19 da Rússia; Plano W do Reino Unido; Planos B e R da Áustria-Hungria; a Sérvia tinha um plano (a sua designação não é mencionada na bibliografia disponível) para a eventualidade de uma guerra com a Áustria-Hungria e a Bélgica não elaborava abertamente planos por ter um estatuto neutral [Duffy; Martelo, 2003, pp. 41-47]. A Itália, como dissemos, preferiu manter a neutralidade no início da guerra e não são mencionados planos militares para esta situação.

Cada um dos planos mencionados foi elaborado de acordo com a percepção do que eram as possibilidades e os planos dos respectivos aliados e dos prováveis inimigos. Portanto, não faz sentido explicar o Plano Schlieffen sem referir os demais planos, especialmente o plano francês. Também não faz sentido, neste caso como em qualquer acontecimento histórico, mantermo-nos nos seus limites cronológicos. Existiram factores que conduziram à formulação dos planos que vigoraram em 1914 e existiram consequências que não podem ser ignoradas. Assim, começaremos por recuar no tempo para percebermos a génese do Plano Schlieffen. Teremos que recuar até à Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871 e analisar alguns aspectos desse conflito. 
 
A GUERRA FRANCO-PRUSSIANA 1870-1871

Isabel II de Espanha nasceu em Madrid a 10 de Outubro de 1830 e foi coroada rainha de Espanha a 2 de Outubro de 1833. Apenas governou diretamente a partir de 1843. Por várias razões que não importa aqui referir, o seu reinado foi muito polémico e enfrentou várias revoltas. As duas primeiras Guerras Carlistas registaram-se no seu tempo de rainha. Isabel II não era uma rainha popular. Após a Revolução de 1868, Isabel II foi deposta e foi exilada passando a residir em Paris, onde viveu até à sua morte a 9 de Abril de 1904. Em Junho de 1870, abdicou a favor do seu filho, o príncipe das Astúrias que, no entanto, só ascenderia ao trono em 1875. Entre 1868 e 1875, os Espanhóis adoptaram uma constituição mais liberal e optaram por manter os Bourbons afastados do poder.

Nesse sentido, procuraram um rei com outros laços familiares e a sua preferência foi para o Príncipe Leopoldo, o filho mais velho do príncipe Carlos António de Hohenzollern-Sigmaringen, o ramo católico da família Hohenzollern, cuja figura de topo era o Rei Guilherme da Prússia. O Príncipe Carlos António tinha sido primeiro-ministro da Prússia antes de Otto von Bismarck e o seu filho Leopoldo era casado com a Princesa Antónia de Bragança, filha da Rainha D. Maria II e Fernando II de Portugal. Um dos seus irmãos era o Príncipe Carlos da Roménia (Rei Carlos I, depois de 1881).

Na altura em que isto sucedia, a Prússia era a principal potência de um conjunto que formava a Confederação da Alemanha do Norte (desde 1867), o seu rei, Guilherme I, era cabeça da Casa de Hohenzollern, Otto von Bismark era o seu primeiro-ministro desde 1862 e o General Helmuth von Moltke era, desde 1858, o Chefe do Estado-Maior General Prussiano. 
Otto von Bismarck
Bismarck tinha um objectivo: realizar a unidade alemã sob a direção da Prússia. Em Fevereiro de 1864, com algum apoio naval da Áustria, a Prússia invadiu os ducados de Schleswig e Holstein que passaram a ser controlados pela Prússia e pela Áustria, respectivamente. O desacordo entre a Prússia e a Áustria sobre a administração destes territórios foi aproveitado por Bismarck para se libertar da tutela austríaca. A Áustria declarou guerra à Prússia a 14 de Junho de 1866 e as hostilidades começaram entre as duas potências e seus aliados. No dia 3 de Julho, os Austríacos sofreram uma derrota decisiva na Batalha de Sadowa (Batalha de Königgrätz) e, após uma derrota perante os Italianos que eram aliados dos Prussianos, pediram um armistício a 26 de Julho. Pelo Tratado de Praga (23 de Agosto), o Imperador austríaco Francisco José I (1830-1916) concordou com a exclusão da Áustria dos assuntos alemães [Phillips & Axelrod, p. 1024]. No ano seguinte, formou-se a Confederação da Alemanha do Norte. No entanto, ainda ficavam fora deste patamar da união alemã a Baviera, Württenberg, Baden e Hessen-Darmsstadt. Estes estados, contudo, assinaram tratados de aliança militar com a Prússia. Os tratados constavam das cláusulas secretas do Tratado de Praga. Em caso de guerra, os seus exércitos eram colocados sob comando prussiano.

Entre a Espanha e o que chamamos hoje a Alemanha existia o Segundo Império Francês que tinha sido implantado por Napoleão III que então governava. Tal como Guilherme I da Prússia, Napoleão III era governante do seu país e comandante-em-chefe das respectivas forças armadas.
Napoleão III
Em 1859, comandara pessoalmente o exército francês que, ao lado do exército do Reino da Sardenha, combatera as forças austríacas na Segunda Guerra de Independência Italiana mas, em 1870, com 62 anos, tinha a saúde debilitada. Em França não existia um estado-maior general como o prussiano nem o lugar de primeiro ministro como o cargo que na Prússia era ocupado por Bismarck [Badsey, pp. 20-22]. Os Franceses olhavam para o crescente poderio da Prússia com apreensão e isso levou a que fossem iniciadas negociações com a Áustria-Hungria e com a Itália no sentido de se unirem militarmente no caso de uma das potências entrar em guerra com a Prússia. Chegou a haver conversações inconclusivas com a Dinamarca no sentido de este estado possibilitar o desembarque de tropas francesas nas costas do Báltico [Badsey, pp. 26-29]. Se a guerra anterior em que França se tinha envolvido fora contra a Áustria, qual a razão desta preocupação com a Prússia? A questão que se colocava era a possibilidade de o Príncipe Leopoldo subir ao trono em Espanha e, assim, a França se encontrar entre dois reinos em que as respectivas coroas pertenciam à Casa de Hohenzollern. Por outras palavras, a França corria o risco de enfrentar uma guerra em duas frentes.
           

O processo de escolha de um rei para Espanha, no que toca ao Príncipe Leopoldo (que acabou por não aceitar o convite) gerou uma série de reuniões entre o embaixador francês e os governantes alemães, e foi conduzido com grande falta de tacto por parte do governo francês. Quando o Príncipe Leopoldo já tinha declinado o convite, os governantes franceses continuaram a insistir no assunto exigindo garantias da parte do Rei da Prússia. Bismarck aproveitou a ocasião para provocar os Franceses. No dia 14 de Julho, Dia da Bastilha, a imprensa europeia publicava o chamado "Telegrama de Ems", redigido pelo próprio Bismarck. De acordo com aquele telegrama e contrariamente à realidade, o embaixador francês terá sido tratado de forma insultuosa para a França. Em Berlim e em Paris, a multidão clamava pela guerra. No dia 17 de Julho, Berlim recebeu a declaração de guerra da França. Até essa data, desde que a crise tinha começado, não houvera qualquer outra comunicação entre os governos francês e alemão. Entretanto, desde que Napoleão III tinha ordenado a convocação das reservas e a Assembleia francesa tinha votado o orçamento para a guerra (15 de Julho), Moltke tinha sido autorizado a implementar os planos de guerra alemães a partir do dia 16.

Os Franceses tomaram a iniciativa de declararem guerra mas não estavam de forma nenhuma preparados para o conflito. Não foi a França que invadiu o território alemão mas sim a Prússia e seus aliados que invadiram a França. Após um mês de confrontos perto da fronteira os Franceses sofreram uma derrota definitiva na Batalha de Sedan, a 1 de Setembro. De seguida, os Alemães avançaram sobre Paris e, a partir de 19 de Setembro, puseram cerco à capital francesa. Um elaborado sistema de fortificações foi criado pelos Alemães em volta de Paris e o Rei Guilherme I estabeleceu o seu quartel-general em Versailles. Um armistício foi obtido em Paris a 26 de Janeiro de 1871. Entre esta data e 21 de Setembro do ano anterior, registaram-se várias tentativas de libertar a cidade, mas sem sucesso. No dia 28, foi assinada a Convenção de Versailles que estipulava a capitulação da cidade. Na fortaleza de Belfort, sitiada desde 3 de Novembro de 1870, o Coronel Pierre Denfert-Rochereau ofereceu resistência perante os Alemães. Denfert-Rochereau capitulou depois de receber ordem para tal, da Assembleia Geral Francesa reunida em Bordéus, a 15 de Fevereiro de 1871.
 
No dia 1 de Janeiro de 1871, no Palácio de Versailles, Guilherme I da Prússia foi aclamado imperador da Alemanha. Foi, portanto, com uma Alemanha unificada que a França aceitou os termos do Tratado de Frankfurt, assinado a 10 de Maio. De acordo com esse tratado, a França cedia a Alsácia e o noroeste da Lorena à Alemanha e comprometia-se a pagar uma indemnização de 5 biliões de francos (5.000.000.000.000). Até esta quantia estar paga, a Alemanha mantinha em França tropas de ocupação. A indemnização foi paga seis meses mais cedo do que estava estipulado.
Três questões importantes relativamente a estes acontecimentos devem ser destacados:
  • a preocupação da França em evitar uma guerra em duas frentes;
  • a anexação da Alsácia e parte da Lorena pelos Alemães;
  • a duração da guerra.
     
A primeira questão, a guerra em duas frentes, levou Napoleão III a considerar que a guerra seria inevitável. Após a unificação da Alemanha, esta passou a ter o mesmo problema, para o qual Bismarck encontrou solução no seu sistema de alianças e Moltke não deixou de prever no seu planeamento. Este foi um problema que as chefias militares alemãs tiveram de ter sempre presente nos seus planos e que conduziu à formulação do Plano Schlieffen.
 
A segunda questão prende-se com a ideia de reaver os territórios perdidos para a Alemanha. A França iria aceitar como definitiva esta transferência daqueles territórios? No início do século XX, essa era uma situação que parecia tacitamente aceite por largos sectores do país. No entanto, alguns incidentes que se verificaram com alguns recrutas alsacianos em 1913, mostraram que a questão da Alsácia Lorena continuava presente no espírito dos Franceses e que continuava a impedir uma reconciliação com a Alemanha. «Elle était un obstacle au rapprochement entre les deux pays; mais elle n'était pas un casus beli.» A questão da Alsácia-Lorena era acompanhada de outra, «le culte de la Revanche», que levou os Franceses a considerarem a Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871 como «un premier entre-deux-guerres» a que não é alheio o crescente fenómeno do Nacionalismo que se fazia sentir na Europa. Este é um problema que o tempo ajudou, em parte, a dissipar mas, entre a Guerra de 1870-1871 e a guerra de 1914, Franceses e Alemães não deixaram de ter um vago sentimento que entre os dois países subsistia um contencioso por resolver.

A última questão está relacionada com a duração do conflito. Desde o início das hostilidades e até à Batalha de Sedan, decorreu um mês. O cerco de Paris, com as tentativas de libertação, durou cerca de quatro meses. Moltke recordaria este facto nos conselhos que deixou aos seus sucessores. Excluindo o episódio do cerco de Paris, a guerra foi rápida, tal como já tinham sido as guerras com a Dinamarca e com a Áustria. Não apenas na Alemanha, mas em todas as outras potências, os governantes convenceram-se que uma futura guerra seria igualmente rápida. Aliás, nem sequer pensavam na possibilidade de manter o estado de guerra por um período muito longo.