terça-feira, 16 de setembro de 2014

A Liga dos Três Imperadores 1872 - 1878


O Tratado de Frankfurt, assinado a 10 de Maio de 1871 pelos representantes da França e da Alemanha, tornava oficial o fim da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871). Este tratado estabelecia as condições impostas pela potência vencedora, o Império Alemão, à potência vencida, a Terceira República Francesa. Dos seus dezoito artigos, importa realçar o seguinte:
  • A França renunciava a favor da Alemanha aos territórios da Alsácia e parte da Lorena;
  • A França pagaria à Alemanha uma indemnização de cinco biliões de francos e os Alemães manteriam em território francês tropas de ocupação, até essa indemnização estar liquidada.
Ver o texto completo do Tratado de Frankfurt em: http://gander.chez.com/traite-de-francfort.htm

O Tratado de Frankfurt entrou em vigor no dia 20 de Maio de 1871, após a troca de ratificações pelos respectivos governos. A perda dos territórios da Alsácia-Lorena deixou nos Franceses um sentimento de revanche que iria permanecer nos seus espíritos por muito tempo. A indemnização foi paga mais cedo do que o previsto e as últimas tropas alemãs de ocupação saíram de França a 16 de Setembro de 1873.

A LIGA DOS TRÊS IMPERADORES

A vitória dos estados alemães na Guerra Franco-Prussiana e a proclamação do Império Alemão estabeleceram um status quo favorável à Alemanha. Nas duas décadas que se seguiram, a Alemanha iria ter um papel preponderante entre as Grandes Potências. Berlim tornou-se o centro da actividade diplomática europeia. Os governantes alemães, Guilherme I, o seu imperador, ou Otto von Bismarck, o seu chanceler, não pretendiam a expansão na Europa. Bismarck procurou a estabilidade na Europa. Além disso, a necessidade de consolidar internamente o Império não aconselhava a participação em "aventuras" coloniais. No entanto, Bismarck estava convencido que a França não iria conformar-se com a perda dos territórios na fronteira franco-alemã, a Alsácia-Lorena, e que, se surgisse a oportunidade, procuraria recuperá-los. Perante este cenário, o chanceler alemão tentou constantemente manter a França isolada para que, não obtendo o apoio de outras potências, ela não conseguisse reunir as condições para atacar a Alemanha. Esta foi a preocupação de Bismarck pois se a Alemanha queria manter o status quo e evitar a possibilidade de um ataque a partir da França, necessitava manter esta potência isolada e atrair para o seu campo as outras potências, estabelecendo a sua rede de alianças.



Guilherme I da Alemanha
Imagem disponibilizada pela Wikipédia



A aproximação mais fácil foi feita com a Áustria. A vitória da Prússia na Batalha de Königgrätz (ou de Sadowa), a 3 de Julho de 1866, mostrou aos Austríacos que a sua hegemonia sobre os Estados alemães tinha chegado ao fim, o que veio a ser confirmado, poucos anos mais tarde, com a proclamação do Império Alemão. Os termos da paz, estabelecidos pelo tratado que ficou conhecido como Paz de Praga, assinado a 23 de Agosto de 1866, não penalizaram demasiado a Áustria e, assim, foi mais fácil para o imperador Francisco José aceitar um bom relacionamento com o Império Alemão e visitar Berlim em Setembro de 1872. Na mesma altura, Alexandre II da Rússia também se deslocou à capital alemã. Não existindo um contencioso entre a Alemanha e a Rússia e tendo estabelecido um bom relacionamento com a Áustria, foi mais fácil para Bismarck que os soberanos daquelas potências aceitassem um acordo. 

Os três imperadores reuniram-se em Berlim, o que foi entendido como uma forma de mostrarem coesão contra os movimentos revolucionários. Para as restantes potências europeias tratava-se de uma demonstração de solidariedade conservadora que aparecia um pouco deslocada no tempo pois a Primeira Internacional acusava já os efeitos das disputas entre Marxistas e Anarquistas, mostrava divisões irreconciliáveis e acabaria por ser extinta em 1876. A Primeira Internacional já não estava, pois, em condições de lançar movimentos revolucionários de natureza a causar preocupações aos governos mais conservadores. Na realidade, esta ligação entre os três imperadores, que era obra de Bismarck, tinha como principal objectivo o isolamento da França.




Francisco José da Áustria
Imagem disponibilizada pela Wikipédia


No entanto, existia um problema difícil de solucionar: a Áustria-Hungria pretendia expandir-se para os Balcãs enquanto os Russos se consideravam protectores dos povos eslavos daquela região (Croatas, Eslovenos, Bósnios, Montenegrinos, Sérvios, Macedónios). Sendo assim, havendo a possibilidade de um conflito de interesses nos Balcãs, porque haveria a Rússia de se juntar à Alemanha e á Áustria-Hungria? Bismarck convenceu Alexandre II com o argumento da solidariedade monárquica, a fim de garantirem a estabilidade na Europa, estabilidade que podia ser posta em causa por uma França republicana, revolucionária e agressiva.

Deste encontro em Berlim, o único em que se reuniram os três imperadores, não resultou nenhum documento escrito mas os soberanos assumiram um compromisso de solidariedade entre si. Foi este compromisso que ficou conhecido como Liga dos Três Imperadores. Esta solidariedade implicava que a Áustria-Hungria não provocaria nem apoiaria qualquer levantamento na Polónia contra a Rússia (em 1795, a terceira partilha da Polónia fez desaparecer este país do mapa político da Europa e os seus territórios foram partilhados pela Rússia, Prússia e Áustria), nem a Rússia provocaria ou apoiaria alguma acção dos eslavos dos Balcãs contra a Áustria-Hungria (esta potência incluía nos seus territórios um vasto conjunto étnico - Alemães, Húngaros, Checos, Eslovacos, Polacos, Ucranianos, Eslovenos, Croatas, Sérvios, Romenos e Italianos - do qual constavam alguns dos povos eslavos dos Balcãs).




Czar Alexandre II da Rússia
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Em Maio de 1873, Guilherme I visitou São Petersburgo e, em Junho desse ano, Alexandre II visitou Viena. Helmuth von Moltke, Chefe do Estado-Maior General Alemão, fazia parte da comitiva de Guilherme I e reuniu-se com o Marechal de Campo Friedrich Wilhelm Rembert von Berg, membro do Conselho de Estado russo desde 1866. Desta reunião resultou uma convenção militar, assinada por Moltke e por Berg, a 6 de Maio de 1873, segundo a qual cada uma das potências enviaria 200.000 homens para ajudar a outra potência se essa fosse atacada. Esta convenção, que nunca foi utilizada, não teve o apoio de Bismarck. Das reuniões em São Petersburgo não resultaram quaisquer outros acordos. Já em Viena, Alexandre II firmou um acordo político com Francisco José. Este acordo, assinado a 6 de Junho, que mais tarde recebeu a aprovação de Guilherme I, estipulava que, se alguma questão ameaçasse dividir as três monarquias, os monarcas deviam manter um sistema de consultas mútuas por forma a resolver as questões em aberto.

Estabelecidos estes acordos e sendo do conhecimento das outras potências, é natural ser analisada a situação e levantadas algumas hipóteses de acção. Uma das hipóteses era se, para além do isolamento a que a França ficava votada, existiria o perigo de a Alemanha se sentir com mãos livres para atacá-la? A 8 de Setembro de 1872, em Berlim, quando os três imperadores ali se reuniram, Alexandre II recebeu o embaixador francês na Alemanha e assegurou-lhe que a Rússia não se juntaria a nenhuma outra potência que, por qualquer forma, agisse contra a França. Alguns dias depois, o chanceler do Império Russo, Alexandre Miguel Gorchakov, chegou a afirmar que «a Europa necessita de uma França forte.» A Liga dos Três Imperadores tinha unido a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Rússia e, desta forma, afastava esta última potência de uma aliança com a França. No entanto, as afirmações do imperador russo e do seu chanceler revelavam que, se não estavam interessados em apoiar uma guerra da França contra a Alemanha, também não desejavam que a Alemanha se sentisse livre para se expandir na Europa ou que a Áustria sentisse a mão livre nos Balcãs. Uma França forte ajudaria a manter o equilíbrio na Europa. Seja como for, o objectivo de Bismarck foi conseguido pois a França não encontraria na Rússia um aliado para atacar a Alemanha.


Durante a vigência da Liga dos Três Imperadores surgiram crises que evidenciaram as suas vulnerabilidades e acabariam por lhe pôr termo em 1878. A primeira crise surgiu entre as Alemanha e a França, em 1875, e foi superada com a evidência que a França não estava tão isolada quanto Bismarck pretendia. A segunda crise, que se arrastou de 1875 a 1878, surgiu devido a conflitos de interesses entre a Áustria-Hungria e a Rússia nos Balcãs e incluiu a Guerra Russo-Turca de 1877-1878. Esta última crise levou à dissolução da Liga dos Três Imperadores que viria, pelos esforços de Bismarck, a assumir uma forma mais formal em 1881.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

As alianças em confronto

Quando a guerra começou, em 1914, foram colocados em confronto dois sistemas de alianças: a Tríplice Aliança e a Tríplice Entente. A primeira englobava a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Itália (que se manteve neutral no início do conflito). A segunda era constituída pela França, Rússia e Reino Unido. No decorrer da guerra, outras potências aderiram a cada um destes blocos.

Em 1871, após a Guerra Franco-Prussiana, foi criado o Império Alemão sob hegemonia da Prússia e englobando os territórios da Alsácia e parte da Lorena que a França, como potência derrotada, foi obrigada a ceder nos termos do Tratado de Frankfurt. A Alemanha (nome pelo qual designaremos o Império Alemão) tinha alcançado uma posição que lhe era favorável mas não hegemónica no contexto europeu. Só uma coligação de potências podia alcançar essa situação de hegemonia. Se não fosse formada nenhuma coligação com carácter ofensivo, isto é, que procurasse dominar as outras potências, o equilíbrio do poder no continente europeu estaria garantido. Foi nesse sentido que o chanceler alemão, Otto von Bismarck, desenvolveu a sua actividade diplomática: manter a posição que a Alemanha tinha adquirido na Europa; isolar a França para que esta potência não se aliasse a outra e conseguisse, dessa forma, atacar a Alemanha.

Bismarck estava convencido que a França não hesitaria em aproveitar uma oportunidade para recuperar os territórios da Alsácia-Lorena e o pior cenário que se podia colocar era o de uma aliança entre a França e a Rússia. Não era uma possibilidade a ignorar uma vez que os interesses da Rússia e da Áustria-Hungria colidiam nos Balcãs. Uma guerra entre a Rússia e a Áustria-Hungria obrigaria a Alemanha a intervir ao lado de uma das potências e a outra poderia sempre contar com o apoio da França. Esta era, do ponto de vista estratégico, a situação mais perigosa porque obrigaria a Alemanha a dispersar os seus recursos militares por duas frentes. Para resolver esta questão, Bismarck criou um sistema de alianças que tinha como objectivo isolar a França.

A Tríplice Aliança nasceu em 1882. Embora a Rússia não integrasse este conjunto, manteve-se ligada à Alemanha por outros acordos. Antes da Tríplice Aliança existia a Aliança Dual – também conhecida como Dupla Aliança - e, simultaneamente, a Liga dos Três Imperadores que mantinha a Rússia no círculo das potências centrais, Alemanha e Áustria-Hungria. Quando a Liga dos Três Imperadores caiu definitivamente por incompatibilidade de interesses entre a Rússia e a Áustria-Hungria, a Alemanha conseguiu manter uma ligação com a Rússia através do Tratado de Resseguro (1887). Este foi o sistema criado por Bismarck, que se manteve enquanto esta grande figura da diplomacia europeia foi chanceler do Império Alemão. No entanto, em 1890, em oposição a Guilherme II que tinha subido ao trono em 1888, Bismarck foi obrigado a abandonar o cargo que ocupava desde a criação do Império. Nem o imperador nem os chanceleres seus sucessores seguiram a mesma política. A ligação entre a Alemanha e a Rússia caiu e, dessa forma, ficaram criadas as condições para uma aliança entre a França e a Rússia. Do sistema de alianças forjado por Bismarck manteve-se a Tríplice Aliança.

Os sistemas em confronto no início da guerra (1914)
O que Bismarck mais temia aconteceu em 1892. Neste ano, a França e a Rússia assinaram um tratado de aliança militar. A partir de então, em caso de guerra, a Alemanha teria de enfrentar a ameaça de uma invasão francesa a ocidente e de uma invasão russa a oriente. A França tinha quebrado o isolamento diplomático e conseguiu, em 1904, concluir com o Reino Unido uma série de acordos que regulavam as divergências surgidas na expansão colonial. Este conjunto de acordos ficou conhecido como Entente Cordiale. De forma mais informal, foram estabelecidas ligações entre os respectivos estados-maiores. Em 1907, também para resolver divergências coloniais, especialmente de expansão territorial na Ásia Central, o Reino Unido e a Rússia assinaram uma convenção que ficou conhecida como Entente Anglo-Russa. Esta rede de tratados e acordos entre as três potências, França, Rússia e Reino Unido, ficou conhecida por Tríplice Entente e foi o sistema de alianças que se opôs à Tríplice Aliança em 1914.

Ambos os sistemas de alianças não surgiram na sua forma definitiva tal como existiam em 1914. Ambos tiveram origens em alianças que foram alteradas ou substituídas por outras. Esta evolução, em ambos os sistemas, ficou a dever-se às crises que afectaram o relacionamento entre as potências envolvidas e às soluções encontradas de acordo com os interesses de cada uma. Bismarck antecipou-se e criou o seu sistema de alianças mesmo antes de qualquer crise pôr em causa a segurança da Alemanha. As crises e as disputas coloniais foram factores fundamentais na evolução dos sistemas de alianças e, por isso, ao abordarmos a sua evolução até ao deflagrar da guerra de 1914-1918, teremos de examinar as crises que mostraram as suas debilidades, que obrigaram à sua alteração e que foram mostrando de forma relativamente clara quais as posições que seriam assumidas em caso de conflito entre as potências dos dois sistemas que se opunham.