terça-feira, 28 de outubro de 2014

A Crise nos Balcãs (1875-1878)


A Liga dos Três Imperadores mostrou a sua fragilidade durante a crise franco-alemã de 1875, quando foi evocada a possibilidade de um conflito entre aquelas potências. Porém, a Liga resistiu à crise e a França continuou isolada porque as outras grandes potências europeias, embora tivessem mostrado que se opunham a um ataque por iniciativa da Alemanha, não apresentaram abertura para uma aliança com a República Francesa. Entretanto, a situação agravou-se quando uma crise surgiu nos Balcãs. A crise balcânica de 1875-1878 mostrou a impossibilidade da eficácia de um sistema de alianças ou acordos em que dois dos seus membros - a Rússia e da Áustria-Hungria - tinham interesses divergentes sobre aquela região. A crise, resultante da desintegração do Império Otomano, atingiu o seu ponto mais perigoso com Guerra Russo-Turca de 1877-1878. A sua origem imediata encontrava-se nas revoltas que surgiram na Península Balcânica, na desintegração do Império Otomano e na repressão brutal exercida pelas tropas turcas.

Perante a desintegração do Império Otomano, a Alemanha e a França, que não tinham ambições sobre a região dos Balcãs, mostraram alguma indiferença. A Alemanha, não só não tinha ali interesses como receava ser arrastada para um conflito com o qual nada tinha a ganhar. Outras potências, em especial a Rússia e a Áustria-Hungria, tinham interesses na região e esses interesses eram nitidamente divergentes. A Áustria e a Rússia mostravam-se dispostas a tirar o máximo proveito da fraqueza otomana. Os Austríacos tinham todo o interesse em garantir a livre navegação no Danúbio pois este rio era a via pela qual circulavam as mercadorias entre a Áustria e o mundo exterior. O rio Danúbio, em cujas margens se situa Viena, a capital austríaca, e Belgrado, a capital da Sérvia, atravessava vastos territórios controlados pelo Império Otomano para ir desaguar no Mar Negro. Este mar interior comunica com o Mediterrâneo pelos estreitos do Bósforo e de Dardanelos que, com o Mar da Mármara, ainda hoje separam o território europeu do território asiático da Turquia. Os estreitos eram, portanto, facilmente controlados pelos turcos mas sobre eles existiam garantias internacionais de navegação comercial e restrições na sua utilização militar. Esta situação dos estreitos mantinha-se desde a assinatura do Tratado de Paris (1856), no final da Guerra da Crimeia (1853-1856). A Rússia estava impedida, nos termos daquele tratado, de manter bases ou forças navais no Mar Negro. A linha férrea para Trieste, que era então um porto franco em território sob domínio austríaco, também proporcionava uma saída para o Mediterrâneo mas esta região, habitada por populações de língua italiana, era reivindicada pelo movimento irredentista italiano.


Hoje, como há cem anos, o Danúbio foi sempre essencial para o transporte de pessoas e mercadorias. [http://hr.wikipedia.org/wiki/Dunav#mediaviewer/File:Containerschiff_in_Linz.jpg]


O Vale do Danúbio
[http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fa/Danubemap.jpg]

As restrições impostas à Rússia pelo Tratado de Paris eram sentidas por aquela potência como uma humilhação. O Mar Negro foi neutralizado nos termos do artigo 11º daquele tratado e foram estabelecidas algumas excepções que permitiam apenas a permanência na zona de embarcações militares ligeiras. Nos termos do Tratado, a Rússia não podia manter no Mar Negro nem bases navais nem navios de guerra. Na “Convention des Détroits” assinada durante o Congresso em Paris, no artigo 1º, a Turquia garantia que não permitiria o acesso de navios de guerra aos estreitos de Dardanelos e do Bósforo. A única forma que a Rússia tinha de manter uma frota no Mediterrâneo Oriental era garantir a independência dos eslavos nos Balcãs que, sendo seus aliados naturais, lhe proporcionariam as bases necessárias. Desta forma, a desintegração do Império Otomano convinha à Rússia mas não à Áustria.

A Áustria-Hungria, tal como o nome indica, era um Estado (monarquia) dual. Após a derrota perante a Prússia, em 1866, a Áustria canalizou a sua atenção para a bacia do Danúbio e para os Balcãs. Em 1867 foi estabelecido um compromisso (Ausgleich) entre as nações dominantes - alemã e húngara - do Império. A Áustria e a Hungria tornaram-se estados autónomos com um soberano comum. O problema que se colocava a esta monarquia dual era a diversidade de povos que a compunham. Na Hungria, 52% da população era composta por Croatas, Sérvios, Eslovacos e Romenos. A independência da Sérvia ou da Roménia seria um incentivo para os movimentos de independência dos povos eslavos.


Composição étnica da Áustria Hungria em 1911 [http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/92/Austria_hungary_1911.jpg]

O Reino Unido era a potência que continuava a defender a integridade do Império Otomano. O Canal de Suez, que liga o Mediterrâneo ao Mar Vermelho, tinha sido inaugurado a 17 de Novembro de 1869. Em 1875, devido às graves dificuldades económicas que atravessava, o Egipto vendeu aos Britânicos a sua participação no Canal e este tornou-se parte integrante da estratégia britânica no Mediterrâneo e no Médio Oriente. A utilização do Canal de Suez permitia aos navios britânicos percorrerem menos 9.000 Km para chegarem à Índia do que quando tinham de fazer o percurso pela rota do Cabo, ou seja, contornando o continente africano. Controlar o Canal de Suez significava, assim, controlar a mais importante rota entre a Europa e o Oceano Índico ou até o Pacífico. O Canal do Panamá só viria a ser inaugurado em 1914.

A Turquia sofreu pressões das potências europeias, em especial do Reino Unido, da França e da Rússia, para que iniciasse um conjunto de reformas destinadas a melhorar o seu sistema político e, consequentemente, a administração e a condição de vida das populações incluídas no seu império. A Rússia estava em condições de exercer maior pressão sobre a Turquia porque era a principal ameaça exterior à sua integridade. O Reino Unido e a França eram os principais credores do Império Otomano, com a França em primeiro lugar. Alguns ministros liberais turcos fizeram um esforço no sentido do desenvolvimento mas sempre de forma insuficiente, não só pela timidez das reformas em si mesmas como pela resistência encontrada nas elites dominantes do império.

Entre 1875 e 1878, surgiram revoltas contra o Império Otomano, primeiro na Herzegovina, depois na Bósnia. Não foram as primeiras e não seriam as últimas revoltas contra o Império Otomano naquela região. Em 1804 começaram as revoltas na Sérvia que, em 1817, se tornou um principado autónomo sob suserania do Sultão. Esta era a situação que mantinha em 1875 e significava que o Principado da Sérvia era tributário do Sultão. A Grécia tinha obtido a sua independência após uma guerra que durou de 1821 a 1833 e durante a qual obteve apoio das grandes potências. Ficou como rei da Grécia o duque Otto da Baviera, a quem sucedeu, em 1863, um príncipe dinamarquês, Jorge I dos Helenos, que governou até 1913. Com estes monarcas, as grandes potências garantiam o controlo dos seus interesses. 1848 foi um ano de convulsões em toda a Europa e às quais não escaparam a Croácia e a Eslovénia, então integradas no Império Austríaco. Assim continuariam até 1918. Após a Guerra da Crimeia (1853-1856), a Valáquia e a Moldávia, que tinham sido integradas no Império Otomano, proclamaram-se principados independentes e, em 1861, uniram-se para formar a Roménia, elegendo um príncipe local, Alexandre Cuza. Este foi deposto em 1866 e o governo do principado foi assumido pelo príncipe Carlos de Hhenzollern-Sigmaringen, Carlos I da Roménia depois de 1881. Na Bulgária, a última revolta digna de nota tinha acontecido em 1689 (Revolta de Karposh). Entretanto, começou a tomar forma, no século XIX, um movimento que ficou conhecido como "Despertar Nacional da Bulgária" que iria conduzir às revoltas de 1876. O Montenegro era um principado autónomo. A Albânia, a Bósnia, a Herzegovina e a Macedónia eram territórios do Império Otomano sem qualquer autonomia.


Revoltosos na Herzegovina [http://en.wikipedia.org/wiki/Herzegovina_Uprising_%281875%E2%80%9377%29#mediaviewer/File:Hercegovinci_v_zasade.gif]

O Sultão Abdulmecid I, que governou de 1823 a 1861, tinha instituído um conjunto de reformas que garantiam uma redução dos impostos aos agricultores bem como mais direitos para as populações cristãs. No entanto, a aplicação destas reformas foi posta em causa pelos latifundiários bósnios que exerceram sempre fortes medidas repressivas contra quaisquer tentativas de obter melhores condições de vida dos seus súbditos cristãos. As primeiras revoltas surgiram em Julho de 1875 entre comunidades católicas e, no mês seguinte, tinham-se estendido a todas as comunidades cristãs, católicas e ortodoxas, na Bósnia e na Herzegovina. As tentativas de repressão da revolta não foram bem sucedidas mas provocaram um elevado número de refugiados. Cerca de 150.000 pessoas fugiram para a Croácia. Algum tempo depois, as revoltas estenderam-se a outros territórios dos Balcãs.

No Congresso de Paris (25 Fevereiro - 30 Março 1856), após a Guerra da Crimeia (1853–1856), foram dadas garantias importantes no plano religioso aos povos do Império Otomano. O artigo 23º faz referência explícita à «plena liberdade de culto» na Valáquia e Moldávia e o artigo 28º faz uma referência idêntica relativa à Sérvia. Com o apoio da Rússia, a Bulgária obteve maior liberdade religiosa. A Igreja Búlgara, cristã ortodoxa, estava dependente da Igreja Grega ortodoxa. Em 1870, o sultão otomano autorizou a instituição do Exarcado Ortodoxo Búlgaro e, desta forma, a Igreja Búlgara libertou-se da Igreja Grega. Foi exactamente neste plano que se manifestaram os primeiros sentimentos nacionalistas búlgaros. O seu primeiro exarca, Antim I, foi, por isso, o líder natural da jovem nação búlgara. Em consequência da propagação das revoltas da Bósnia e da Herzegovina contra o domínio otomano, o Comité Revolucionário Secreto Búlgaro, com sede em Bucareste, organizou uma revolta em Abril de 1876. A insurreição teve maior expressão em Abril e Maio desse ano e a repressão turca foi de uma grande violência. As vítimas da repressão contaram-se aos milhares e a opinião pública europeia mostrou grande desagrado pela atitude da Turquia.

A crise que se manifestou nos Balcãs deu origem a numerosas iniciativas diplomáticas. No dia 11 de Maio de 1876, Gorchakov, Bismarck e Andrássy, chanceleres da Rússia, da Alemanha e da Áustria-Hungria, reuniram-se em Berlim para discutir o problema dos Balcãs. No dia 13 convidaram a Itália, a França e o Reino Unido para aderirem a uma conferência a realizar em Constantinopla com a finalidade de impor reformas ao Império Otomano. As negociações entre as potências continuaram com a finalidade de definir os objectivos a alcançar na conferência mas as divergências eram importantes. O Reino Unido não aceitou a proposta mas, entretanto, enviou uma frota para a Baía de Besika (Çanakkale), na entrada do Estreito de Dardanelos.

Entretanto, a Sérvia e o Montenegro decidiram, em apoio dos revoltosos, declarar guerra à Turquia. Em resposta a esta declaração de guerra, um exército turco atacou Belgrado e a Sérvia pediu ajuda internacional. Esta podia ser uma oportunidade para a Rússia aumentar a sua influência nos Balcãs mas o seu chanceler, Gorchakov, sabia que iria encontrar a oposição das outras potências. Por esta razão, solicitou a intervenção da Áustria-Hungria e do Reino Unido que não mostraram disponibilidade para se envolverem directamente nas operações militares. Perante a passividade daquelas potências, a Rússia declarou, no dia 11 de Novembro de 1876, que iria para a guerra contra a Turquia se não houvesse uma acção colectiva que fizesse parar os excessos da repressão. Na Europa, foi lançada uma campanha diplomática contra os "horrores búlgaros" e foi convocada uma conferência para Constantinopla.

A Conferência de Constantinopla decorreu entre 23 de Dezembro de 1876 e 20 de Janeiro de 1877. Nesta conferência participaram o Reino Unido, a Rússia, a França, a Itália, a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Turquia. Houve duas importantes decisões na Conferência de Constantinopla. Primeira, a Bósnia tornou-se uma província autónoma e incluía os territórios da Bósnia e da maior parte da Herzegovina. A parte sul deste último território foi cedida ao Montenegro. Segunda, a Bulgária deu origem a duas novas províncias do Império Otomano, ambas ampliadas com outros territórios do Império. Foi formada uma província ocidental, com capital em Tarnovo, e uma província oriental, com capital em Sofia. As potências intervenientes na conferência estabeleceram de forma detalhada o funcionamento dos órgãos políticos destas províncias, da sua administração e defesa.

Estas decisões foram comunicadas ao Sultão no dia 23 de Dezembro de 1876, o mesmo dia em que Abdul Hamid II aprovou a nova Constituição Otomana. As decisões apresentadas não tinham em conta o que estava estabelecido na Constituição e, por isso, foram rejeitadas. No dia 18 de Janeiro de 1877, o Grão-vizir anunciou que o Império Otomano repudiava as decisões tomadas durante a Conferência de Constantinopla. A Rússia declarou guerra ao Império Otomano no dia 24 de Abril de 1877 e as outras potências não apoiaram a Turquia.

A guerra não correu bem para os Turcos. Na Batalha de Senova, a 8 e 9 de Janeiro de 1878, os Russos derrotaram e cercaram todo o exército turco e capturaram cerca de 36.000 homens. O avanço das tropas russas continuou e, no dia 30 de Janeiro, tinham atingido os arredores de Constantinopla. O governo britânico, no dia 29 de Janeiro, já tinha enviado uma nota ao governo russo mostrando que o Reino Unido não aceitaria a instalação de uma potência estrangeira em Constantinopla. No dia 31, devido à pressão britânica, a Rússia aceitou o armistício que a Turquia solicitou. As dificuldades financeiras e o estado de esgotamento em que a campanha tinha deixado o seu exército, levaram o governo russo a dar início às conversações de paz com o governo Turco. Entretanto, a Áustria-Hungria, temendo a hegemonia russa nos Balcãs, preparou a mobilização. No dia 5 de Março de 1878, a Rússia e a Turquia assinaram o Tratado de San Stefano.


Na situação de vencedora, a Rússia obteve condições muito favoráveis neste tratado. Nos seus termos, a Rússia anexava alguns territórios da Turquia na parte asiática e recebeu Dobruja, na parte europeia. Imediatamente após a assinatura do tratado, a Rússia cedeu Dobruja à Roménia em troca da Bessarábia do Sul. A Sérvia e o Montenegro também receberam alguns territórios e a Áustria-Hungria ocupou a Bósnia e a Herzegovina. A consequência principal da aplicação deste tratado era a criação da "Grande Bulgária", principado autónomo, governado por um príncipe escolhido pela Rússia, mas mantendo-se vassalo e tributário do Império Otomano. A "Grande Bulgária" estendia-se do Mar Egeu à foz do Danúbio, no Mar Negro, e da Macedónia até à fronteira com a Sérvia. Este tratado, tão favorável à Rússia, encontrou a oposição dos governos austríaco e britânico que exigiram a revisão dos termos do Tratado de San Stefano. A recusa inicial dos Russos em aceitar estas existências fez com que o primeiro-ministro britânico, Disraeli, convocasse os militares na reserva e colocasse a sua armada em estado de alerta. Por sua vez, o chanceler austríaco, Andrassy, enviou um ultimato à Rússia ameaçando com a situação de guerra. Os Russos, perante as ameaças às quais não podiam fazer frente, aceitaram participar num congresso destinado a rever os termos do tratado.



O Congresso de Berlim reuniu-se entre 13 de Junho e 13 de Julho de 1878. Antes do início do Congresso, a Rússia negociou com a Áustria-Hungria e, a 15 de Abril, ficou decidida a divisão da Bulgária em dois principados distintos. No dia 1 de Junho, a Rússia também chegou a um acordo com o Reino Unido, comprometendo-se a não continuar a expansão na Ásia Menor. No dia 13 de Junho, em Berlim, iniciaram-se os trabalhos do Congresso que foi presidido por Bismarck. A preocupação do chanceler alemão era manter a paz e, para isso, necessitava que houvesse um mínimo de entendimento entre os seus aliados, os Austríacos e os Russos. Foi nesse entendimento que se empenhou, desprezando os Turcos e, em grande parte, os países balcânicos. Aliás, os principais intervenientes no Congresso são o Reino Unido, a França, a Áustria-Hungria, a Alemanha, a Itália, a Rússia e o Império Otomano. A Grécia, a Roménia, a Sérvia e o Montenegro não foram membros do congresso e participaram apenas quando os assuntos a tratar lhes diziam directamente respeito.

No final do Congresso de Berlim de 1878, as cláusulas do Tratado de San Stefano tinham sido alteradas. Através da não aceitação de parte das reivindicações dos povos eslavos, a Rússia acaba por perder posições importantes. A Sérvia e o Montenegro não tiveram o seu território tão alargado como estava previsto no tratado anterior, mantiveram a sua independência mas, entre ambos, ficou a região muçulmana de Novibazar. A Áustria-Hungria continua a poder ocupar e administrar a Bósnia-Herzegovina mas «a título provisório.» A Bulgária manteve-se dividida em dois principados: a Bulgária e a Romélia, esta sob soberania turca. O Reino Unido assumiu o controlo da ilha de Chipre que, desde 1571, se encontrava em poder do Império Otomano.


Congresso de Berlim, 1878 [http://pt.wikipedia.org/wiki/Congresso_de_Berlim_%281878%29#mediaviewer/File:Berliner_kongress.jpg]

Após o Congresso de Berlim, o Império Otomano encontrava-se em vias de ser desmantelado em função dos interesses das grandes potências que redesenharam o mapa dos Balcãs. No entanto, persistiram as causas da rivalidade entre a Áustria e a Rússia. A criação de pequenos Estados, sempre dependentes de apoios exteriores, tornou-se um pretexto para que as grandes potências tentassem exercer a sua influência na região. A Rússia ficou descontente com o facto de se limitar a receber alguns territórios na Ásia Menor e de se ver obrigada a renunciar à criação de uma Grande Bulgária como estado satélite. O governo russo acusou a Alemanha de favorecer a Áustria-Hungria e denunciou os acordos de 1873, pondo um fim à Liga dos Três Imperadores.

Entre a Alemanha e a França, a situação evoluiu num sentido diferente. Os republicanos franceses ganharam as eleições em 1877. O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, William Henry Waddington, foi alvo das melhores atenções por parte de Bismarck. Ao participar no Congresso de Berlim, apesar do desinteresse pela crise oriental, a França assumia de forma inequívoca o seu lugar no grupo das grandes potências. Era do interessa de Bismarck manter as melhores relações possíveis com a França. Tendo a Rússia abandonado a Liga dos Três Imperadores, a Alemanha tinha de encontrar rapidamente uma solução que afastasse a possibilidade de um acordo ou, pior ainda, uma aliança militar entre a Rússia e a Alemanha. Até lá era necessário laços de aliança com as outras potências.





sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A Crise Franco-Alemã de 1875

Louis Adolphe Thiers foi Presidente da Terceira República Francesa entre 31 de Agosto de 1871 e 24 de Maio de 1873. Thiers acreditava que a República era o melhor regime político para manter a unidade nacional em França. Em Maio de 1873, sucedeu-lhe no cargo Marie Edme Patrice Maurice, conde de MacMahon, general que tinha participado na Guerra Franco-Prussiana. MacMahon tinha sido derrotado na Batalha de Wœrth (6 de Agosto de 1870) e encontrava-se com Napoleão III na Batalha de Sedan (1 de Setembro de 1870); foi o comandante do exército que, em 1871, derrotou a Comuna de Paris. Sendo monárquico, estabeleceu um governo da mesma tendência. Aliás, a Assembleia Nacional, neste período da república Francesa, era maioritariamente monárquica. Bismarck teria preferido um governo francês mais republicano, com uma menor probabilidade de aproximação à Rússia imperial e conservadora. Além disso, os novos governantes franceses não escondiam a vontade de se desforrarem da derrota de 1870.
Na Alemanha, após a unificação, Bismarck iniciou um movimento anticlerical, que ficou conhecido como KulturKampf. Este movimento traduziu-se num conflito entre o governo alemão e a Igreja Católica Romana, entre 1872 e 1877, período durante o qual Bismarck se apoiou no partido nacional-liberal. O objectivo de Bismarck era eliminar a influência da Igreja Católica na vida pública na Alemanha. Bismarck pretendia fortalecer o poder central do Império Alemão, em que os estados do Sul, a Alsácia-Lorena e as províncias polacas eram predominantemente católicas. Esta conflito travado contra a Santa Sé, assim como os acontecimentos relacionados com a unificação da Itália, levaram o Papa Pio IX, de tendência liberal, a adoptar uma atitude mais conservadora.

As chamadas Leis de Maio, aprovadas em 1873, 1874 e 1875, limitaram consideravelmente os direitos da Igreja Católica; limitaram ou excluíram as congregações religiosas e o ensino eclesiástico. As infracções a estas leis implicavam pesadas penas e numerosos bispos e padres foram julgados e condenados, de tal forma que, em 1876, 1.300 paróquias não tinham padre. As relações diplomáticas entre a Alemanha e a Santa Sé foram cortadas, os Jesuítas foram expulsos do Império juntamente com outras ordens religiosas. O código penal passou a incorporar um parágrafo que previa penas de prisão para os sacerdotes que, nas suas homilias ou em documentos escritos, tratassem de temas políticos.

A 24 de Maio de 1873, quando Thiers foi substituído no cargo de Presidente da República Francesa, formou-se em França uma coligação de direita, a Ordre Moral, defensora de uma política de apoio à Igreja Católica. Esta coligação pretendia a restauração monárquica. Bismarck inquietou-se com este cenário e, quando os bispos franceses de Nîmes e de Angers se pronunciaram publicamente contra as perseguições de que os católicos eram alvo no Império Alemão, exigiu ao governo francês que agisse judicialmente contra aqueles membros da hierarquia da Igreja Católica. Bismarck, pretendendo justificar a sua acção, "detectou" uma conspiração internacional, com carácter clericalista, apoiada pela França, e aproveitou este cenário para justificar a sua política de pressão sobre aquela potência. Estes acontecimentos criaram um clima de mal-estar e desconfiança entre a Alemanha e a França.

Em Abril de 1875, foi lançada a ideia de que Bismarck estaria a preparar uma guerra preventiva contra a França. A causa desta ideia foi a reorganização do Exército Francês. A França tinha adoptado o serviço militar obrigatório de cinco anos em 1872 e, em Março de 1875, fez aprovar uma lei que previa maior número de oficiais e sargentos e o aumento de efectivos dos seus regimentos. A capacidade militar dos Franceses estava a crescer rapidamente. A ideia de um ataque preventivo da Alemanha contra a França foi lançada no dia 21 de Abril, numa recepção na embaixada britânica em Berlim. Nesta recepção, o embaixador francês em Berlim, Armand de Gontaut-Biron, conversou com o embaixador alemão em Atenas, Joseph Maria von Radowitz, sobre a questão da   deterioração das relações entre a França e a Alemanha e sobre a reorganização militar francesa. Nessa conversa, Radowitz referiu a possibilidade de uma guerra preventiva por parte da Alemanha contra a França pois, prevendo a pretensão francesa de recuperar a Alsácia-Lorena, seria melhor desencadear a guerra antes que a França se tornasse mais forte e conseguisse estabelecer alianças com outras potências. Gontaut-Biron deu conhecimento desta conversa ao ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Louis Decazes, que decidiu pedir o apoio do Reino Unido e da Rússia.

Papa Pio IX, 
fotografado a 13 de Maio de 1875

in
http://www.lombardiabeniculturali.it/fotografie/schede/IMM-3a010-0011183/


Uma nova guerra, cujo resultado seria muito provavelmente a  derrota da França, podia abrir caminho para a hegemonia alemã no continente europeu. Este facto viria causar novos desequilíbrios na balança do poder na Europa. O primeiro-ministro do Reino Unido, Benjamim Disraeli, apenas assegurou o apoio diplomático à França e solicitou à Alemanha que esclarecesse a situação por forma a desfazer a inquietação que se fazia sentir na Europa. O czar russo, Alexandre II, que não desejava a hegemonia alemã na Europa, deslocou-se a Berlim a 10 de Maio de 1875, acompanhado pelo seu chanceler Gorchakov. Desconhece-se o teor das conversas entre os governantes russos e Bismarck. Seja como for, o chanceler alemão entendeu facilmente que as outras potências não aceitariam um ataque à França. O chanceler russo garantiu ao embaixador francês em Berlim que a Alemanha não desencadearia um ataque preventivo contra a França, possibilidade que, na realidade, não era intenção de Bismarck.

Esta crise não só não impediu a França de continuar o seu rearmamento como mostrou que o isolamento que Bismarck lhe pretendia impor estava longe de ser uma realidade. Para além disto, pôs a descoberto as fraquezas da Liga dos Três Imperadores. No entanto, o equilíbrio entre as potências europeias funcionou no sentido de preservar a paz. a Alemanha continuava a contar com os seus aliados para garantir a sua defesa mas, esses mesmos aliados não estavam na disposição de lhe permitirem a iniciativa de uma acção ofensiva contra outra potência, neste caso a França.