sábado, 27 de dezembro de 2014

A Dupla Aliança e a nova Liga dos Três Imperadores


O Congresso de Berlim de 1878 teve consequências importantes. Materializou mais um passo no sentido da desintegração do Império Otomano. As potências europeias reunidas na Conferência de Berlim estabeleceram novas fronteiras nos Balcãs. O desenho do novo mapa foi feito de acordo com os interesses daquelas potências sem terem em conta os interesses das minorias nacionais que aspiravam a libertarem-se do domínio otomano. Apareceram vários pequenos principados e não foi criado nenhum Estado suficientemente forte, com capacidade para unificar os territórios que se libertavam do Império Otomano. As grandes potências encontraram, desta forma, um terreno fértil para exercerem a sua influência, especialmente a Áustria-Hungria e a Rússia. Permaneceram as rivalidades entre estas duas potências.

As relações entre a Alemanha e a França tornaram-se menos tensas. A França que, tal como a Alemanha, não tinha interesses a defender nos Balcãs, foi convidada a participar no Congresso de Berlim. Este facto significou que a própria Alemanha reconhecia a posição da França entre as grandes potências. Para o desanuviar das relações entre os governos destes dois Estados contribuiu o sucesso que os republicanos franceses tinham tido nas eleições de 1877. Menos radicais que os partidos de tendência monárquica, tendiam a normalizar as relações com a Alemanha embora não esquecessem a questão da Alsácia-Lorena.

Já a Rússia, que tinha invadido os territórios do Império Otomano e os seus exércitos tinham chegado às portas de Constantinopla, sentiu-se prejudicada com as imposições do Congresso. Foi obrigada a devolver parte dos territórios anexados na região do Cáucaso e teve de aceitar a divisão da Bulgária. Para os Russos, Bismarck tinha favorecido a Áustria-Hungria em prejuízo do Império Russo. Sendo esta a sua percepção, o czar decidiu retirar-se da Liga dos Três Imperadores. O problema da rivalidade austro-russa e o fim da Liga dos Três Imperadores deixaram claro que a Áustria-Hungria e a Rússia dificilmente poderiam manter-se no mesmo sistema de alianças. Assim, Bismarck teve que decidir com qual das potências interessava manter a ligação mais estreita. O seu objectivo principal, apesar da melhoria de relações, continuava a ser o de manter a França isolada. Apesar de ainda ser pouco provável uma aliança entre a França republicana com o Império Russo, este facto não deixou de causar forte preocupação na Alemanha e de ensombrar o desanuviamento que começava a verificar-se nas relações franco-alemãs. Como afirma Kissinger, «a Alemanha era demasiado forte para permanecer distante das outras potências pois isso podia uni-las contra ela [...] A Alemanha era um gigante que necessitava de amigos.»

Bismarck começou a construir um sistema de alianças que tinha dois objectivos: impedir a coligação de potenciais adversários da Alemanha e restringir as acções dos seus parceiros. Embora Guilherme I tivesse preferência por manter uma relação mais estreita com a Rússia, Bismarck privilegiou a relação com a Áustria-Hungria. Desde 1871, quando foi criado o Império Alemão, a situação mais favorável para a Áustria era a de uma aliança com a Alemanha que lhe proporcionaria apoio em caso de conflito com a Rússia. No entanto, as aspirações austríacas nos Balcãs, onde se chocavam os interesses austro-húngaros e russos, fizeram com que Bismarck procurasse não se envolver nessa questão a fim de não provocar atritos com a Rússia. A solução que então tinha sido encontrada para a Alemanha era a de manter uma ligação com aquelas duas potências, o que se materializou na Liga dos Três Imperadores que acabaria por não sobreviver à crise balcânica de 1875-1878.

No dia 7 de Outubro de 1879, em Viena, a Alemanha e a Áustria-Hungria assinaram um tratado de aliança que ficou conhecido como Aliança Dual. O Tratado foi assinado pelos representantes da Alemanha e da Áustria-Hungria, o Príncipe Henrique VII de Reuss-Köstritz e Gyula Andrássy, respectivamente. O Artigo 1.º daquele tratado estipulava que, se qualquer uma das duas potências fosse atacada pela Rússia, a outra prestar-lhe-ia apoio com todo o seu poder militar e a paz só seria concluída de comum acordo. O Artigo 2.º estabelecia que se uma das potências contratantes fosse atacada por uma terceira potência que não a Rússia, a outra potência contratante não apoiaria o agressor e, no mínimo, assumiria uma atitude de neutralidade relativa ao seu parceiro do Tratado. No entanto, se uma terceira potência atacasse qualquer uma das partes com o apoio da Rússia, seriam accionadas as obrigações previstas no artigo anterior. O Artigo 3.º estabelecia a duração do Tratado por cinco anos após a sua ratificação e as condições em que seria renovado por períodos sucessivos de três anos. O Artigo 4.º estipulava o carácter secreto do Tratado a menos que o crescente poder militar da Rússia viesse a constituir uma ameaça para qualquer das apartes e, para este caso, ficou estabelecido que o czar da Rússia devia ser informado dos termos do Tratado, pelo menos confidencialmente. Finalmente, o Artigo 5.º referia um prazo de catorze dias para a ratificação do Tratado (Ver o texto da Aliança em http://www.firstworldwar.com/source/dualalliance.htm
).




Com esta aliança, a Áustria-Hungria não era obrigada a envolver-se numa guerra entre a Alemanha e a França. Já a Alemanha, dificilmente poderia manter uma situação de neutralidade se a Áustria-Hungria se envolvesse em conflitos nos Balcãs pois, seguramente, esse conflito implicaria a intervenção russa. Assim, não estava afastada a possibilidade de um quadro desfavorável à Alemanha, aquele em que a Rússia e a França se unissem e lançassem ataques simultâneos sobre as suas fronteiras oriental e ocidental. Portanto, era importante para a Alemanha conseguir uma aproximação com a Rússia e foi nesse sentido que Bismarck agiu. A sua ideia, conforme ficou expresso numa carta que escreveu ao embaixador alemão em Viena, em Outubro de 1879, ainda antes da assinatura do tratado com a Áustria-Hungria, era a de fazer a Rússia sentir os inconvenientes do isolamento, o que a Rússia já tinha sentido no conflito com a Turquia em 1877-1878. Para conseguir os seus objectivos, Bismarck começou por procurar estabelecer uma ligação com o Reino Unido, cujos interesses na Ásia Central estavam em colisão com os interesses russos. No entanto, Disraeli limitou-se a declarar que, no caso de um conflito entre a Alemanha e a Rússia, o Reino Unido estaria disposto a ligar-se à Alemanha. No que respeita à França, o primeiro-ministro britânico comprometeu-se apenas a estar atento às atitudes francesas. Bismarck considerou as respostas Britânicas insuficientes mas os contactos estabelecidos foram o suficiente para inquietar a Rússia.

A Rússia tinha ficado isolada no Congresso de Berlim. O Reino Unido tinha tomado a iniciativa de proteger a Turquia e continuaria a fazê-lo para que a Rússia não dominasse os estreitos
 (Bósforo e Dardanelos). Se necessário, as forças britânicas atravessariam os estreitos e atacariam a Rússia através do Mar Negro; atingiriam a Ucrânia, a parte mais rica e também a mais vulnerável do Império Russo. Para conter os Britânicos, os Russos procuraram um aliado no Mediterrâneo. A Itália não queria colocar-se numa posição contra a Grã-Bretanha e a Rússia não estava disposta a uma aliança com a França que tinha apoiado os britânicos na Conferência de Berlim. Assim, restava-lhe preservar a sua tradicional amizade com a Prússia (agora a Alemanha). Do ponto de vista dos Russos, se a Alemanha não tinha interesses nos Balcãs, podia apoiar os Russos, ali e nos estreitos. Os Russos entendiam que podiam levar a Alemanha a pressionar a Áustria-Hungria em defesa dos interesses da Rússia. «Bismarck construiu a nova Europa; agora tinha de preservá-la.» Essa era a principal preocupação de Bismarck.

No final de Setembro de 1879, um diplomata russo foi enviado a Berlim e tiveram início negociações para uma reaproximação entre a Alemanha e a Rússia. O Chanceler russo Alexandre Gorchakov foi entretanto substituído por 
Nikolay Karlovich Girs, «grande admirador da diplomacia bismarquiana.» Ambos os imperadores eram favoráveis à aproximação. Além disso, uma aliança com a República Francesa parecia difícil de ser concretizada, principalmente após a França recusar a extradição de Hartmann, um terrorista acusado de ter feito explodir o comboio onde a família real russa deveria viajar. Na eventualidade de um conflito anglo-russo, interessava à Rússia, pelo menos, a neutralidade da Alemanha e da Áustria-Hungria. Esta última, ciente das divergências relativas à situação dos Balcãs, não tinha interesse num tratado com a Rússia. Foi necessário uma grande pressão da Alemanha para, a 18 de Junho de 1881, assinar um tratado que renovava a Liga dos Três Imperadores.



Ao ser restabelecida a Liga dos Três Imperadores, com base num tratado formal, o que não acontecera antes, não foi suprimida a aliança entre a Alemanha e a Áustria-Hungria – a Aliança Dual. Os principais objectivos de Bismarck, ao restabelecer esta Liga, eram o isolamento da França e a aproximação entre a Rússia e a Áustria-Hungria. Para esta, os benefícios da aliança com a Rússia não eram claros. A Áustria-Hungria teria preferido estabelecer uma ligação com o Reino Unido. Ambas as potências, Áustria-Hungria e Reino Unido, tinham interesse em bloquear o avanço da Rússia em direcção aos estreitos. No entanto, a alteração do governo no Reino Unido (saída de Disraeli e entrada de Gladstone) impediu a concretização desse objectivo austro-húngaro.

No articulado do tratado que restabelece a Liga dos Três Imperadores encontram-se, entre outros, os seguintes pontos essenciais:

  • Neutralidade benevolente das duas outras potências se a terceira estiver em guerra com uma quarta potência;
  • A Áustria-Hungria e a Rússia comprometiam-se a não alterar unilateralmente o status quo nos Balcãs.
Num protocolo em separado, previa-se a possibilidade de a Áustria-Hungria vir a anexar a Bósnia e a Herzegovina que estavam já sob a sua administração desde o Congresso de Berlim de 1878. No mesmo protocolo previa-se também que a Rússia poderia agrupar num único Estado o Principado da Bulgária e a Rumélia Oriental.

Nos termos do primeiro ponto acima indicado, a Alemanha ficava protegida de uma guerra em duas frentes na possibilidade de um conflito com a França pois, neste caso, podia contar com a neutralidade da Rússia. Esta, por sua vês, contava com a neutralidade alemã e austríaca em caso de conflito com o Reino Unido. Como este tratado não anulou a Aliança Dual, mantinha-se o compromisso da Alemanha em defender a Áustria contra qualquer agressão.


A Áustria-Hungria, que não desejava o tratado pois não retirava nenhum benefício das suas cláusulas, viu-se obrigada a assiná-lo para não ficar isolada. Este sistema de alianças construído por Bismarck foi alargado em 1882 com a entrada da Itália e a transformação da Aliança Dual em Tríplice Aliança. Até 1885, não houve acontecimento que viesse perturbar a paz ou pôr em causa este sistema de alianças. A Liga dos Três Imperadores foi renovada em 1884, para durar mais três anos. Por fim, em 1887, a Rússia denunciou o tratado e a Liga não foi renovada. A razão desta atitude da Rússia estava, mais uma vez, relacionada com os Balcãs.

Embora a Áustria-Hungria e a Rússia se tivessem comprometido, pelo tratado que renovava a Liga dos Três Imperadores, a não alterar o status quo nos Balcãs, tal não impediu estas duas potências de procurarem alargar a sua influência na região. Aos poucos, a Áustria-Hungria conseguiu alterar a seu favor o status que tinha sido estabelecido no Congresso de Berlim de 1878. Os principados em que a Áustria-Hungria fez sentir a sua influência foram a Sérvia, a Roménia e a Bulgária.

O Príncipe da Sérvia, Milan Obrenovich, um governante impopular, pediu apoio ao governo austríaco, principalmente recursos financeiros. Em troca desse apoio, Milan Obrenovich assinou em Viena, a 28 de Junho de 1881, um tratado secreto pelo qual se comprometia a não fazer alianças externas sem o acordo da Áustria-Hungria e a não permitir que o seu território fosse utilizado como base para qualquer tipo de ameaça contra aquela potência. Como paga por esta subordinação, Milan Obrenovich conseguiu, com o apoio austríaco, obter o título de rei.

Na Ruménia, a influência da Áustria-Hungria teve o apoio alemão. O rei Carol era da família Hohenzollern o que, só por si, permitia compreender a sua preferência pelos laços com a Alemanha. Além dos laços familiares que o aproximavam da Alemanha, existiam questões que o afastavam da Áustria-Hungria e da Rússia: por um lado, os Romenos da Transilvânia e da Bucóvina estavam sob domínio da Áustria-Hungria; por outro lado, em 1878, a Rússia tinha imposto à Roménia a cessão da Bessarábia do Sul, território rico, em troca da região de Dobruja, território pobre. Esta animosidade em relação à Rússia foi aproveitada por Bismarck para aproximar a Roménia da Áustria-Hungria. Em Outubro de 1883, a Roménia e a Áustria-Hungria assinaram um tratado secreto de aliança defensiva, contra a Rússia. Apesar do seu carácter secreto, a Rússia teve conhecimento da sua existência e mostrou o seu desagrado.

Na Bulgária, depois do Congresso de Berlim de 1878, os Russos tentaram impor o seu protectorado. Em Julho de 1879, a Assembleia Constituinte da Bulgária conferiu o título de Príncipe a Alexandre de Battenberg, um aristocrata de Hesse, com vinte e dois anos de idade, a prestar serviço como oficial no exército russo. Alexandre de Battenberg era sobrinho de Maria Alexandrovna, uma princesa do Grão-Ducado de Hesse, a imperatriz consorte de Alexandre II da Rússia. Também tinha ligações familiares com as casas imperiais da Alemanha e da Grã-Bretanha. Os Ingleses, em particular, conseguiam exercer a sua influência sobre o Príncipe Alexandre da Bulgária, em grande parte devido ao seu excelente relacionamento com a Rainha Vitória.

No governo da Bulgária, os ministros da Guerra e dos Negócios Estrangeiros eram russos. Como os Russos também controlavam muitos outros postos importantes da Administração, acabaram por controlar a vida económica da Bulgária o que desagradou à população. Por pressão da opinião pública, Battenberg começou a afastar-se dos Russos e aproximou-se do movimento nacionalista liderado por Karavelov. Em 1883 exonerou os dois ministros russos e, a 18 de Setembro de 1885, com o apoio da população, proclamou a união da Rumélia com a Bulgária. Ficava, desta forma, reconstituída a “Grande Bulgária” tal como tinha sido definida no Tratado de San Stefano em 1878. A principal diferença era que este movimento nacionalista manifestou-se contra os interesses da Rússia, o que desagradou a Moscovo. Moscovo ordenou aos seus oficiais ao serviço do exército búlgaro que retirassem imediatamente. De um momento para o outro, o exército búlgaro ficou sem o adequado enquadramento em oficiais o que o tornava mais vulnerável a um ataque vindo do Império Otomano. A unificação da Bulgária e da Rumélia Oriental reforçaram a percepção que os Russos tinham em que o Tratado de Berlim (1878) foi uma conspiração austro-alemã destinada a acabar com a influência da Rússia nos Balcãs.

A Rússia decidiu não arriscar uma confrontação com a Áustria-Hungria e a Grã-Bretanha por causa da unificação da Bulgária. No entanto, o Rei Milan da Sérvia, perante esta violação do Tratado de Berlim, decidiu atacar a Bulgária. A população sérvia não compreendia porque teria de haver uma guerra com os “irmãos eslavos” que, ao lado dos Sérvios, tinham combatido os Turcos. Para o rei Milan, a unificação daria à Bulgária uma posição vantajosa na luta pela Macedónia. Para o rei sérvio era uma oportunidade para receber compensações territoriais destinadas a compensar a Sérvia pelo crescimento da Bulgária após a união. Tratava-se de preparar a formação da "Grande Sérvia". A Bulgária recusou ceder qualquer território. Encorajado pelo “Partido Militar” da Áustria-Hungria, ele esperava que este ataque faria a Rússia chegar ao ponto de declarar guerra à Sérvia o que, nos termos do tratado secreto entre Viena e Belgrado, levaria a Áustria-Hungria a apoiar a Sérvia e a declarar guerra à Rússia.

No dia 13 de Novembro de 1885, a Sérvia declarou guerra à Bulgária. As principais forças búlgaras encontravam-se na Rumélia Oriental e os Sérvios calcularam que no dia 20 de Novembro estariam em Sofia. Alexandre de Battenberg reuniu apressadamente o seu exército e, no dia 17 de Novembro, foi travada a Batalha de Slivnitza que terminou no dia 19 com as forças búlgaras infligiram uma pesada derrota aos Sérvios. Após esta batalha, as forças búlgaras invadiram a Sérvia e nos dias 26 e 27 de Novembro travaram a Batalha de Pirot, outra vitória dos Búlgaros. A Sérvia foi salva pela Áustria-Hungria que insistiu na retirada das tropas búlgaras ou, no caso de não o fazerem, entraria na guerra ao lado da Sérvia. A 3 de Março de 1886, foi assinado o Tratado de Bucareste e o status quo restaurado nos Balcãs. O tratado tinha um único artigo com a seguinte redacção: «A paz é restabelecida entre o Reino da Sérvia e o Principado da Bulgária, a partir da data da assinatura do presente tratado.» Foi também assinado um protocolo, pelas principais potências europeias, que alterava algumas das normas estabelecidas pelo Tratado de Berlim (1878). Ficou oficialmente estabelecido que o Governo-Geral da Rumélia Oriental seria atribuído ao Príncipe da Bulgária.

Os Russos decidiram intervir de outra forma: foi organizada uma conspiração que, a 21 de Agosto de 1886, provocou a queda de Battenberg. Este, apesar de ter o apoio da generalidade dos Búlgaros, foi obrigado a abdicar a 7 de Setembro de 1886. No entanto, quando o Parlamento Búlgaro se reuniu para escolher um novo príncipe, designou Fernando de Saxe-Coburgo que depressa se mostrou contrário à política da Rússia.

Desde o Congresso de Berlim (1878) que a Rússia vinha a perder influência nos Balcãs e acusou a Áustria-Hungria de provocar essa situação que punha em causa a clausula do tratado que restabelecia a Liga dos Três Imperadores que obriga as duas potências a manterem o status quo na região. Em 1887, ao terminar mais um período de três anos, a Rússia recusou renovar a Liga dos Três Imperadores. No sistema de alianças de Bismarck subsistia a Tríplice Aliança, instituída em 1882, formada pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália. A Rússia ficava liberta para uma aproximação à França.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

A Crise nos Balcãs (1875-1878)


A Liga dos Três Imperadores mostrou a sua fragilidade durante a crise franco-alemã de 1875, quando foi evocada a possibilidade de um conflito entre aquelas potências. Porém, a Liga resistiu à crise e a França continuou isolada porque as outras grandes potências europeias, embora tivessem mostrado que se opunham a um ataque por iniciativa da Alemanha, não apresentaram abertura para uma aliança com a República Francesa. Entretanto, a situação agravou-se quando uma crise surgiu nos Balcãs. A crise balcânica de 1875-1878 mostrou a impossibilidade da eficácia de um sistema de alianças ou acordos em que dois dos seus membros - a Rússia e da Áustria-Hungria - tinham interesses divergentes sobre aquela região. A crise, resultante da desintegração do Império Otomano, atingiu o seu ponto mais perigoso com Guerra Russo-Turca de 1877-1878. A sua origem imediata encontrava-se nas revoltas que surgiram na Península Balcânica, na desintegração do Império Otomano e na repressão brutal exercida pelas tropas turcas.

Perante a desintegração do Império Otomano, a Alemanha e a França, que não tinham ambições sobre a região dos Balcãs, mostraram alguma indiferença. A Alemanha, não só não tinha ali interesses como receava ser arrastada para um conflito com o qual nada tinha a ganhar. Outras potências, em especial a Rússia e a Áustria-Hungria, tinham interesses na região e esses interesses eram nitidamente divergentes. A Áustria e a Rússia mostravam-se dispostas a tirar o máximo proveito da fraqueza otomana. Os Austríacos tinham todo o interesse em garantir a livre navegação no Danúbio pois este rio era a via pela qual circulavam as mercadorias entre a Áustria e o mundo exterior. O rio Danúbio, em cujas margens se situa Viena, a capital austríaca, e Belgrado, a capital da Sérvia, atravessava vastos territórios controlados pelo Império Otomano para ir desaguar no Mar Negro. Este mar interior comunica com o Mediterrâneo pelos estreitos do Bósforo e de Dardanelos que, com o Mar da Mármara, ainda hoje separam o território europeu do território asiático da Turquia. Os estreitos eram, portanto, facilmente controlados pelos turcos mas sobre eles existiam garantias internacionais de navegação comercial e restrições na sua utilização militar. Esta situação dos estreitos mantinha-se desde a assinatura do Tratado de Paris (1856), no final da Guerra da Crimeia (1853-1856). A Rússia estava impedida, nos termos daquele tratado, de manter bases ou forças navais no Mar Negro. A linha férrea para Trieste, que era então um porto franco em território sob domínio austríaco, também proporcionava uma saída para o Mediterrâneo mas esta região, habitada por populações de língua italiana, era reivindicada pelo movimento irredentista italiano.


Hoje, como há cem anos, o Danúbio foi sempre essencial para o transporte de pessoas e mercadorias. [http://hr.wikipedia.org/wiki/Dunav#mediaviewer/File:Containerschiff_in_Linz.jpg]


O Vale do Danúbio
[http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fa/Danubemap.jpg]

As restrições impostas à Rússia pelo Tratado de Paris eram sentidas por aquela potência como uma humilhação. O Mar Negro foi neutralizado nos termos do artigo 11º daquele tratado e foram estabelecidas algumas excepções que permitiam apenas a permanência na zona de embarcações militares ligeiras. Nos termos do Tratado, a Rússia não podia manter no Mar Negro nem bases navais nem navios de guerra. Na “Convention des Détroits” assinada durante o Congresso em Paris, no artigo 1º, a Turquia garantia que não permitiria o acesso de navios de guerra aos estreitos de Dardanelos e do Bósforo. A única forma que a Rússia tinha de manter uma frota no Mediterrâneo Oriental era garantir a independência dos eslavos nos Balcãs que, sendo seus aliados naturais, lhe proporcionariam as bases necessárias. Desta forma, a desintegração do Império Otomano convinha à Rússia mas não à Áustria.

A Áustria-Hungria, tal como o nome indica, era um Estado (monarquia) dual. Após a derrota perante a Prússia, em 1866, a Áustria canalizou a sua atenção para a bacia do Danúbio e para os Balcãs. Em 1867 foi estabelecido um compromisso (Ausgleich) entre as nações dominantes - alemã e húngara - do Império. A Áustria e a Hungria tornaram-se estados autónomos com um soberano comum. O problema que se colocava a esta monarquia dual era a diversidade de povos que a compunham. Na Hungria, 52% da população era composta por Croatas, Sérvios, Eslovacos e Romenos. A independência da Sérvia ou da Roménia seria um incentivo para os movimentos de independência dos povos eslavos.


Composição étnica da Áustria Hungria em 1911 [http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/92/Austria_hungary_1911.jpg]

O Reino Unido era a potência que continuava a defender a integridade do Império Otomano. O Canal de Suez, que liga o Mediterrâneo ao Mar Vermelho, tinha sido inaugurado a 17 de Novembro de 1869. Em 1875, devido às graves dificuldades económicas que atravessava, o Egipto vendeu aos Britânicos a sua participação no Canal e este tornou-se parte integrante da estratégia britânica no Mediterrâneo e no Médio Oriente. A utilização do Canal de Suez permitia aos navios britânicos percorrerem menos 9.000 Km para chegarem à Índia do que quando tinham de fazer o percurso pela rota do Cabo, ou seja, contornando o continente africano. Controlar o Canal de Suez significava, assim, controlar a mais importante rota entre a Europa e o Oceano Índico ou até o Pacífico. O Canal do Panamá só viria a ser inaugurado em 1914.

A Turquia sofreu pressões das potências europeias, em especial do Reino Unido, da França e da Rússia, para que iniciasse um conjunto de reformas destinadas a melhorar o seu sistema político e, consequentemente, a administração e a condição de vida das populações incluídas no seu império. A Rússia estava em condições de exercer maior pressão sobre a Turquia porque era a principal ameaça exterior à sua integridade. O Reino Unido e a França eram os principais credores do Império Otomano, com a França em primeiro lugar. Alguns ministros liberais turcos fizeram um esforço no sentido do desenvolvimento mas sempre de forma insuficiente, não só pela timidez das reformas em si mesmas como pela resistência encontrada nas elites dominantes do império.

Entre 1875 e 1878, surgiram revoltas contra o Império Otomano, primeiro na Herzegovina, depois na Bósnia. Não foram as primeiras e não seriam as últimas revoltas contra o Império Otomano naquela região. Em 1804 começaram as revoltas na Sérvia que, em 1817, se tornou um principado autónomo sob suserania do Sultão. Esta era a situação que mantinha em 1875 e significava que o Principado da Sérvia era tributário do Sultão. A Grécia tinha obtido a sua independência após uma guerra que durou de 1821 a 1833 e durante a qual obteve apoio das grandes potências. Ficou como rei da Grécia o duque Otto da Baviera, a quem sucedeu, em 1863, um príncipe dinamarquês, Jorge I dos Helenos, que governou até 1913. Com estes monarcas, as grandes potências garantiam o controlo dos seus interesses. 1848 foi um ano de convulsões em toda a Europa e às quais não escaparam a Croácia e a Eslovénia, então integradas no Império Austríaco. Assim continuariam até 1918. Após a Guerra da Crimeia (1853-1856), a Valáquia e a Moldávia, que tinham sido integradas no Império Otomano, proclamaram-se principados independentes e, em 1861, uniram-se para formar a Roménia, elegendo um príncipe local, Alexandre Cuza. Este foi deposto em 1866 e o governo do principado foi assumido pelo príncipe Carlos de Hhenzollern-Sigmaringen, Carlos I da Roménia depois de 1881. Na Bulgária, a última revolta digna de nota tinha acontecido em 1689 (Revolta de Karposh). Entretanto, começou a tomar forma, no século XIX, um movimento que ficou conhecido como "Despertar Nacional da Bulgária" que iria conduzir às revoltas de 1876. O Montenegro era um principado autónomo. A Albânia, a Bósnia, a Herzegovina e a Macedónia eram territórios do Império Otomano sem qualquer autonomia.


Revoltosos na Herzegovina [http://en.wikipedia.org/wiki/Herzegovina_Uprising_%281875%E2%80%9377%29#mediaviewer/File:Hercegovinci_v_zasade.gif]

O Sultão Abdulmecid I, que governou de 1823 a 1861, tinha instituído um conjunto de reformas que garantiam uma redução dos impostos aos agricultores bem como mais direitos para as populações cristãs. No entanto, a aplicação destas reformas foi posta em causa pelos latifundiários bósnios que exerceram sempre fortes medidas repressivas contra quaisquer tentativas de obter melhores condições de vida dos seus súbditos cristãos. As primeiras revoltas surgiram em Julho de 1875 entre comunidades católicas e, no mês seguinte, tinham-se estendido a todas as comunidades cristãs, católicas e ortodoxas, na Bósnia e na Herzegovina. As tentativas de repressão da revolta não foram bem sucedidas mas provocaram um elevado número de refugiados. Cerca de 150.000 pessoas fugiram para a Croácia. Algum tempo depois, as revoltas estenderam-se a outros territórios dos Balcãs.

No Congresso de Paris (25 Fevereiro - 30 Março 1856), após a Guerra da Crimeia (1853–1856), foram dadas garantias importantes no plano religioso aos povos do Império Otomano. O artigo 23º faz referência explícita à «plena liberdade de culto» na Valáquia e Moldávia e o artigo 28º faz uma referência idêntica relativa à Sérvia. Com o apoio da Rússia, a Bulgária obteve maior liberdade religiosa. A Igreja Búlgara, cristã ortodoxa, estava dependente da Igreja Grega ortodoxa. Em 1870, o sultão otomano autorizou a instituição do Exarcado Ortodoxo Búlgaro e, desta forma, a Igreja Búlgara libertou-se da Igreja Grega. Foi exactamente neste plano que se manifestaram os primeiros sentimentos nacionalistas búlgaros. O seu primeiro exarca, Antim I, foi, por isso, o líder natural da jovem nação búlgara. Em consequência da propagação das revoltas da Bósnia e da Herzegovina contra o domínio otomano, o Comité Revolucionário Secreto Búlgaro, com sede em Bucareste, organizou uma revolta em Abril de 1876. A insurreição teve maior expressão em Abril e Maio desse ano e a repressão turca foi de uma grande violência. As vítimas da repressão contaram-se aos milhares e a opinião pública europeia mostrou grande desagrado pela atitude da Turquia.

A crise que se manifestou nos Balcãs deu origem a numerosas iniciativas diplomáticas. No dia 11 de Maio de 1876, Gorchakov, Bismarck e Andrássy, chanceleres da Rússia, da Alemanha e da Áustria-Hungria, reuniram-se em Berlim para discutir o problema dos Balcãs. No dia 13 convidaram a Itália, a França e o Reino Unido para aderirem a uma conferência a realizar em Constantinopla com a finalidade de impor reformas ao Império Otomano. As negociações entre as potências continuaram com a finalidade de definir os objectivos a alcançar na conferência mas as divergências eram importantes. O Reino Unido não aceitou a proposta mas, entretanto, enviou uma frota para a Baía de Besika (Çanakkale), na entrada do Estreito de Dardanelos.

Entretanto, a Sérvia e o Montenegro decidiram, em apoio dos revoltosos, declarar guerra à Turquia. Em resposta a esta declaração de guerra, um exército turco atacou Belgrado e a Sérvia pediu ajuda internacional. Esta podia ser uma oportunidade para a Rússia aumentar a sua influência nos Balcãs mas o seu chanceler, Gorchakov, sabia que iria encontrar a oposição das outras potências. Por esta razão, solicitou a intervenção da Áustria-Hungria e do Reino Unido que não mostraram disponibilidade para se envolverem directamente nas operações militares. Perante a passividade daquelas potências, a Rússia declarou, no dia 11 de Novembro de 1876, que iria para a guerra contra a Turquia se não houvesse uma acção colectiva que fizesse parar os excessos da repressão. Na Europa, foi lançada uma campanha diplomática contra os "horrores búlgaros" e foi convocada uma conferência para Constantinopla.

A Conferência de Constantinopla decorreu entre 23 de Dezembro de 1876 e 20 de Janeiro de 1877. Nesta conferência participaram o Reino Unido, a Rússia, a França, a Itália, a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Turquia. Houve duas importantes decisões na Conferência de Constantinopla. Primeira, a Bósnia tornou-se uma província autónoma e incluía os territórios da Bósnia e da maior parte da Herzegovina. A parte sul deste último território foi cedida ao Montenegro. Segunda, a Bulgária deu origem a duas novas províncias do Império Otomano, ambas ampliadas com outros territórios do Império. Foi formada uma província ocidental, com capital em Tarnovo, e uma província oriental, com capital em Sofia. As potências intervenientes na conferência estabeleceram de forma detalhada o funcionamento dos órgãos políticos destas províncias, da sua administração e defesa.

Estas decisões foram comunicadas ao Sultão no dia 23 de Dezembro de 1876, o mesmo dia em que Abdul Hamid II aprovou a nova Constituição Otomana. As decisões apresentadas não tinham em conta o que estava estabelecido na Constituição e, por isso, foram rejeitadas. No dia 18 de Janeiro de 1877, o Grão-vizir anunciou que o Império Otomano repudiava as decisões tomadas durante a Conferência de Constantinopla. A Rússia declarou guerra ao Império Otomano no dia 24 de Abril de 1877 e as outras potências não apoiaram a Turquia.

A guerra não correu bem para os Turcos. Na Batalha de Senova, a 8 e 9 de Janeiro de 1878, os Russos derrotaram e cercaram todo o exército turco e capturaram cerca de 36.000 homens. O avanço das tropas russas continuou e, no dia 30 de Janeiro, tinham atingido os arredores de Constantinopla. O governo britânico, no dia 29 de Janeiro, já tinha enviado uma nota ao governo russo mostrando que o Reino Unido não aceitaria a instalação de uma potência estrangeira em Constantinopla. No dia 31, devido à pressão britânica, a Rússia aceitou o armistício que a Turquia solicitou. As dificuldades financeiras e o estado de esgotamento em que a campanha tinha deixado o seu exército, levaram o governo russo a dar início às conversações de paz com o governo Turco. Entretanto, a Áustria-Hungria, temendo a hegemonia russa nos Balcãs, preparou a mobilização. No dia 5 de Março de 1878, a Rússia e a Turquia assinaram o Tratado de San Stefano.


Na situação de vencedora, a Rússia obteve condições muito favoráveis neste tratado. Nos seus termos, a Rússia anexava alguns territórios da Turquia na parte asiática e recebeu Dobruja, na parte europeia. Imediatamente após a assinatura do tratado, a Rússia cedeu Dobruja à Roménia em troca da Bessarábia do Sul. A Sérvia e o Montenegro também receberam alguns territórios e a Áustria-Hungria ocupou a Bósnia e a Herzegovina. A consequência principal da aplicação deste tratado era a criação da "Grande Bulgária", principado autónomo, governado por um príncipe escolhido pela Rússia, mas mantendo-se vassalo e tributário do Império Otomano. A "Grande Bulgária" estendia-se do Mar Egeu à foz do Danúbio, no Mar Negro, e da Macedónia até à fronteira com a Sérvia. Este tratado, tão favorável à Rússia, encontrou a oposição dos governos austríaco e britânico que exigiram a revisão dos termos do Tratado de San Stefano. A recusa inicial dos Russos em aceitar estas existências fez com que o primeiro-ministro britânico, Disraeli, convocasse os militares na reserva e colocasse a sua armada em estado de alerta. Por sua vez, o chanceler austríaco, Andrassy, enviou um ultimato à Rússia ameaçando com a situação de guerra. Os Russos, perante as ameaças às quais não podiam fazer frente, aceitaram participar num congresso destinado a rever os termos do tratado.



O Congresso de Berlim reuniu-se entre 13 de Junho e 13 de Julho de 1878. Antes do início do Congresso, a Rússia negociou com a Áustria-Hungria e, a 15 de Abril, ficou decidida a divisão da Bulgária em dois principados distintos. No dia 1 de Junho, a Rússia também chegou a um acordo com o Reino Unido, comprometendo-se a não continuar a expansão na Ásia Menor. No dia 13 de Junho, em Berlim, iniciaram-se os trabalhos do Congresso que foi presidido por Bismarck. A preocupação do chanceler alemão era manter a paz e, para isso, necessitava que houvesse um mínimo de entendimento entre os seus aliados, os Austríacos e os Russos. Foi nesse entendimento que se empenhou, desprezando os Turcos e, em grande parte, os países balcânicos. Aliás, os principais intervenientes no Congresso são o Reino Unido, a França, a Áustria-Hungria, a Alemanha, a Itália, a Rússia e o Império Otomano. A Grécia, a Roménia, a Sérvia e o Montenegro não foram membros do congresso e participaram apenas quando os assuntos a tratar lhes diziam directamente respeito.

No final do Congresso de Berlim de 1878, as cláusulas do Tratado de San Stefano tinham sido alteradas. Através da não aceitação de parte das reivindicações dos povos eslavos, a Rússia acaba por perder posições importantes. A Sérvia e o Montenegro não tiveram o seu território tão alargado como estava previsto no tratado anterior, mantiveram a sua independência mas, entre ambos, ficou a região muçulmana de Novibazar. A Áustria-Hungria continua a poder ocupar e administrar a Bósnia-Herzegovina mas «a título provisório.» A Bulgária manteve-se dividida em dois principados: a Bulgária e a Romélia, esta sob soberania turca. O Reino Unido assumiu o controlo da ilha de Chipre que, desde 1571, se encontrava em poder do Império Otomano.


Congresso de Berlim, 1878 [http://pt.wikipedia.org/wiki/Congresso_de_Berlim_%281878%29#mediaviewer/File:Berliner_kongress.jpg]

Após o Congresso de Berlim, o Império Otomano encontrava-se em vias de ser desmantelado em função dos interesses das grandes potências que redesenharam o mapa dos Balcãs. No entanto, persistiram as causas da rivalidade entre a Áustria e a Rússia. A criação de pequenos Estados, sempre dependentes de apoios exteriores, tornou-se um pretexto para que as grandes potências tentassem exercer a sua influência na região. A Rússia ficou descontente com o facto de se limitar a receber alguns territórios na Ásia Menor e de se ver obrigada a renunciar à criação de uma Grande Bulgária como estado satélite. O governo russo acusou a Alemanha de favorecer a Áustria-Hungria e denunciou os acordos de 1873, pondo um fim à Liga dos Três Imperadores.

Entre a Alemanha e a França, a situação evoluiu num sentido diferente. Os republicanos franceses ganharam as eleições em 1877. O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, William Henry Waddington, foi alvo das melhores atenções por parte de Bismarck. Ao participar no Congresso de Berlim, apesar do desinteresse pela crise oriental, a França assumia de forma inequívoca o seu lugar no grupo das grandes potências. Era do interessa de Bismarck manter as melhores relações possíveis com a França. Tendo a Rússia abandonado a Liga dos Três Imperadores, a Alemanha tinha de encontrar rapidamente uma solução que afastasse a possibilidade de um acordo ou, pior ainda, uma aliança militar entre a Rússia e a Alemanha. Até lá era necessário laços de aliança com as outras potências.





sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A Crise Franco-Alemã de 1875

Louis Adolphe Thiers foi Presidente da Terceira República Francesa entre 31 de Agosto de 1871 e 24 de Maio de 1873. Thiers acreditava que a República era o melhor regime político para manter a unidade nacional em França. Em Maio de 1873, sucedeu-lhe no cargo Marie Edme Patrice Maurice, conde de MacMahon, general que tinha participado na Guerra Franco-Prussiana. MacMahon tinha sido derrotado na Batalha de Wœrth (6 de Agosto de 1870) e encontrava-se com Napoleão III na Batalha de Sedan (1 de Setembro de 1870); foi o comandante do exército que, em 1871, derrotou a Comuna de Paris. Sendo monárquico, estabeleceu um governo da mesma tendência. Aliás, a Assembleia Nacional, neste período da república Francesa, era maioritariamente monárquica. Bismarck teria preferido um governo francês mais republicano, com uma menor probabilidade de aproximação à Rússia imperial e conservadora. Além disso, os novos governantes franceses não escondiam a vontade de se desforrarem da derrota de 1870.
Na Alemanha, após a unificação, Bismarck iniciou um movimento anticlerical, que ficou conhecido como KulturKampf. Este movimento traduziu-se num conflito entre o governo alemão e a Igreja Católica Romana, entre 1872 e 1877, período durante o qual Bismarck se apoiou no partido nacional-liberal. O objectivo de Bismarck era eliminar a influência da Igreja Católica na vida pública na Alemanha. Bismarck pretendia fortalecer o poder central do Império Alemão, em que os estados do Sul, a Alsácia-Lorena e as províncias polacas eram predominantemente católicas. Esta conflito travado contra a Santa Sé, assim como os acontecimentos relacionados com a unificação da Itália, levaram o Papa Pio IX, de tendência liberal, a adoptar uma atitude mais conservadora.

As chamadas Leis de Maio, aprovadas em 1873, 1874 e 1875, limitaram consideravelmente os direitos da Igreja Católica; limitaram ou excluíram as congregações religiosas e o ensino eclesiástico. As infracções a estas leis implicavam pesadas penas e numerosos bispos e padres foram julgados e condenados, de tal forma que, em 1876, 1.300 paróquias não tinham padre. As relações diplomáticas entre a Alemanha e a Santa Sé foram cortadas, os Jesuítas foram expulsos do Império juntamente com outras ordens religiosas. O código penal passou a incorporar um parágrafo que previa penas de prisão para os sacerdotes que, nas suas homilias ou em documentos escritos, tratassem de temas políticos.

A 24 de Maio de 1873, quando Thiers foi substituído no cargo de Presidente da República Francesa, formou-se em França uma coligação de direita, a Ordre Moral, defensora de uma política de apoio à Igreja Católica. Esta coligação pretendia a restauração monárquica. Bismarck inquietou-se com este cenário e, quando os bispos franceses de Nîmes e de Angers se pronunciaram publicamente contra as perseguições de que os católicos eram alvo no Império Alemão, exigiu ao governo francês que agisse judicialmente contra aqueles membros da hierarquia da Igreja Católica. Bismarck, pretendendo justificar a sua acção, "detectou" uma conspiração internacional, com carácter clericalista, apoiada pela França, e aproveitou este cenário para justificar a sua política de pressão sobre aquela potência. Estes acontecimentos criaram um clima de mal-estar e desconfiança entre a Alemanha e a França.

Em Abril de 1875, foi lançada a ideia de que Bismarck estaria a preparar uma guerra preventiva contra a França. A causa desta ideia foi a reorganização do Exército Francês. A França tinha adoptado o serviço militar obrigatório de cinco anos em 1872 e, em Março de 1875, fez aprovar uma lei que previa maior número de oficiais e sargentos e o aumento de efectivos dos seus regimentos. A capacidade militar dos Franceses estava a crescer rapidamente. A ideia de um ataque preventivo da Alemanha contra a França foi lançada no dia 21 de Abril, numa recepção na embaixada britânica em Berlim. Nesta recepção, o embaixador francês em Berlim, Armand de Gontaut-Biron, conversou com o embaixador alemão em Atenas, Joseph Maria von Radowitz, sobre a questão da   deterioração das relações entre a França e a Alemanha e sobre a reorganização militar francesa. Nessa conversa, Radowitz referiu a possibilidade de uma guerra preventiva por parte da Alemanha contra a França pois, prevendo a pretensão francesa de recuperar a Alsácia-Lorena, seria melhor desencadear a guerra antes que a França se tornasse mais forte e conseguisse estabelecer alianças com outras potências. Gontaut-Biron deu conhecimento desta conversa ao ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Louis Decazes, que decidiu pedir o apoio do Reino Unido e da Rússia.

Papa Pio IX, 
fotografado a 13 de Maio de 1875

in
http://www.lombardiabeniculturali.it/fotografie/schede/IMM-3a010-0011183/


Uma nova guerra, cujo resultado seria muito provavelmente a  derrota da França, podia abrir caminho para a hegemonia alemã no continente europeu. Este facto viria causar novos desequilíbrios na balança do poder na Europa. O primeiro-ministro do Reino Unido, Benjamim Disraeli, apenas assegurou o apoio diplomático à França e solicitou à Alemanha que esclarecesse a situação por forma a desfazer a inquietação que se fazia sentir na Europa. O czar russo, Alexandre II, que não desejava a hegemonia alemã na Europa, deslocou-se a Berlim a 10 de Maio de 1875, acompanhado pelo seu chanceler Gorchakov. Desconhece-se o teor das conversas entre os governantes russos e Bismarck. Seja como for, o chanceler alemão entendeu facilmente que as outras potências não aceitariam um ataque à França. O chanceler russo garantiu ao embaixador francês em Berlim que a Alemanha não desencadearia um ataque preventivo contra a França, possibilidade que, na realidade, não era intenção de Bismarck.

Esta crise não só não impediu a França de continuar o seu rearmamento como mostrou que o isolamento que Bismarck lhe pretendia impor estava longe de ser uma realidade. Para além disto, pôs a descoberto as fraquezas da Liga dos Três Imperadores. No entanto, o equilíbrio entre as potências europeias funcionou no sentido de preservar a paz. a Alemanha continuava a contar com os seus aliados para garantir a sua defesa mas, esses mesmos aliados não estavam na disposição de lhe permitirem a iniciativa de uma acção ofensiva contra outra potência, neste caso a França.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

A Liga dos Três Imperadores 1872 - 1878


O Tratado de Frankfurt, assinado a 10 de Maio de 1871 pelos representantes da França e da Alemanha, tornava oficial o fim da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871). Este tratado estabelecia as condições impostas pela potência vencedora, o Império Alemão, à potência vencida, a Terceira República Francesa. Dos seus dezoito artigos, importa realçar o seguinte:
  • A França renunciava a favor da Alemanha aos territórios da Alsácia e parte da Lorena;
  • A França pagaria à Alemanha uma indemnização de cinco biliões de francos e os Alemães manteriam em território francês tropas de ocupação, até essa indemnização estar liquidada.
Ver o texto completo do Tratado de Frankfurt em: http://gander.chez.com/traite-de-francfort.htm

O Tratado de Frankfurt entrou em vigor no dia 20 de Maio de 1871, após a troca de ratificações pelos respectivos governos. A perda dos territórios da Alsácia-Lorena deixou nos Franceses um sentimento de revanche que iria permanecer nos seus espíritos por muito tempo. A indemnização foi paga mais cedo do que o previsto e as últimas tropas alemãs de ocupação saíram de França a 16 de Setembro de 1873.

A LIGA DOS TRÊS IMPERADORES

A vitória dos estados alemães na Guerra Franco-Prussiana e a proclamação do Império Alemão estabeleceram um status quo favorável à Alemanha. Nas duas décadas que se seguiram, a Alemanha iria ter um papel preponderante entre as Grandes Potências. Berlim tornou-se o centro da actividade diplomática europeia. Os governantes alemães, Guilherme I, o seu imperador, ou Otto von Bismarck, o seu chanceler, não pretendiam a expansão na Europa. Bismarck procurou a estabilidade na Europa. Além disso, a necessidade de consolidar internamente o Império não aconselhava a participação em "aventuras" coloniais. No entanto, Bismarck estava convencido que a França não iria conformar-se com a perda dos territórios na fronteira franco-alemã, a Alsácia-Lorena, e que, se surgisse a oportunidade, procuraria recuperá-los. Perante este cenário, o chanceler alemão tentou constantemente manter a França isolada para que, não obtendo o apoio de outras potências, ela não conseguisse reunir as condições para atacar a Alemanha. Esta foi a preocupação de Bismarck pois se a Alemanha queria manter o status quo e evitar a possibilidade de um ataque a partir da França, necessitava manter esta potência isolada e atrair para o seu campo as outras potências, estabelecendo a sua rede de alianças.



Guilherme I da Alemanha
Imagem disponibilizada pela Wikipédia



A aproximação mais fácil foi feita com a Áustria. A vitória da Prússia na Batalha de Königgrätz (ou de Sadowa), a 3 de Julho de 1866, mostrou aos Austríacos que a sua hegemonia sobre os Estados alemães tinha chegado ao fim, o que veio a ser confirmado, poucos anos mais tarde, com a proclamação do Império Alemão. Os termos da paz, estabelecidos pelo tratado que ficou conhecido como Paz de Praga, assinado a 23 de Agosto de 1866, não penalizaram demasiado a Áustria e, assim, foi mais fácil para o imperador Francisco José aceitar um bom relacionamento com o Império Alemão e visitar Berlim em Setembro de 1872. Na mesma altura, Alexandre II da Rússia também se deslocou à capital alemã. Não existindo um contencioso entre a Alemanha e a Rússia e tendo estabelecido um bom relacionamento com a Áustria, foi mais fácil para Bismarck que os soberanos daquelas potências aceitassem um acordo. 

Os três imperadores reuniram-se em Berlim, o que foi entendido como uma forma de mostrarem coesão contra os movimentos revolucionários. Para as restantes potências europeias tratava-se de uma demonstração de solidariedade conservadora que aparecia um pouco deslocada no tempo pois a Primeira Internacional acusava já os efeitos das disputas entre Marxistas e Anarquistas, mostrava divisões irreconciliáveis e acabaria por ser extinta em 1876. A Primeira Internacional já não estava, pois, em condições de lançar movimentos revolucionários de natureza a causar preocupações aos governos mais conservadores. Na realidade, esta ligação entre os três imperadores, que era obra de Bismarck, tinha como principal objectivo o isolamento da França.




Francisco José da Áustria
Imagem disponibilizada pela Wikipédia


No entanto, existia um problema difícil de solucionar: a Áustria-Hungria pretendia expandir-se para os Balcãs enquanto os Russos se consideravam protectores dos povos eslavos daquela região (Croatas, Eslovenos, Bósnios, Montenegrinos, Sérvios, Macedónios). Sendo assim, havendo a possibilidade de um conflito de interesses nos Balcãs, porque haveria a Rússia de se juntar à Alemanha e á Áustria-Hungria? Bismarck convenceu Alexandre II com o argumento da solidariedade monárquica, a fim de garantirem a estabilidade na Europa, estabilidade que podia ser posta em causa por uma França republicana, revolucionária e agressiva.

Deste encontro em Berlim, o único em que se reuniram os três imperadores, não resultou nenhum documento escrito mas os soberanos assumiram um compromisso de solidariedade entre si. Foi este compromisso que ficou conhecido como Liga dos Três Imperadores. Esta solidariedade implicava que a Áustria-Hungria não provocaria nem apoiaria qualquer levantamento na Polónia contra a Rússia (em 1795, a terceira partilha da Polónia fez desaparecer este país do mapa político da Europa e os seus territórios foram partilhados pela Rússia, Prússia e Áustria), nem a Rússia provocaria ou apoiaria alguma acção dos eslavos dos Balcãs contra a Áustria-Hungria (esta potência incluía nos seus territórios um vasto conjunto étnico - Alemães, Húngaros, Checos, Eslovacos, Polacos, Ucranianos, Eslovenos, Croatas, Sérvios, Romenos e Italianos - do qual constavam alguns dos povos eslavos dos Balcãs).




Czar Alexandre II da Rússia
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Em Maio de 1873, Guilherme I visitou São Petersburgo e, em Junho desse ano, Alexandre II visitou Viena. Helmuth von Moltke, Chefe do Estado-Maior General Alemão, fazia parte da comitiva de Guilherme I e reuniu-se com o Marechal de Campo Friedrich Wilhelm Rembert von Berg, membro do Conselho de Estado russo desde 1866. Desta reunião resultou uma convenção militar, assinada por Moltke e por Berg, a 6 de Maio de 1873, segundo a qual cada uma das potências enviaria 200.000 homens para ajudar a outra potência se essa fosse atacada. Esta convenção, que nunca foi utilizada, não teve o apoio de Bismarck. Das reuniões em São Petersburgo não resultaram quaisquer outros acordos. Já em Viena, Alexandre II firmou um acordo político com Francisco José. Este acordo, assinado a 6 de Junho, que mais tarde recebeu a aprovação de Guilherme I, estipulava que, se alguma questão ameaçasse dividir as três monarquias, os monarcas deviam manter um sistema de consultas mútuas por forma a resolver as questões em aberto.

Estabelecidos estes acordos e sendo do conhecimento das outras potências, é natural ser analisada a situação e levantadas algumas hipóteses de acção. Uma das hipóteses era se, para além do isolamento a que a França ficava votada, existiria o perigo de a Alemanha se sentir com mãos livres para atacá-la? A 8 de Setembro de 1872, em Berlim, quando os três imperadores ali se reuniram, Alexandre II recebeu o embaixador francês na Alemanha e assegurou-lhe que a Rússia não se juntaria a nenhuma outra potência que, por qualquer forma, agisse contra a França. Alguns dias depois, o chanceler do Império Russo, Alexandre Miguel Gorchakov, chegou a afirmar que «a Europa necessita de uma França forte.» A Liga dos Três Imperadores tinha unido a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Rússia e, desta forma, afastava esta última potência de uma aliança com a França. No entanto, as afirmações do imperador russo e do seu chanceler revelavam que, se não estavam interessados em apoiar uma guerra da França contra a Alemanha, também não desejavam que a Alemanha se sentisse livre para se expandir na Europa ou que a Áustria sentisse a mão livre nos Balcãs. Uma França forte ajudaria a manter o equilíbrio na Europa. Seja como for, o objectivo de Bismarck foi conseguido pois a França não encontraria na Rússia um aliado para atacar a Alemanha.


Durante a vigência da Liga dos Três Imperadores surgiram crises que evidenciaram as suas vulnerabilidades e acabariam por lhe pôr termo em 1878. A primeira crise surgiu entre as Alemanha e a França, em 1875, e foi superada com a evidência que a França não estava tão isolada quanto Bismarck pretendia. A segunda crise, que se arrastou de 1875 a 1878, surgiu devido a conflitos de interesses entre a Áustria-Hungria e a Rússia nos Balcãs e incluiu a Guerra Russo-Turca de 1877-1878. Esta última crise levou à dissolução da Liga dos Três Imperadores que viria, pelos esforços de Bismarck, a assumir uma forma mais formal em 1881.