Situação internacional
Desde o
início de 1871, quando se deu a unificação da Alemanha, Bismarck tinha mantido
a Europa em paz, excluindo as questões dos Balcãs. Com a sua saída da cena
política, em 1890, a política externa alemã foi profundamente alterada. O
Tratado de Resseguro (1887) entre a Alemanha e a Rússia não foi renovado no
mesmo ano em que Bismarck abandonou o cargo de Chanceler e a Rússia estabeleceu
uma aliança com a França (1892). Embora se tratasse de uma aliança defensiva,
permitiu à França sair do isolamento em que tinha sido colocada em 1871 e
causou apreensão à Alemanha porque passava a enfrentar a possibilidade de uma
guerra em duas frentes e ao Reino Unido porque era justamente com a França e com
a Rússia que os seus interesses ultramarinos mais colidiam, em África e na Ásia
Central. Até 1892 existia um único sistema de alianças, a Tríplice Aliança.
Após esta data, com a Aliança Franco-Russa, surgiu um novo sistema em oposição,
sistema que viria a ser alargado com a Entente
Cordiale em 1904.
Fora da
Europa também se verificaram grandes mudanças, não só porque o domínio europeu
continuou a estender-se em vários pontos do globo criando situações
propiciadoras de um conflito entre as potências europeias, mas também porque os
Estados Unidos da América e o Japão concorreram nessa expansão entrando no
núcleo dos actores principais da cena mundial. No Extremo Oriente, à semelhança
do que sucedia com o Império Otomano no Médio Oriente, o Império Chinês estava
em franco declínio e era alvo de cobiça. O Reino Unido tomou a iniciativa, no
que foi seguido por outras Potências, de obter concessões e estabelecimentos
comerciais em Shangai e outras grandes cidades chinesas. Em breve, dois terços
do comércio exterior da China era materializado por trocas com a Grã-Bretanha.
Em 1900, o Reino Unido e a Alemanha concluíram um acordo pelo qual as duas
Potências garantiam o princípio de “Porta Aberta” na China e a manutenção da
integridade territorial do Império Chinês. [Lista dos ex-enclaves estrangeiros
na China - https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_ex-enclaves_estrangeiros_na_China]
No início do século XX, as Potências europeias controlavam a maior parte de África. A expansão colonial de Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica, Itália e Alemanha abarcou a quase totalidade de África sob a forma de colónias ou protectorados. A Etiópia e Marrocos mantinham a sua independência, mas enquanto o primeiro país o tinha conseguido derrotando os Italianos, o segundo estava cada vez mais dependente e manietado por aquelas Potências. No Médio Oriente, o Império otomano estava em declínio e a Rússia mantinha a ambição de controlar os Estreitos, situação impensável para o Reino Unido que estava disposto a tudo para garantir o controlo do Canal de Suez e a rota para a Índia. Na Ásia Central, o Reino Unido e a Rússia enfrentavam-se no conflito pela supremacia na região que ficou conhecido como “Grande Jogo”. A Europa estava em paz desde 1871, mas as Potências europeias defrontavam-se diplomatica e, por vezes, militarmente em África e na Ásia pela manutenção ou alargamento dos impérios que ocupavam cerca de um quarto da superfície terrestre do globo. A economia global tinha atingido os territórios mais longínquos. Este «foi provavelmente o período da história do mundo moderno na qual os governantes que chamavam a si próprios "imperadores" ou que como tal eram designados por diplomatas ocidentais, atingiu o seu número máximo.»
A aliança anglo-japonesa
A Aliança Anglo-Japonesa de 1902 foi firmada a 30 de Janeiro, em Londres. Assinaram o tratado, o secretário britânico para os Negócios Estrangeiros, Henry Petty-Fitzmaurice (1845-1927), quinto marquês de Lansdowne (Lorde Lansdowne), e o ministro residente japonês Hayashi Tadasu (1850-1913). O tratado foi renovado e actualizado duas vezes, em 1905 e 1911.
A aliança
entre o Reino Unido e o Japão começou a ser estudada em 1895, após a Primeira
Guerra Sino-Japonesa (25 Julho 1894 – 17 Abril 1895). Esta guerra foi uma
consequência da rivalidade entre as duas Potências sobre a influência na
Coreia, um Estado semi-independente vassalo do Império Chinês. A intervenção
japonesa na Coreia resultou num conflito com o Império Chinês. As sucessivas
vitórias do Japão, em terra e no mar, obrigaram a China a negociar a paz. A 17
de Abril de 1895 foi assinado o Tratado de Shimonoseki em que a China
reconhecia a independência da Coreia, pagava uma avultada indeminização, abria
vários portos à navegação e ao comércio japonês e cedia a Formosa (Taiwan), o
Arquipélago dos Pescadores (Arquipélago de Penghu) e a Península de Liaotung ao
Japão.
A vitória
japonesa ficou a dever-se ao processo de industrialização e modernização
adoptado nas décadas precedentes. As forças armadas tinham sido modernizadas
com o apoio das missões militares europeias. A vitória japonesa permitiu ao
Japão afirmar-se como a Potência dominante na Ásia, uma Grande Potência
regional. A China, pelo contrário, confirmou o declínio da dinastia reinante
(Qing), a corrupção da administração e a incompetência dos sucessivos governos.
Este estado de fraqueza em que se encontrava o regime na China foi aproveitado
pelas Potências ocidentais para ali obterem mais concessões. Tal situação
acabou por desenvolver entre a população chinesa sentimentos xenófobos já que
identificavam com os estrangeiros e com as importações muitas vezes impostas o
crescente desemprego e pobreza. Surgiram várias revoltas e a mais famosa delas
foi a Revolta dos Boxers (1899-1901) que obrigou à intervenção de forças
expedicionárias europeias, norte-americana e japonesa a fim de socorrerem as
delegações diplomáticas em Pequim.
A Península
de Liaotung era estrategicamente importante para as Potências que detinham
interesses na região, principalmente pelas suas condições portuárias. A
cedência da Península de Liaotung ao Japão, nas condições do Tratado de
Shimonoseki, não agradou, por isso, à Rússia que desejava adquirir um porto
liberto dos condicionamentos do Inverno. A Alemanha, que também procurava
estabelecer-se num porto na China, também se mostrou contrária às facilidades
concedidas ao Japão. A França, aliada da Rússia, decidiu apoiar a sua aliada.
Desta forma, «os assuntos do Extremo Oriente conduziram à formação de uma
coligação na Ásia, formada por aquelas Potências europeias que se encontravam
em lados opostos na Europa.» [BURY, 1968, p. 114] Em Março de 1897, a Rússia
ocupou Porto Artur e transformou-o numa base naval. Em Dezembro de 1897, uma
frota russa ancorou em Port Arthur e a Rússia conseguiu forçar o Governo chinês
a aceitar a Convenção para o Arrendamento da Península de Liaotung, também
conhecida como o Acordo de Pavlov. Esta convenção, assinada a 27 de Março de
1898, concedeu à Rússia a utilização de Port Arthur (Lüshun) como base naval e
a ligação àquele porto por via férrea.
O Reino
Unido e o Japão mantinham boas relações diplomáticas e comerciais desde o
século XVII. Apesar de alguns incidentes em que o Reino Unido fez prevalecer a
sua força militar e naval, em 1854 as duas Potências assinaram o Tratado de
Amizade Anglo-Japonês e, quatro anos mais tarde, o Tratado de Amizade e
Comércio Anglo-Japonês. Em 1863 chegaram à Grã-Bretanha os primeiros alunos
japoneses destinados a frequentarem as universidades britânicas e, em 1869,
pela primeira vez, um príncipe europeu visitou o Japão. Este foi o caso da visita
iniciada a 4 de Setembro pelo Príncipe Alfred, Duque de Edimburgo, filho da
Rainha Vitória. Em 1873, começou a funcionar no Japão, em Tóquio, o Colégio
Imperial de Engenharia, dirigido por docentes britânicos e com o objectivo de
formar engenheiros japoneses em vários campos industriais e para se conseguir
uma industrialização mais rápida e menos dependente dos técnicos estrangeiros.
A 16 de Julho de 1894, foi assinado o Tratado de Comércio e Navegação
Anglo-Japonês.
Os tratados,
acordos ou convenções estabelecidas com o Reino Unido não foram, naturalmente,
caso único da diplomacia nipónica. Os Estados Unidos da América, a Rússia, a
França, a Áustria-Hungria, a Prússia, alguns países da América Latina, também
estabeleceram tratados com o Japão. Portugal estabeleceu um Tratado de Amizade
e Comércio com o Japão em 1861. A partir de 1872, na sequência das reformas
adoptadas pelo Imperador Meiji (reinado de 3 de Fevereiro de 1867 a 30 de Julho
de 1912), o Japão adoptou a organização e o serviço militar de acordo com o
modelo alemão. Durante o reinado deste Imperador, foi estabelecido um sistema
de educação semelhante ao da Europa, com escolaridade obrigatória. Milhares de
estudantes foram enviados para escolas nos EUA e na Europa e mais de 3.000
professores europeus e norte-americanos foram para o Japão para ensinarem as
ciências modernas, matemática, tecnologias e línguas estrangeiras. Para além do ensino, o Reino Unido
teve um papel de destaque na construção da marinha de guerra japonesa.
O Reino
Unido e a Alemanha tinham estabelecido o acordo sobre o regime de Porta Aberta
na China (1900). Quando a Rússia invadiu a Manchúria em consequência da
Rebelião dos Boxers (1899 - 1901) e com a finalidade de proteger a linha férrea
para Port Arthur, o Reino Unido pediu à Alemanha para cooperar com a finalidade
de impedir o avanço das tropas russas, mas Bülow respondeu que o acordo não se
aplicava à Manchúria e que a Alemanha não tinha nenhum interesse naquele
território. Na realidade, a Alemanha não desejava antagonizar a Rússia, com
quem esperava poder vir a estabelecer uma aliança. O Reino Unido, por seu lado,
desejava impedir o domínio russo na região a fim de manter a política de Porta
Aberta que lhe permitiria mais facilmente exportar os produtos da sua
indústria. Restava-lhe, assim, estreitar as relações com o Japão.
O Reino
Unido não se tinha juntado às Potências que exigiram a retirada do Japão da
Península de Liaotung. Quando a Rússia conseguiu instalar-se em Porto Artur
todas as outras Potências procuraram obter compensações na região o que fez
aumentar a rivalidade entre elas. O relacionamento entre essas Potências tornou-se
numa luta pelo estabelecimento das esferas de influência. Simultaneamente, o
Japão começou a estudar a possibilidade de uma guerra contra a Rússia para
impedir a continuação da sua expansão que era vista como uma ameaça aos
interesses e à segurança nipónica. A expansão russa na China tornava-se, embora
por razões diferentes, uma preocupação comum do Japão e do Reino Unido, tanto
mais que à política de Porta Aberta defendida pelos Britânicos, a Rússia
contrapunha com um sistema fechado e de privilégios. Este seria certamente o
momento ideal para estabelecer uma aliança entre aquelas Potências, destinada a
defender os seus interesses comuns. No entanto, o Reino Unido tinha relutância
em abandonar o seu “esplêndido isolamento” e não desejava apoiar os Japoneses
na Coreia ou colocar-se ao lado do Japão no caso de esta Potência se envolver
numa guerra contra os Estado Unidos da América. As conversações tiveram início
em Julho de 1901 e prolongaram-se até ao início do ano seguinte.
O Tratado de
Aliança Anglo Japonês foi assinado em Londres, no dia 30 de Janeiro de 1902. O
Tratado continha seis artigos [Texto do Tratado, em Inglês e Japonês, em https://www.jacar.go.jp/nichiro/uk-japan.htm]. No seu preâmbulo pode-se ler que
ambas as Potências estavam «especialmente interessadas em manter a
independência e a integridade territorial do Império da China e do Império da
Coreia, e em garantir naqueles países oportunidades iguais para o comércio e
indústria de todas as nações».
No artigo 1,
o Reino Unido e o Japão declaram não ter «tendências agressivas» em qualquer
daqueles dois impérios e que os interesses britânicos se localizavam
principalmente na China enquanto o Japão, que também aí detinha interesses, estava
especialmente interessado, em questões políticas, comerciais e industriais, na
Coreia. Ambas as Potências admitiam apoiar-se mutuamente, na China ou na
Coreia, se fosse necessário intervir para salvaguardar os respectivos
interesses, para a protecção das vidas e propriedades dos seus súbditos, no
caso de uma acção agressiva de outra Potência ou por distúrbios que ocorram
naqueles territórios. O Artigo 2 partindo das situações descritas no artigo
anterior – intervenção na China ou na Coreia – levantava a hipóteses de uma das
partes se envolver numa guerra com uma terceira Potência e prescrevia que,
neste caso, «a outra Alta Parte Contratante manterá uma estrita neutralidade e
desenvolverá os seus esforços para impedir que outras Potências de intervirem
nas hostilidades contra o seu aliado.» No caso da intervenção de uma terceira
Potência, ambos os aliados agiriam em conjunto, a conduta da guerra será feita
em comum assim como qualquer acordo de paz (Artigo 3). Os artigos 4 e 5 obrigam
ambas as Potências a manterem o contacto e a agirem em comum. O Artigo 6
determinava que o Tratado entraria em vigor assim que assinado e que teria a
duração de cinco anos e seria renovável por iguais períodos.
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