quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

As Convenções de Haia de 1899 e 1907


Existiram várias Convenções de Haia. Para o tema que estamos a tratar é importante referir as Convenções de 1899 e de 1907, oficialmente chamadas “Convenção sobre a Resolução Pacífica de Controvérsias Internacionais (1899)” e com o mesmo título a de 1907. Juntamente com as Convenções de Genebra, as Convenções de Haia foram realizadas para clarificar e codificar as regras relativas à limitação de armas, à ocorrência e à conduta da guerra num corpo de leis internacionais. Esteve planeada uma terceira conferência para 1914, mas a situação de guerra que então se iniciou obrigou a reagendá-la para o ano seguinte – o que mostra a ideia errada que ainda existia sobre o que seria um conflito generalizado – não chegando a ser realizada. As Convenções de Haia de 1899 e de 1907 foram os primeiros tratados multilaterais relativos à conduta da guerra. Os textos redigidos em 1899 basearam-se em grande parte no Lieber Code, em vigor nas forças da União por iniciativa do presidente Abraham Lincoln, a 24 de Abril de 1863, durante a Guerra Civil Americana (12 Abr 1861 – 9 Mai 1865). Os textos do Lieber Code tinham já sido adoptados por várias instituições militares na Europa.

A primeira Conferência surgiu por proposta de Nicolau II da Rússia e teve início a 18 de Maio de 1899 e terminou a 29 de Julho. A acta final da Conferência (Convenção respeitante às Leis e Costumes da Guerra) continha cinco artigos e um anexo (Regulamentos respeitantes às Leis e Costumes da Guerra em Terra) constituído por sessenta artigos divididos em quatro Secções (Sobre os Beligerantes, sobre os Doentes e Feridos, sobre a Autoridade Militar em Território Hóstil, sobre o Internamento dos Beligerantes e o Cuidado dos Feridos em Países Neutrais).

Primeira Convenção de Haia (1899)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%B5es_da_Haia_(1899_e_1907)#/media/Ficheiro:The_First_International_Peace_Conference,_the_Hague,_May_-_June_1899_HU67224.jpg

A Segunda Conferência, convocada por sugestão do presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, para 1904, acabou por ser adiada por causa da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) e foi realizada entre 16 de Junho e 18 de Outubro de 1907. Esta Conferência tinha como objectivo expandir as convenções de 1899 e alterando algumas partes e acrescentando novos tópicos. Teve como resultado um conjunto de convenções que continham poucos avanços relativamente à Primeira Conferência.

Ambas as conferências incluíram negociações respeitantes a desarmamento, leis de guerra e crimes de guerra. Em ambas foi tentada a criação de um tribunal internacional obrigatório para a mediação das disputas internacionais e em ambas falhou este objectivo por oposição da Alemanha e alguns países que a seguiram. Contudo, no Tribunal Permanente de Arbitragem, criado em 1899, passou a dispor de mais meios para a arbitragem voluntária a que as Potências podiam recorrer. Em 1907, foi dada maior atenção às questões navais. Os Britânicos tentaram garantir a limitação dos armamentos, mas não tiveram sucesso perante a oposição da Alemanha e seus aliados. A Alemanha temia que os britânicos conseguissem fazer aprovar uma convenção que impedisse o crescimento da sua frota.

Na preparação para a Segunda Conferência de Haia, em Inglaterra, a questão do desarmamento foi discutida no Parlamento que emitiu uma declaração afirmando que «a grande e crescente despesa feita com armamentos condicionava o crédito nacional e comercial, adicionava ao problema do desemprego a diminuição de recursos disponíveis para as reformas sociais e era um fardo particularmente pesado para as classes trabalhadoras.» Faltava dar passos concretos a favor do desarmamento e esses passos teriam de ser uma iniciativa do Reino Unido ou seria muito mais difícil caminhar nesse sentido já que, como afirmava Sir Edward Grey, todos estavam à espera uns dos outros. No entanto, as propostas de Grey não tiveram muita aceitação no Governo alemão. Parte da opinião pública conservadora na Alemanha estava disposta a aceitar uma limitação temporária de armamentos por forma a poupar dinheiro para as obras de alargamento do Canal de Kiel e outras obras importantes.

Um artigo publicado no Kölnische Zeitung explicava a relutância da Alemanha em aceitar a limitação de armamentos no que respeitava aos recursos navais. No artigo era afirmado que o armamento da Alemanha não podia ser medido pelos mesmos critérios do Reino Unido ou da França, dado que a frota alemã se encontrava no estádio inicial de desenvolvimento. Sendo assim, a Alemanha defendia que as outras Potências deviam permitir que a Alemanha desenvolvesse os seus armamentos navais até ao mesmo nível que aquelas Potências. A Alemanha receava que o Reino Unido utilizasse a Segunda Conferência de Haia para a obrigar a manter a sua frota no nível alcançado até aí.

O processo para a redução ou limitação de armamentos era complexo e difícil de ser aceite por cada uma das partes quando os pontos de vista eram tão divergentes, mas os Britânicos tinham dado um passo importante. Um ano antes da realização da Conferência, em Julho de 1906, os Britânicos anunciaram que iriam reduzir a construção de quatro para três e que a construção de um destes três seria suspensa e poderia vir a ser cancelada se as Potências participantes na Conferência de Haia aceitassem a redução de armamentos. A proposta britânica não foi bem aceite interna e externamente. Internamente, porque muitos receavam que o Reino Unido perdesse a supremacia naval, garante da sua independência. Externamente, porque outras Potências, como por exemplo a Alemanha e a França, consideravam que deviam primeiro recuperar o atraso em que se encontravam no desenvolvimento das suas frotas. «O ponto de vista da Bélgica era de que a Grã-Bretanha estava simplesmente à procura de uma forma barata de manter a sua supremacia naval.»

A frota russa tinha sido destruída na guerra com o Japão (1904-1905) e não houve oposição a que a Rússia reconstruísse a sua marinha. A marinha alemã não sofrera um desastre como o que sucedeu com a da Rússia, mas não tinha atingido ainda a dimensão que os Alemães consideravam adequada para a sua defesa. Nesta situação, o Governo alemão não desejava negociar a limitação de armamentos, tanto mais que o Reino Unido já deixara claro que pretendia manter a supremacia naval e estava preparado para suportar os custos elevados dessa política. Um aumento na construção naval alemã conduziria a um aumento correspondente na construção naval britânica e o caminho seguido por estas duas Potências arrastaria outras no mesmo sentido. Se a Grã-Bretanha pretendia continuar a ter a supremacia naval, qual das outras Grandes Potências tomaria a iniciativa de, voluntariamente, impor restrições no que respeita ao seu próprio programa de desenvolvimento naval?

Tanto o Reino Unido como a Alemanha subscreveram as convenções produzidas na Segunda Conferência de Haia, mas estas não significaram mais que um tímido avanço relativamente à primeira. A discussão sobre a limitação de armamentos morreu. O relacionamento entre as duas Potências era francamente amistoso ao nível das respectivas casas reais, mas não ao nível dos respectivos governos.

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