Bismarck não viu vantagens na expansão ultramarina porque a considerava uma dispersão de forças e a fonte de prováveis conflitos com as outras Potências colonizadoras. No entanto, acabou por aceitar essa expansão por duas razões: no campo interno, pela pressão exercida pelos partidários da expansão colonial, e no campo externo, porque as colónias poderiam ser utilizadas na sua diplomacia europeia. Os Alemães ocuparam algumas posições em África que deram origem, entre outras, à chamada África Oriental Alemã que hoje corresponde, grosso modo, à atual Tanzânia, a norte de Moçambique. Nesta região surgiram conflitos de interesses entre a Alemanha e o Reino Unido.
A pretensão dos alemães em avançarem mais para o interior até à fronteira do Estado Independente do Congo colidia com os interesses britânicos que se materializavam na ligação entre o Cabo e o Cairo e no domínio do vale do Nilo. O projeto de Cecil Rhodes chocava com os interesses alemães da mesma forma que chocou com o projeto português do Mapa Cor de Rosa, que previa o exercício da soberania portuguesa sobre os territórios entre Angola e Moçambique. No caso português, não havendo acordo entre respetivos governos, os britânicos resolveram o problema com o ultimato de 11 de janeiro de 1890, mas, no caso da colónia alemã, negociaram com os alemães e chegaram a um acordo que ficou registado no Tratado de Heligolândia-Zanzibar de 1 de julho de 1890.
Os termos do Tratado podem ser consultados em https://germanhistorydocs.ghi-dc.org/pdf/eng/606_Anglo-German%20Treaty_110.pdf. Chama-se a atenção para o facto de existir um erro no segundo parágrafo do ponto 3 do Artigo I porque onde se lê «In Southwest Africa» deve ler-se «In East Africa».
O Artigo I deste tratado estabelecia a demarcação das esferas de influência alemã e britânica na África Oriental. O Artigo II estabelecia as medidas a serem adotadas por cada uma destas Potências para a implementação das linhas de demarcação descritas no artigo anterior. Em seguida, tratava-se da demarcação das esferas de influência da Alemanha e do Reino Unido no Sudoeste Africano (Artigo III) e na África Ocidental (Artigo IV). Nos artigos seguintes tratavam-se questões relativas à implementação do tratado, ao estabelecimento de um protetorado britânico em Zanzibar (Artigo XI) e da cedência do arquipélago de Heligolândia à Alemanha (Artigo XII).
O Arquipélago de Heligolândia estava sob domínio britânico desde 1807. É formado por duas ilhas e situado no Mar do Norte a cerca de 60 km da foz do Rio Elba. Até 1720, estas duas ilhas formavam uma só, mas uma grande tempestade veio dividir o território que se mantém como um arquipélago até à atualidade. Estas ilhas eram de grande importância para a Alemanha, pois estão situadas numa posição que ajuda à defesa do extremo ocidental do canal de Kiel. A construção deste canal começou em 1887 e ficou concluída em 1895. O canal de Kiel permitia encurtar a viagem entre o Mar do Norte e o Mar Báltico em cerca de 460 Km evitando contornar a Península da Jutlândia e passar pelo estreito de Skagerrak dominado pela Dinamarca, Suécia e Noruega. Tornava-se assim mais rápido e mais seguro para a marinha alemã ligar as suas bases navais no Báltico e no Mar do Norte. As ilhas de Heligolândia funcionavam como um posto avançado que permitia vigiar para que este movimento fosse executado em segurança.
O Arquipélago de Zanzibar situa-se no oceano Índico, ao largo da costa da atual Tanzânia, a uma distância entre 40 e 50 km do continente africano. Em 1698, o sultanato de Omã ocupou Zanzibar, que se tornou o entreposto comercial do oceano Índico Ocidental, vendendo escravos e marfim no mundo árabe, na Índia e através do Oceano Atlântico. Em 1841, o sultão Said Ibn (1805-1856) mudou a sua corte de Omã para Zanzibar. Os britânicos exerceram uma forte influência junto do Sultão. Em 1873, John Kirk, cônsul britânico entre 1866 e 1887, persuadiu o sultão a pôr fim ao tráfico de escravos.
A expansão alemã, no território que é hoje a Tanzânia, foi iniciada pela Sociedade para a Colonização Alemã, fundada por Carl Peters a 28 de março de 1884. Quando os alemães se apoderaram dos territórios no continente africano, o Sultão de Zanzibar protestou porque considerava que o território em que era soberano englobava não só o arquipélago, mas também o território continental. Houve revoltas que foram duramente reprimidas. A 29 de outubro de 1886, a Alemanha e o Reino Unido estabeleceram um acordo em que partilhavam os territórios africanos. Aos domínios do Sultão era garantida a independência, mas ficaram limitados ao Arquipélago de Zanzibar e uma faixa de território no continente, ao longo da costa, com cerca de 16 km de largura. A presença britânica em Zanzibar era tolerada pelos alemães.
Em 1888 houve uma importante revolta, duramente reprimida. Ficou conhecida como Revolta Abushiri ou Revolta dos Traficantes de Escravos. A revolta revelou a completa incapacidade da Companhia Alemã da África Oriental para administrar o seu território. A 1 de janeiro de 1891, o governo imperial alemão assumiu o controlo da África Oriental Alemã, e a companhia recebeu uma generosa compensação financeira. Uma força militar sob o comando de Hermann Wissmann (1853-1905) foi convertida na Kaiserliche Schutztruppe für Deutsch-Ostafrika. Sob o comando de Wissmann, essa força iniciou a subjugação completa do território.
Os interesses alemães estendiam-se a territórios que os britânicos pretendiam controlar. Houve contactos diplomáticos entre as duas potências e foi estabelecido um acordo que delimitava fronteiras e zonas de influência. Para a Alemanha, o tratado era importante porque clarificava as suas zonas de ação em África, reduzindo os fatores de tensão com o Reino Unido, o que se enquadrava nos seus objetivos diplomáticos na Europa. Ao negociar a posse de Heligolândia em troca da cedência às reivindicações britânicas sobre Zanzibar, os alemães demonstraram que estavam dispostos e capazes de participar nas disputas territoriais e de influência, sem necessidade de um confronto direto com a potência naval dominante, o Reino Unido. Essa decisão permitiu à Alemanha afirmar-se como potência emergente, reforçando a sua imagem nos planos nacional e internacional.
Por outro lado, a ilha de Heligoland, situada no Mar do Norte, apresentava uma localização privilegiada para fins militares. Ao garantir o seu controle, a Alemanha assegurava uma base que poderia ser transformada num posto avançado para a Marinha, permitindo a vigilância das rotas marítimas do mar do Norte e proteção da costa alemã no Mar do Norte e da saída ocidental do Canal de Kiel. Num cenário em que a Royal Navy dominava os mares, a posse desta ilha pela Alemanha ganhava especial importância.
Pelo lado britânico podemos identificar interesses estratégicos e económicos. Sendo Zanzibar um ponto estratégico do Oceano Índico, muito importante para o comércio e para a navegação, o seu controlo significava o controlo das rotas comerciais na região e a consolidação da influência britânica na África Oriental. O tratado também permitiu manter uma situação estabilizada na região das nascentes do Nilo. O Reino Unido obteve, além de Zanzibar, o conjunto de territórios que correspondem ao Quénia e ao Uganda. A influência britânica também permitiria reduzir ou até eliminar o comércio de escravos em Zanzibar. Esse movimento de combate à escravatura também permitia aos britânicos justificarem moralmente a sua expansão imperial. Finalmente, o Tratado garantiu aos britânicos a possibilidade de expansão da infraestrutura ferroviária entre a costa oriental alemã e o Lago Vitória, sem interferência alemã. Na Europa, a expansão da marinha alemã dificultava a manutenção da Heligolândia sob domínio britânico.
O facto de, para a Alemanha, ser muito importante ganhar a amizade da Inglaterra contribuiu para o sucesso das negociações. Este tratado foi o primeiro de uma série de acordos que permitem partilhar África. Sobre muitos dos territórios que foram então repartidos, conhecia-se pouco e os acordos de partilha referiam frequentemente acidentes do terreno ou cursos de água cuja localização não era inteiramente conhecida, por vezes nem havia a certeza da sua existência. Uma das consequências mais graves deste procedimento foi o facto de serem traçadas fronteiras segundo os critérios das potências ocidentais e sem olharem aos interesses dos povos africanos.
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