domingo, 27 de abril de 2025

A Conferência de Algeciras 1906

Do ponto de vista geopolítico, Marrocos assumia um papel importante pelo que permitia exercer sobre o tráfego marítimo entre o Mediterrâneo e o Atlântico especialmente nas proximidades do Estreito de Gibraltar. Foi esta importância estratégica que se tornou alvo do interesse das principais Potências europeias. Não era um interesse novo. As movimentações diplomáticas entre as Potências europeias exercerem influência sobre o território marroquino e ganharem vantagens comerciais já tinha conduzido, em 1880, à Conferência de Madrid (19 de maio – 3 de julho). A Convenção e os protocolos anexos podem ser consultados em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k9600646b.texteImage#. No segundo parágrafo da Convenção encontramos os objetivos da Conferência:

Ayant reconnu la nécessité d établir sur des bases fixes et uniformes l'exercice du droit de protection au Maroc, et de régler certaines questions qui s'y rattachent, ont nommé pour leurs Plénipotentiaires à la Conférence qui s'est réunie à cet effet à Madrid, …

A Conferência estabeleceu, assim, uma base legal para que as diversas Potências pudessem explorar comercialmente e exercer influência sobre Marrocos. O acordo expresso na Convenção e Protocolos pressupunha igualdade de direitos entre as Potências. Contudo, as rivalidades comerciais e estratégicas entre essas Potências acabaram por criar um clima de instabilidade política e social. As Potências ocidentais dominantes influenciaram o Sultão no sentido de promover reformas que, pelo seu carácter ocidentalizante, geraram reações negativas dos líderes tradicionais e das tribos locais, criando um cenário de fraqueza do poder central e desordem social. Esta situação ofereceu às Potências ocidentais com maiores interesses uma oportunidade para intervirem e fortalecerem a sua presença em Marrocos.

Paralelamente, as rivalidades entre as grandes potências europeias também configuraram um terreno propício para a crise. A recente formação da Entente Cordiale, em 1904, que alinhava os interesses da França e da Grã-Bretanha, bem como os acontecimentos anteriores que terminaram em acordos diplomáticos ou tratados, mostravam a reorganização em curso dos blocos e alianças no cenário europeu. A Alemanha, que pretendia reafirmar a sua influência, opôs-se às tentativas francesas de estabelecer um protetorado sobre Marrocos e passou a apoiar a ideia da sua independência. Este ambiente de instabilidade e descontentamento culminou com a visita do Kaiser Guilherme II a Marrocos em 1905. Esta visita foi entendida como um gesto de desafio ao domínio franco-britânico. Foi neste contexto que deflagrou a Primeira Crise de Marroquina (março de 1905) e colocou a Europa à beira de uma guerra.

O Chanceler da Alemanha, Bernhard von Bülow queria impedir a França de transformar Marrocos num protetorado e destruir a Entente Cordiale. Para atingir estes objetivos, era necessário internacionalizar a questão de Marrocos. A Alemanha propôs, por isso, uma conferência internacional sobre Marrocos e, para forçar o Governo francês a aceitá-la, o embaixador alemão em Paris, no dia 10 de junho de 1905, tinha deixado claro que «se a França tentar alterar por qualquer forma o status de Marrocos, a Alemanha apoiará o Sultão com todas as suas forças.» Na realidade, o Chanceler alemão sabia que a opinião pública alemã não aceitaria uma guerra por causa de Marrocos. A 28 de setembro, a França e a Alemanha chegaram a acordo sobre a agenda da conferência.

Na sua preparação, foi considerada a possibilidade de realizar a conferência em Madrid ou em Tânger. A instabilidade vivida em Marrocos desaconselhou Tânger e Madrid era a capital de uma das Potências interessadas. Foi escolhida Algeciras, uma cidade portuária no sul de Espanha, localizada perto de Gibraltar, que se encontrava a meia distância entre Madrid e Rabat. A Conferência decorreu entre 16 de janeiro e 7 de abril de 1906 e teve como objetivo encontrar uma solução para a denominada “Primeira Crise de Marrocos” (1905). Estiveram presentes representantes da Alemanha, Áustria-Hungria, Reino Unido, França, Rússia, Espanha, Estados Unidos da América, Itália, Marrocos, Holanda, Suécia, Portugal e Bélgica.

A conferência foi realizada em 18 sessões, durante as quais duas grandes questões estiveram na ordem do dia: a criação de um banco internacional em Marrocos e a organização da polícia nas principais cidades portuárias. O controlo da polícia era particularmente importante porque permitia controlar Marrocos. Por esta razão, os Alemães insistiram que a força de polícia devia ser internacionalizada, mas os Franceses opuseram-se e preferiram apoiar uma polícia marroquina. No dia 1 de março, enquanto decorria a conferência, as frotas britânicas do Mediterrâneo e do Atlântico, vinte couraçados, dúzias de cruzadores e de contratorpedeiros, quase centena e meia de navios, numa forte demonstração de poder naval, aproximaram-se do porto de Gibraltar. Os delegados na Conferência foram convidados a jantar a bordo do navio almirante, o HMS King Edward VII.

Em Algeciras, a Alemanha obteve o contrário do que pretendia. Em vez de destruir a Entente Cordiale, provocou uma maior aproximação entre a França e o Reino Unido. A Entente Cordiale foi reforçada. Na Alemanha, a atitude da opinião pública e do Reichstag foi de desânimo, o que não impediu Bülow de defender a sua política. «O tratado pode não nos ter dado tudo o que desejávamos», mas «representa o essencial do que nos tínhamos esforçado por obter. Reafirmou a soberania do Sultão… a França não obteve o protetorado que desejava… permanecemos inabaláveis em defesa do princípio de Porta Aberta… a tentativa para nos excluírem de uma grande decisão internacional foi frustrada com sucesso.»

A Ata Geral da Conferência de Algeciras estava dividida em seis capítulos que englobavam cento e vinte e três artigos [Texto completo, em francês em https://web.archive.org/web/20150919070809/http:/www.historicaltextarchive.com/print.php?action=section&artid=28]:

  • Uma declaração relativa à organização da polícia;
  • Um Regulamento respeitante à vigilância e repressão do contrabando de armas;
  • Uma Ata de Concessão de um Banco do Estado Marroquino;
  • Uma declaração respeitante a um melhor desempenho do sistema fiscal e à criação de novas receitas
  • Um Regulamento sobre as Alfândegas do Império e a repressão da fraude e do contrabando;
  • Uma Declaração relativa aos Serviços Públicos e aos Trabalhos Públicos.

A polícia ficou colocada sob a autoridade do Sultão (Artigo 2), mas a Espanha e a França iriam disponibilizar oficiais e sargentos instrutores (Artigo 3) e eles deveriam «assegurar a instrução e a disciplina, em conformidade com o Regulamento que será estabelecido sobre a matéria; verificarão de igual forma para que os homens alistados possuam aptidão para o serviço militar. De uma forma geral, eles deverão supervisar a administração das tropas» (Artigo 4). Para o desempenho destas funções seria necessária a presença de 16 a 20 oficiais e 30 a 40 sargentos franceses e espanhóis (Artigo 5) todos pagos pelo Tesouro de Marrocos (Artigo 6). A Inspeção Geral da Polícia ficaria a cargo de um oficial superior do Exército Suíço (Artigo 7). «O quadro de Instrutores da Polícia Chérifienne (oficiais e sargentos) será espanhol em Tétuan, misto em Tânger, espanhol em Larache, francês em Rabat, misto em Casablanca e francês nos outros três portos» (Artigo 12).

O segundo ponto importante a tratar na Conferência ficou expresso no Capítulo III: «Será instituído em Marrocos um banco com o nome de “Banco do Estado de Marrocos”, para exercer os direitos a seguir especificados, cuja concessão será outorgada por Sua Majestade o Sultão, durante um período de quarenta anos a partir da ratificação da presente Ata» (Artigo 31) e este banco «desempenhará, com exclusão de qualquer outro banco ou estabelecimento de crédito, as funções de Trésorier-Payeur do Império» (Artigo 33). «O capital inicial do banco será dividido em tantas partes iguais quantas as partes interessadas entre as Potências representadas na Conferência e, para isso, cada Potência designará um Banco, que exercerá, seja para si ou para um grupo de bancos, o direito de subscrição especificado acima, bem como o direito de nomeação dos Administradores» (Artigo 56).

A segurança e as finanças marroquinas ficavam inteiramente dependentes das outras Potências. Os Franceses não conseguiram ter uma influência preponderante no banco cuja criação estava a ser preparada, mas puderam exercer uma influência determinante sobre a organização da polícia nos portos de Marrocos.

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