Do ponto de vista geopolítico, Marrocos assumia um papel importante pelo que permitia exercer sobre o tráfego marítimo entre o Mediterrâneo e o Atlântico especialmente nas proximidades do Estreito de Gibraltar. Foi esta importância estratégica que se tornou alvo do interesse das principais Potências europeias. Não era um interesse novo. As movimentações diplomáticas entre as Potências europeias exercerem influência sobre o território marroquino e ganharem vantagens comerciais já tinha conduzido, em 1880, à Conferência de Madrid (19 de maio – 3 de julho). A Convenção e os protocolos anexos podem ser consultados em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k9600646b.texteImage#. No segundo parágrafo da Convenção encontramos os objetivos da Conferência:
Ayant reconnu la nécessité d
établir sur des bases fixes et uniformes l'exercice du droit de protection au
Maroc, et de régler certaines questions qui s'y rattachent, ont nommé pour
leurs Plénipotentiaires à la Conférence qui s'est réunie à cet effet à Madrid, …
A Conferência estabeleceu, assim, uma base legal para que as
diversas Potências pudessem explorar comercialmente e exercer influência sobre
Marrocos. O acordo expresso na Convenção e Protocolos pressupunha igualdade de
direitos entre as Potências. Contudo, as rivalidades comerciais e estratégicas
entre essas Potências acabaram por criar um clima de instabilidade política e
social. As Potências ocidentais dominantes influenciaram o Sultão no sentido de
promover reformas que, pelo seu carácter ocidentalizante, geraram reações
negativas dos líderes tradicionais e das tribos locais, criando um cenário de
fraqueza do poder central e desordem social. Esta situação ofereceu às
Potências ocidentais com maiores interesses uma oportunidade para intervirem e
fortalecerem a sua presença em Marrocos.
Paralelamente, as rivalidades entre as grandes potências
europeias também configuraram um terreno propício para a crise. A recente
formação da Entente Cordiale, em 1904, que alinhava os interesses da
França e da Grã-Bretanha, bem como os acontecimentos anteriores que terminaram
em acordos diplomáticos ou tratados, mostravam a reorganização em curso dos
blocos e alianças no cenário europeu. A Alemanha, que pretendia reafirmar a sua influência, opôs-se às tentativas francesas de estabelecer um protetorado sobre
Marrocos e passou a apoiar a ideia da sua independência. Este ambiente de
instabilidade e descontentamento culminou com a visita do Kaiser Guilherme II a
Marrocos em 1905. Esta visita foi entendida como um gesto de desafio ao domínio
franco-britânico. Foi neste contexto que deflagrou a Primeira Crise de
Marroquina (março de 1905) e colocou a Europa à beira de uma guerra.
O Chanceler da Alemanha, Bernhard von Bülow queria impedir a
França de transformar Marrocos num protetorado e destruir a Entente Cordiale.
Para atingir estes objetivos, era necessário internacionalizar a questão de
Marrocos. A Alemanha propôs, por isso, uma conferência internacional sobre
Marrocos e, para forçar o Governo francês a aceitá-la, o embaixador alemão em
Paris, no dia 10 de junho de 1905, tinha deixado claro que «se a França tentar
alterar por qualquer forma o status de Marrocos, a Alemanha
apoiará o Sultão com todas as suas forças.» Na realidade, o Chanceler alemão
sabia que a opinião pública alemã não aceitaria uma guerra por causa de
Marrocos. A 28 de setembro, a França e a Alemanha chegaram a acordo sobre a
agenda da conferência.
Na sua preparação, foi considerada a possibilidade de
realizar a conferência em Madrid ou em Tânger. A instabilidade vivida em
Marrocos desaconselhou Tânger e Madrid era a capital de uma das Potências
interessadas. Foi escolhida Algeciras, uma cidade portuária no sul de Espanha,
localizada perto de Gibraltar, que se encontrava a meia distância entre Madrid
e Rabat. A Conferência decorreu entre 16 de janeiro e 7 de abril de 1906 e teve
como objetivo encontrar uma solução para a denominada “Primeira Crise de Marrocos”
(1905). Estiveram presentes representantes da Alemanha, Áustria-Hungria, Reino
Unido, França, Rússia, Espanha, Estados Unidos da América, Itália, Marrocos,
Holanda, Suécia, Portugal e Bélgica.
A conferência foi realizada em 18 sessões, durante as quais
duas grandes questões estiveram na ordem do dia: a criação de um banco
internacional em Marrocos e a organização da polícia nas principais cidades
portuárias. O controlo da polícia era particularmente importante porque
permitia controlar Marrocos. Por esta razão, os Alemães insistiram que a força
de polícia devia ser internacionalizada, mas os Franceses opuseram-se e
preferiram apoiar uma polícia marroquina. No dia 1 de março, enquanto decorria
a conferência, as frotas britânicas do Mediterrâneo e do Atlântico, vinte
couraçados, dúzias de cruzadores e de contratorpedeiros, quase centena e meia
de navios, numa forte demonstração de poder naval, aproximaram-se do porto de
Gibraltar. Os delegados na Conferência foram convidados a jantar a bordo do
navio almirante, o HMS King Edward VII.
Em Algeciras, a Alemanha obteve o contrário do que pretendia. Em vez de destruir a Entente Cordiale, provocou uma maior aproximação entre a França e o Reino Unido. A Entente Cordiale foi reforçada. Na Alemanha, a atitude da opinião pública e do Reichstag foi de desânimo, o que não impediu Bülow de defender a sua política. «O tratado pode não nos ter dado tudo o que desejávamos», mas «representa o essencial do que nos tínhamos esforçado por obter. Reafirmou a soberania do Sultão… a França não obteve o protetorado que desejava… permanecemos inabaláveis em defesa do princípio de Porta Aberta… a tentativa para nos excluírem de uma grande decisão internacional foi frustrada com sucesso.»
A Ata Geral da Conferência de Algeciras estava dividida em seis capítulos que englobavam cento e vinte e três artigos [Texto completo, em francês em https://web.archive.org/web/20150919070809/http:/www.historicaltextarchive.com/print.php?action=section&artid=28]:
- Uma declaração relativa à organização da polícia;
- Um Regulamento respeitante à vigilância e repressão do contrabando de armas;
- Uma Ata de Concessão de um Banco do Estado Marroquino;
- Uma declaração respeitante a um melhor desempenho do sistema fiscal e à criação de novas receitas
- Um Regulamento sobre as Alfândegas do Império e a repressão da fraude e do contrabando;
- Uma Declaração relativa aos Serviços Públicos e aos Trabalhos Públicos.
A polícia ficou colocada sob a autoridade do Sultão (Artigo
2), mas a Espanha e a França iriam disponibilizar oficiais e sargentos
instrutores (Artigo 3) e eles deveriam «assegurar a instrução e a disciplina,
em conformidade com o Regulamento que será estabelecido sobre a matéria;
verificarão de igual forma para que os homens alistados possuam aptidão para o
serviço militar. De uma forma geral, eles deverão supervisar a administração
das tropas» (Artigo 4). Para o desempenho destas funções seria necessária a
presença de 16 a 20 oficiais e 30 a 40 sargentos franceses e espanhóis (Artigo
5) todos pagos pelo Tesouro de Marrocos (Artigo 6). A Inspeção Geral da Polícia
ficaria a cargo de um oficial superior do Exército Suíço (Artigo 7). «O quadro
de Instrutores da Polícia Chérifienne (oficiais e sargentos)
será espanhol em Tétuan, misto em Tânger, espanhol em Larache, francês em
Rabat, misto em Casablanca e francês nos outros três portos» (Artigo 12).
O segundo ponto importante a tratar na Conferência ficou
expresso no Capítulo III: «Será instituído em Marrocos um banco com o nome de
“Banco do Estado de Marrocos”, para exercer os direitos a seguir especificados,
cuja concessão será outorgada por Sua Majestade o Sultão, durante um período de
quarenta anos a partir da ratificação da presente Ata» (Artigo 31) e este banco
«desempenhará, com exclusão de qualquer outro banco ou estabelecimento de
crédito, as funções de Trésorier-Payeur do Império» (Artigo
33). «O capital inicial do banco será dividido em tantas partes iguais quantas
as partes interessadas entre as Potências representadas na Conferência e, para
isso, cada Potência designará um Banco, que exercerá, seja para si ou para um
grupo de bancos, o direito de subscrição especificado acima, bem como o direito
de nomeação dos Administradores» (Artigo 56).
A segurança e as finanças marroquinas ficavam inteiramente
dependentes das outras Potências. Os Franceses não conseguiram ter uma
influência preponderante no banco cuja criação estava a ser preparada, mas
puderam exercer uma influência determinante sobre a organização da polícia nos
portos de Marrocos.
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