Para levarem a bom termo os seus projetos, os Britânicos consideravam fundamental controlar o vale do Nilo. O Tratado de Heligolândia-Zânzibar (1890) tinha definido os limites da expansão alemã naquela região que, no entanto, era alvo dos interesses de outras potências. Charles Tilstone Beke (1800-1884), explorador britânico, autor de An Essay on the Nile and its Tributaries (1847), entre outras obras, em 1851 enviou a Lord Palmerston (Henry John Temple, 3º Visconde Palmerston)(1784-1865), primeiro-ministro britânico, um memorando intitulado Mémoire sur la possibilite de détourner les eaux du Nil en vue d’empêcher l’irrigation de l’Égypte. O Governo britânico deu suficiente importância a esta obra e assumiu a gravidade da ameaça que pendia sobre o Egito.
O vale do Nilo era, portanto, fulcral para os interesses britânicos no Egito. Controlar o Nilo equivalia a controlar o Egito, o que, por sua vez, permitia controlar o Canal de Suez. Nem a Alemanha, nem a Itália, constituíam uma ameaça nessa região, mas a França nunca tinha aceitado a ocupação permanente do Egito pelos Britânicos, nem aceitava o monopólio britânico sob a bacia do Nilo. O Reino Unido iria tentar utilizar com a França os mesmos métodos que utilizou com a Alemanha para resolver a questão das esferas de influência na África Oriental. Isto implicava negociar, cedendo aos seus interesses noutras zonas.
Os Franceses, desde Napoleão Bonaparte, tinham a ambição de modernizar o Egito e aí fazerem grandes investimentos. Por esta razão, consideraram a ocupação britânica do Egito como uma derrota infligida a eles próprios e, durante muito tempo, mantiveram-se afastados do Nilo. A primeira tentativa de penetração nessa região, a partir da África Ocidental, foi feita por iniciativa do rei Leopoldo da Bélgica, mas os Britânicos deixaram claro que consideravam inaceitável o acesso dos Belgas ao vale do Nilo. Para contornar a oposição dos Britânicos, Leopoldo procurou ganhar o apoio da França e levá-la a lançar uma nova iniciativa na região do Nilo.
O objetivo dos Franceses era o de obrigarem os Britânicos a reexaminarem a questão do Egito e a melhor forma de o conseguirem era discutir o assunto numa conferência internacional. Neste caso, a França apresentaria uma posição reforçada se estabelecesse a sua presença sobre o Nilo. Com este objetivo, foram organizadas várias expedições, com origem na África Ocidental e na Etiópia, com a missão de estabelecerem uma presença francesa no Alto Nilo. A primeira dessas expedições, a Expedição Monteil, foi organizada em 1893. A última, a Expedição Marchand, foi lançada em 1896.
Jean-Baptiste Marchand (1863-1934), capitão da infanterie de marine (fuzileiros navais), apresentou o seu projeto de expedição ao Ministério das Colónias e Negócios Estrangeiros a 11 de setembro de 1895. Este projeto, denominado Missão Congo-Nilo, tinha como objetivo «a consolidação da influência francesa no hinterland do Congo por forma que, quando as potências partilharem esta região, a França esteja também presente.» Não se pretendia atingir este objetivo pela utilização da força militar, o que daria às outras potências um argumento para não reconhecerem as posições francesas, mas pela conclusão de tratados e pela criação de laços de amizade com os autóctones do território.
No dia 25 de junho de 1896, Marchand partiu para África e chegou a Loango (atual República do Congo) a 24 de julho, dirigindo-se em seguida para Brazzaville. Iniciou a sua viagem para o Alto Nilo em janeiro de 1897, tendo como objetivo Fachoda (actual Kodok, no nordeste do Sudão do Sul), a capital do antigo Reino dos Shilluk, na margem ocidental do Nilo. A viagem foi feita em embarcações ao longo dos rios e a pé. Partiram de Brazzaville seis oficiais, quatro sargentos europeus, 50 soldados autóctones, um médico e um intérprete e cerca de 3.000 carregadores. A expedição chegou a Fashoda a 10 de julho de 1898 e, um pouco acima, num ilhéu do rio Nilo, já tinha sido içada a bandeira francesa por outra expedição que tinha saído da Etiópia. Em agosto desse ano registaram-se confrontos com os Mahdistas que acabaram por retirar. A 3 de setembro, Marchand concluiu um tratado pelo qual a França estabelecia um protetorado sobre o território do povo Shilluk.
Após a conquista de Ondurmã (2 de setembro de 1898), Kitchener dirigiu-se para Fashoda onde chegou no dia 19. Kitchener protestou contra a presença francesa e mandou içar a bandeira egípcia. Marchand não tinha espaço de manobra para se opor já que os Franceses tinham defendido, contra o domínio britânico, que era necessário apoiar os direitos do Egito, que incluía o Sudão. O Governo francês avaliou mal o interesse das outras potências em apoiar a França. A Rússia não tinha nenhum interesse em intrometer-se neste assunto. Os Alemães não estavam interessados em contribuir para a solução de um diferendo que impedia uma aproximação entre a França e o Reino Unido, apesar de, na época, a Alemanha e o Reino Unido estarem de boas relações. Aliás, foi com base no bom entendimento entre estas duas Potências que elas chegaram a acordo, a 30 de agosto de 1898, sobre uma eventual partilha das colónias portuguesas.
Os governos da França e do Reino Unido iniciaram negociações. Os britânicos ofereceram concessões na África Ocidental em troca dos territórios na região do Nilo, troca a que os Franceses se opunham. Não foi alcançado nenhum acordo e a questão de Fachoda transformou-se no acontecimento que poderia conduzir a uma confrontação mais alargada entre as duas Potências. O Reino Unido era a Potência mais forte. Kitchener dispunha de um exército moralizado pelas recentes vitórias enquanto Marchand não dispunha de mais que meia dúzia de franceses e uma centena de atiradores sudaneses. No vale do Nilo, as forças francesas estavam em desvantagem. No contexto global, a França tinha a Rússia como aliada, mas esta não mostrou vontade de intervir; o Reino Unido não dispunha de aliados, mas estava de boas relações com a Tríplice Aliança. Relativamente à marinha de guerra, o Reino Unido dispunha de uma enorme vantagem sobre a França. O Governo britânico era estável enquanto o Governo francês estava dividido. O Reino Unido considerava esta uma questão de interesse nacional enquanto para a França era uma questão de prestígio. A opinião pública francesa considerou um absurdo a possibilidade de uma guerra contra o Reino Unido a propósito de Fashoda, quando a Alsácia-Lorena continuava em mãos alemãs. A França cedeu e, no dia 11 de dezembro de 1898, Marchand retirou de Fashoda.
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