Guilherme II da Alemanha (1859-1941) iniciou o seu reinado a 15 de junho de 1888. O novo imperador não só não concordava com a política do seu chanceler, Otto von Bismarck (1815-1898) como desejava chamar a si todas as responsabilidades do poder. A política de Bismarck, cujo objetivo era manter a paz e o status quo favorável à Alemanha, foi abandonada e, no seu lugar, foi adotada uma política mais agressiva que lançou a Alemanha no grupo dos impérios coloniais. Em março de 1890, Bismarck apresentou a sua demissão a Guilherme II que, segundo as próprias palavras do Chanceler, «a única coisa que desejava era ver-se livre de mim para poder governar sozinho, para mostrar ao mundo todo o seu génio e alcançar a glória.»
Na realidade, a Alemanha tinha evoluído e já não correspondia à ideia que Bismarck fazia do seu próprio país. Novas estruturas económicas e sociais foram criadas pelo grande e rápido desenvolvimento industrial. O núcleo forte do poder alemão foi transferido das províncias orientais, rurais e aristocráticas, de onde Bismarck era oriundo, para a região do Reno, onde as matérias-primas, a energia e as vias fluviais permitiram a implementação e desenvolvimento de grande parte da poderosa indústria alemã. Foi ainda no tempo de Bismarck que se iniciaram as iniciativas coloniais, mas a nova economia começava a ressentir-se da política demasiado europeia do chanceler, porque não permitia a expansão comercial necessária à continuação do desenvolvimento industrial. Guilherme II defendia uma política que não se confinava ao espaço europeu; uma política mundial (Weltpolitik).
Esta alteração na política externa teve como consequência o choque entre o Imperador e o Chanceler e a sua demissão em março de 1890. O próprio sistema de alianças criado por Bismarck foi posto em causa. O Tratado de Resseguro, assinado entre a Alemanha e a Rússia, continha cláusulas que colidiam com as disposições da Tríplice Aliança. Para Guilherme II, esta situação perante a Áustria-Hungria era inadmissível. O Chefe do Estado-Maior General, Alfred von Waldersee, que tinha sucedido em 1888 a Helmuth von Moltke (1800-1891), mostrava o seu desagrado pela política de aproximação à Rússia e a sua opinião tinha influência junto do Imperador. Depois de Bismarck abandonar o governo da Alemanha, a 19 de março de 1890, o embaixador russo em Berlim informou que a Rússia aceitava prolongar por seis anos o Tratado de Resseguro que expirava em junho desse ano. O novo governo da Alemanha entendeu que este tratado estava em contradição com o espírito da Tríplice Aliança, mas considerou essencial manter o acordo com a Rússia a fim de evitar um entendimento entre aquela potência e a França. O próprio governo russo estava disposto a aceitar um acordo mais limitado. No entanto, apesar das recomendações do governo alemão, Guilherme II não autorizou a renovação do Tratado de Resseguro.
O que levou Guilherme II a proceder desta forma? O embaixador alemão em Sampetersburgo aconselhou a renovação do tratado porque, caso contrário, a Rússia seria forçada a procurar junto de outra potência o apoio que a Alemanha lhe negava. No entanto, os conselheiros do Imperador argumentavam que a Rússia não iria aliar-se com o Reino Unido, com quem se chocava na sua expansão na Ásia Central, nem com a França, uma república, que não tinha condições para apoiar a Rússia nas suas ambições sobre os Estreitos de Dardanelos e do Bósforo. Estas previsões estavam erradas, pois, no dia 18 de agosto de 1892, foi estabelecido um Acordo (Entente) militar franco-russo que seria ratificada por Alexandre III da Rússia, a 27 de dezembro de 1893, e pelo governo francês, a 4 de janeiro de 1894. Tinha terminado o isolamento da França.
O caminho percorrido até à assinatura da convenção militar foi longo e para ele contribuíram receios e desconfianças, de parte a parte, que persistiram após a assinatura da convenção franco-russa e explicam o facto de ter passado tanto tempo entre a sua assinatura e a respetiva ratificação.
A primeira aproximação entre a França e a Rússia foi feita no campo económico. Foi proporcionada pela crise que surgiu nos Balcãs com a eleição, a 7 de julho de 1877, de Fernando de Saxe-Coburgo (1861-1948) como príncipe da Bulgária (Ver o artigo «A Dupla Aliança e a Nova Liga dos Três Imperadores»). A Alemanha apoiou a Áustria-Hungria e Bismarck, para mostrar aos russos a desvantagem de se isolarem e, ainda mais, de se colocarem contra as potências da Aliança Dual, proibiu o Reichsbanck de transferir mais dinheiro para a Rússia. A primeira consequência deste ato seria a de paralisar o desenvolvimento da rede ferroviária da Rússia. A França aproveitou a ocasião para oferecer a sua colaboração financeira e foram iniciadas negociações entre o ministro russo das Finanças e os principais bancos franceses. Em novembro de 1888, foi assinado um acordo segundo o qual os bancos franceses emprestavam à Rússia 125 milhões de rublos. Mais tarde foram negociados e realizados novos empréstimos. O governo da República Francesa esperava utilizar a ajuda financeira para colocar a Rússia do seu lado.
Em agosto de 1890, no mesmo ano em que não foi renovado o Tratado de Resseguro, o general Raoul Le Mouton de Boisdeffre (1839-1919), subchefe do Estado-Maior francês, assistiu às manobras do exército russo. A sua estadia foi aproveitada para participar em várias reuniões com os chefes militares russos, onde falaram da possibilidade da criação de uma convenção militar entre os dois países. Ficou informalmente estabelecido, entre os Estados-Maiores da França e da Rússia, que os dois exércitos deviam agir em coordenação um com o outro caso um dos países fosse atacado. No ano seguinte, a Rússia encomendou armamentos à França. Os laços entre as duas potências estreitavam-se. Quando o presidente francês, Marie François Sadi Carnot (1837-1894), visitou São Petersburgo, em 1891, o czar condecorou-o com a Ordem de Santo André, uma das mais importantes condecorações russas. Os Franceses estavam ansiosos por assinarem uma aliança com a Rússia, mas o czar continuava a hesitar. A questão económica que permitira uma primeira aproximação entre os dois países iria servir então para a França pressionar a Rússia: o governo francês influenciou o banco Rothschild para que este não concedesse qualquer empréstimo à Rússia enquanto esta não assinasse um acordo com a França.
A 6 de maio de 1891, a Tríplice Aliança foi renovada por doze anos. Também nesse ano, o governo russo tomou conhecimento dos Acordos do Mediterrâneo que ligavam o Reino Unido à Itália e à Áustria-Hungria, potências da Tríplice Aliança. O governo russo considerou a possibilidade de o Reino Unido se juntar à Tríplice Aliança. Desta forma, a Rússia seria obrigada a sustentar uma guerra em várias frentes: a ocidente contra a Alemanha e a Áustria, provavelmente contra a Turquia nas costas do Mar Negro e no Cáucaso, e contra o Reino Unido na Ásia Central, onde colidiam interesses russos e britânicos. A Rússia estava isolada e a melhor forma de combater esse isolamento era uma aproximação à França.
Em julho de 1891, Guilherme II da Alemanha visitou Londres, numa tentativa de trazer o Reino Unido para a Tríplice Aliança, diligência em que não obteve os resultados desejados. No dia 23 desse mês, uma frota francesa sob comando do almirante Alfred Gervais (1837-1921), chegou a Kronstadt, cidade russa no Golfo da Finlândia. A frota francesa foi recebida com entusiasmo. Numa cerimónia, em honra dos oficiais franceses, a orquestra russa tocou o hino nacional francês, a Marselhesa. Num sistema autocrata como o que existia na Rússia, tocar o hino revolucionário adotado em 1795 para a Primeira República Francesa era um sinal inequívoco da vontade de realizar a aproximação à França.
Apesar de destas manifestações de amizade entre franceses e russos, foi preciso esperar mais um ano para que fosse assinado um documento que comprometia as duas potências. Antes da chagada da esquadra francesa a Kronstadt, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Nicolay Giers (1820-1895), convidou o embaixador da França, Paul Lefebvre de Laboulaye (1833-1905), e preparou com ele as negociações para um entendimento entre os dois governos. O primeiro acordo foi conseguido a 27 de agosto de 1891. Tratava-se de um acordo secreto que era apenas um acordo de princípio. Por que é que não foram mais longe quando convinha à Rússia que esse acordo estivesse concluído na eventualidade de um conflito com o Reino Unido na Ásia Central? O governo russo temia encorajar a França a tentar reconquistar os territórios da Alsácia-Lorena perdidos há vinte anos. O acordo estabelecia apenas a obrigação de uma das potências consultar a outra caso ocorresse alguma ameaça. Nenhuma das potências garantia à outra, de forma formal, qualquer apoio armado.
Enquanto eram dados estes passos de aproximação entre a França e a Rússia, o governo russo continuava a acalentar a esperança de uma reaproximação à Alemanha. Alexandre III da Rússia encontrou-se com Guilherme II em Kiel, no atual Estado alemão de Schleswig-Holstein. O encontro não foi favorável a Alexandre III e, a partir daí, o czar pareceu ter ficado realmente convencido que a desejada aproximação era impossível. A imprensa francesa criticava a indecisão russa e só no verão de 1882 o czar decidiu avançar com as negociações com os franceses. O general Boisdeffre deslocou-se à Rússia para negociar com o general Nikolai Obruchev (1830-1904) um acordo militar. No dia 18 de agosto de 1892, foi assinada a Convenção Militar Franco-Russa.
Nos termos deste acordo, estava previsto que a Rússia ajudaria a França com 800.000 homens no caso de esta ser atacada pela Alemanha ou pela Itália; que a ajuda francesa seria de 1.300.000 homens se a Rússia fosse atacada pela Alemanha ou pela Áustria-Hungria apoiada pela Alemanha; que uma mobilização, mesmo que parcial, de uma das potências da Tríplice, teria como resposta a mobilização geral na França e na Rússia; que, em caso de guerra, uma das partes não faria a paz separadamente. Por fim, estabelecia-se que o acordo seria absolutamente secreto e teria a mesma duração que a Tríplice Aliança. Este acordo foi assinado pelos generais Boisdeffre e Obrutchev.
O acordo entre a França e a Rússia, assinado pelos dois generais, devia ser ratificada para entrar em vigor. Esta ratificação dependia, na Rússia autocrática, do próprio czar; na França republicana, do Parlamento. Esta era, no entanto, uma convenção secreta, pelo que, em França, a convenção seria ratificada pelo governo. As respetivas ratificações só foram feitas em dezembro de 1893 pela Rússia e janeiro de 1894 pela França. Por que é que a ratificação demorou tanto tempo?
Subsistiam problemas em ambas as partes que levaram os respetivos governos a adiar a ratificação da convenção. Em França, o carácter secreto do tratado era considerado inconstitucional. Também existia uma cláusula que impunha à França a mobilização geral em caso de se registar uma mobilização mesmo que parcial na Áustria-Hungria e temia-se que a França fosse arrastada para uma guerra europeia devido a alguma questão que podia ser confinada aos Balcãs. Por seu lado, a Rússia mostrou-se apreensiva com uma ligação tão estreita a um país onde a grande notícia era um escândalo de corrupção de grandes dimensões, o "Escândalo do Panamá". Este caso de corrupção, descoberto em 1892, estava ligado à construção do Canal do Panamá, envolvendo não só a Companhia Universal do Canal Interoceânico do Panamá, que tinha sido fundada em 1879 pelo engenheiro Ferdinand de Lesseps, mas também altos funcionários do Estado e alguns políticos.
A Rússia insistiu nas suas tentativas de manter os laços com a Alemanha. O filho do czar, o czarevitch Nicolau, o futuro Nicolau II (1868-1918), deslocou-se a Berlim em janeiro de 1893 e insistiu na necessidade de a Alemanha apoiar uma «coligação contra a França». Em abril foi Giers, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, que apresentou propostas ao governo alemão para uma reaproximação entre os dois impérios. O governo alemão, no entanto, manteve-se de tal forma inflexível que nem aceitou participar em negociações de carácter comercial. Dando como certa uma ligação entre a Rússia e a França, o Governo alemão impôs taxas elevadas às mercadorias provenientes da Rússia e apresentou um orçamento para aumento das despesas militares, antecipando uma guerra em duas frentes. Esta atitude dos alemães e a necessidade que o governo russo tinha de obter financiamento tiveram como consequência a decisão definitiva do czar. Em 1893, entre os dias 13 e 29 de outubro, uma esquadra russa deslocou-se até Toulon e teve uma receção calorosa. Mesmo sem conhecimento da convenção, que era secreta, a multidão sentia a aproximação entre os dois países.
No dia 27 de dezembro de 1893, o czar Alexandre III da Rússia ratificou o Acordo Franco-Russo de 17 de agosto de 1892. O governo francês tomou a mesma atitude a 4 de janeiro de 1894. A partir desta última data, o Acordo Franco-Russo entrou em vigor como um tratado de aliança entre a França e a Rússia. Este facto não teve como única consequência quebrar o isolamento diplomático da França. Também colocou a Alemanha na perspetiva de uma guerra em duas frentes. As alterações que se verificaram posteriormente – a aproximação franco-italiana, a aproximação do Reino Unido, primeiro à França, depois à Rússia – não só não eliminaram a situação desconfortável em que a Alemanha ficou com Tratado Franco-Russo como ainda a agravaram.
Texto do Tratado franco-russo em “THE AVALON PROJECT” da Yale Law School, EUA, (http://avalon.law.yale.edu/19th_century/frrumil.asp)
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