sexta-feira, 4 de abril de 2025

Os Tratados de Santo Estêvão e de Berlim

Após o armistício de 31 de janeiro de 1878, foram negociadas as condições da paz entre a Rússia e a Turquia. Essas condições ficaram expressas num tratado assinado a 3 de março de 1878, em San Stefano (atualmente Yeşilköy), na margem europeia do Mar de Mármara. O Tratado de San Stefano foi, assim, um acordo bilateral entre o Império Russo e o Império Otomano, no qual se estabelecem uma série de decisões relativamente a territórios que se encontravam inteiramente sujeitos ou, no mínimo, sob suserania otomana, tanto nos Balcãs como na região do Cáucaso, Chipre, fronteira com a Pérsia e sobre os Estreitos do Bósforo e Dardanelos. [Texto completo do tratado (em inglês) em «The Preliminary Treaty of Peace, signed at San Stefano», https://pages.uoregon.edu/kimball/1878mr17.SanStef.trt.htm]


As decisões mais controversas do Tratado de San Stefano foram as que respeitavam à Bulgária. O tratado estipulava a criação do Principado da Bulgária, tributário do Império Otomano, com um governo cristão (artigo VI). Ficava também estabelecido que o Príncipe da Bulgária seria livremente eleito pelo povo e confirmado pelo Governo Otomano (artigo VII). O exército otomano não permaneceria na Bulgária já que o artigo VI previa também a criação de uma milícia (artigo VIII) para «preservar a ordem, segurança e tranquilidade.» O efetivo desta milícia e os recursos a atribuir-lhe seriam posteriormente negociados entre a Rússia e o Império Otomano. Enquanto essa milícia não estava criada, previa-se a manutenção de uma força russa de ocupação com um efetivo não superior a 50.000 homens. Esta força, que deveria retirar num prazo de dois anos. A Bulgária pagaria um tributo ao Império Otomano (artigo IX) e a Turquia mantinha o direito de atravessar o território da Bulgária para manter a ligação e intervir nos seus territórios que ficavam para lá da Bulgária, já que este principado separava em duas partes os territórios otomanos na Península (artigo X).

As condições estabelecidas neste tratado eram, assim, muito favoráveis à Rússia. A criação de uma Grande Bulgária independente proporcionava à Rússia uma vasta zona em que faria sentir intensamente a sua influência nos Balcãs. Não podendo ocupar Constantinopla devido à intervenção britânica, os russos tinham conseguido, neste tratado, posicionar-se vantajosamente para acederem ao Mar Egeu através da Bulgária. Esta solução não foi aceite pelos governos britânico e austríaco, que exigiram a revisão do Tratado de San Stefano, a ser feita por um congresso internacional. Tanto o Reino Unido como o Império Austro-Húngaro tomaram decisões para a eventualidade de ser necessário entrar em guerra com a Rússia, caso esta não aceitasse a revisão do tratado. No dia 4 de junho de 1878, o Reino Unido e a Turquia estabelecem uma aliança defensiva para assegurar, no futuro, os territórios turcos na Ásia. A Rússia, para não ficar isolada como tinha acontecido na Guerra da Crimeia (1853-1856), cedeu à pressão das outras Potências.

O local escolhido para a realização do congresso foi Berlim. Esta escolha mostra a importância que a Alemanha tinha adquirido na diplomacia internacional. Bismarck presidiu ao Congresso de Berlim com a principal preocupação de manter a paz entre os Impérios Russo e austro-húngaro. No final do Congresso, que decorreu de 13 de junho a 13 de julho de 1878, tinham sido aprovadas uma série de alterações às cláusulas do Tratado de San Stefano. O acordo entre as Potências ficou expresso no Tratado de Berlim que veio substituir o Tratado de San Stefano.


Os primeiros doze artigos do Tratado de Berlim (1878) eram dedicados à Bulgária que, tal como previsto no tratado anterior, passou a ser um principado autónomo e tributário sob suserania do Sultão. No entanto, o território da Bulgária, tal como foi definido em Berlim, era muito mais reduzido do que o que estava previsto anteriormente. A Macedónia ficou sob controlo direto do Sultão e a parte sul da Bulgária passou a formar uma nova província (artigo 13.º): «Uma província é formada a sul dos Balcãs que será designada como “Rumélia Oriental”, e permanecerá sob a autoridade política e militar direta de Sua Majestade Imperial, o Sultão, sob condições de autonomia administrativa. Terá um Governador-Geral cristão.» [Texto do Tratado de Berlim em HERTSLET, The Map of Europe by Treaty, Vol. IV, 1875 to 1891, 1891, pp. 2759-2799]

Nos artigos seguintes, tratava-se da administração de Creta (artigo XXIII) e definia-se a mediação, se necessário, para o acerto de fronteiras com a Grécia (artigo XXIV). «As Províncias da Bósnia e Herzegovina serão ocupadas e administradas pela Áustria-Hungria» (artigo XXV). A 28 de julho foi publicada uma proclamação destinada aos habitantes da Bósnia e Herzegovina sobre a entrada das tropas austríacas no território, o que começou no dia seguinte. «A independência do Montenegro é reconhecida pela Sublime Porta e por todas as Altas Partes Contratantes que ainda não o tinham admitido» (artigo XXVI). O Principado do Montenegro viu as suas fronteiras substancialmente alargadas, mas muito aquém do que tinha sido definido em San Stefano. Foi reconhecida a independência do Principado da Sérvia (artigo XXXIV) com alterações territoriais ao que tinha sido estabelecido no tratado anterior. A independência da Roménia também foi reconhecida (artigo XLIII). A Rússia ganhou parte da Bessarábia e alguns territórios na fronteira do Cáucaso, menos que o previsto em San Stefano.

O Tratado de Berlim não resolveu o problema dos Balcãs. Os novos Estados balcânicos não estavam satisfeitos com as decisões tomadas: a Roménia ressentiu-se da perda da Bessarábia do Sul a favor da Rússia; a Sérvia viu goradas as suas intenções de englobar os povos eslavos da Bósnia-Herzegovina que ficavam agora sob domínio austro-húngaro; a Bulgária porque perdeu a parte sul para a formação da Rumélia Oriental. Por outro lado, o Império Otomano sofreu uma humilhação por perder parte do seu território e também por ser obrigado a garantir a proteção das minorias cristãs, nomeadamente os Arménios, e a adotar reformas internas por imposição externa. Ficou claro que a integridade do Império Otomano, tão cara aos Britânicos, tinha os dias contados. No entanto, foi a reação da Rússia que mais inquietação causou a Bismarck. A Rússia teve de renunciar à criação de uma Grande Bulgária, onde exerceria uma forte influência, e a parte dos territórios conquistados na fronteira asiática com a Turquia. O Governo Russo acusou a Alemanha de favorecer a Áustria-Hungria. Apesar dos esforços desenvolvidos por Bismarck para manter o equilíbrio entre as duas Potências interessadas nos Balcãs, a Rússia rompeu os acordos de 1873, pondo fim ao primeiro sistema de alianças de Bismarck.


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