No ano 639, os Àrabes apoderaram-se do Egito e estabeleceram aí a sua base para a conquista do Norte de África. Em 1517, o Egito foi conquistado pelos Turcos Otomanos, mas, apesar disso, o seu governo continuou nas mãos dos antigos governantes. O governo do Egito dispunha de grande independência, mas era parte do Império Otomano. Foi esta situação que os Franceses encontraram quando se realizou a Campanha do Egito sob o comando do General Bonaparte em 1798. Três anos mais tarde, as tropas francesas foram expulsas por um exército turco e uma força expedicionária britânica. Os militares franceses e britânicos saíram do Egito após estabelecida a paz. No entanto, cidadãos e empresas de ambos os países, especialmente franceses, permaneceram e ali desenvolveram os seus interesses. O projeto de construção do Canal de Suez foi um projeto francês.
Localização do Egito. Imagem disponível em Wikimedia Commons.
A ligação do Mediterrâneo ao Mar Vermelho por um canal não era uma ideia nova. Na Antiguidade foi escavado um canal que ligava o Rio Nilo ao Mar Vermelho. Esse canal, que ao longo dos séculos sofreu muitas alterações, só foi abandonado no século VIII quando o Egito se encontrava sob domínio árabe. No século XVI, a ideia da construção do canal foi retomada pelos Venezianos que sentiam os efeitos da concorrência dos Portugueses após a descoberta do caminho marítimo para a Índia. O projeto não foi realizado, mas a ideia voltou a ser levantada pelos Franceses quando se realizou a Campanha do Egito (1798-1801). Mais tarde, este projeto mereceu a atenção de Méhémet-Ali (1769-1849), wali do Egito entre 1805 e 1848. Em 1846 foi criada uma sociedade para efetuar os estudos necessários à construção do canal. O Canal de Suez foi construído entre 1859 e 1869, pela Compagnie universelle du canal maritime de Suez de Ferdinand de Lesseps (1805-1894), segundo os planos aprovados pela “Comissão Internacional para a perfuração do Istmo de Suez”.
Os Britânicos, para quem o canal encurtava as viagens entre a Grã-Bretanha e a Índia, levantaram algumas objeções à sua construção porque seria controlado pelos franceses. A rota do Canal de Suez permitia encurtar o percurso em mais de 8.000 km. Esta questão provocou sérios atritos nas relações anglo-francesas. Os Britânicos utilizaram toda a sua influência para interromper as obras, mas, graças ao apoio de Napoleão III, o canal foi terminado em 1867, embora a sua inauguração só fosse feita em 17 de novembro de 1869.
Em 1834, tinha sido estabelecida uma ligação ferroviária regular entre Alexandria e Suez. Ao fazer a viagem entre a Grã-Bretanha e a Índia utilizando esta via-férrea, não se demorava mais que quarenta dias em vez dos cinco meses necessários para um veleiro percorrer a rota do cabo. Para assegurar aquela rota, com um percurso ferroviário pelo meio, os Britânicos ocuparam os pontos estratégicos formados pelo arquipélago de Socotorá (no Oceano Índico, perto do nordeste africano) e o porto de Aden, no atual Iémen). Aberto o Canal de Suez, estes pontos continuavam a ser importantes para o controlo da rota da Índia, mas esta colocava os portos de Marselha e Génova muito mais próximos do Extremo-Oriente que Londres ou Liverpool. Uma força militar francesa estava muito mais próximo da Índia que uma força militar britânica. Por um lado, aprofundava-se a influência francesa no Egito que procurava afastar-se ou, pelo menos, enfraquecer a sua ligação o Império Otomano.
Após a abertura do Canal de Suez, a companhia que fazia a sua gestão atravessou dificuldades financeiras. Como consequência, várias obras do canal só foram concluídas em 1871. O tráfego no canal foi mais baixo que o esperado nos primeiros dois anos. As companhias de navegação demoraram a alterar as suas rotas. Por outro lado, grande parte da navegação daquela época ainda era feita por veleiros. Ora, a travessia do canal só podia ser feita por navios a vapor devido ao problema dos ventos. Também foi necessário ajustar algumas normas e as tarifas a aplicar. Estas questões só foram resolvidas pelo protocolo de 18 de dezembro de 1873 estabelecido pela Comissão de Constantinopla.
O Egito encontrava-se num processo de modernização que era, em grande parte, conseguida à custa de empréstimos externos. O Egito, dependia politicamente do Império Otomano e financeiramente da Europa. Os Europeus, especialmente os Franceses e os Britânicos, tinham interesses financeiros no Egito que estavam ligados aos empréstimos do Estado egípcio, não só para a construção do Canal de Suez, mas também para numerosas outras obras. O Egito, na década de 1860, dispunha de 4.000 km de via-férrea, 32.000 km de canais e 30.000 km de cabo telegráfico e o porto de Alexandria foi modernizado. Estes melhoramentos contribuíram para o aumento da produção e das exportações do Egito e para o aproximar da Europa, mas a dívida tinha crescido a níveis demasiado elevados. O Egito tinha contribuído com oito milhões de libras para a construção do Canal de Suez e, em contrapartida, devia receber 15% dos benefícios anuais. Os acionistas que tinham contribuído com uma soma idêntica deviam receber 75% dos benefícios. Em 1871, as ações que inicialmente foram adquiridas por 500 francos não valiam mais que 208. Quatro anos mais tarde (1875), confirmou-se a impossibilidade de o Egito cumprir com as obrigações da dívida, que tinha sido constituída sob condições consideradas escandalosas: 12 a 13% de juro; em alguns casos chegou aos 27%.
Em 1870/1871 tinha havido guerra na Europa. A França foi derrotada na Guerra Franco-Prussiana e a Alemanha concluiu a sua unificação. Com a França enfraquecida, a Grã-Bretanha ganhou espaço de manobra para controlar o Canal de Suez. Apesar da oposição inicial à sua construção, os Britânicos preocuparam-se com a sua utilização, que garantia um acesso muito mais rápido à Índia. Os problemas financeiros do Egito ofereceram a oportunidade. O Quediva do Egito pretendeu vender as ações do governo egípcio à Companhia do Canal. Os Franceses recusaram devido às dificuldades financeiras que então atravessavam e aos interesses que detinham na Companhia do Canal de Suez. O primeiro-ministro britânico, Benjamin Disraeli (1804-1881), aproveitou a oportunidade e o seu governo comprou em 1875, através dos Rothschild, as ações do Quediva, isto é, do governo egípcio, por 4.000.000 £. O Reino Unido não adquiriu a maioria das acções, mas tornou-se o maior dos acionistas. O Quediva tinha obtido 180.000 ações das 400.000 emitidas pela Companhia que geria o canal. Apesar disto, a companhia nunca perdeu o seu carácter francês, manteve a sede em Paris e, até à segunda metade do século XX, continuou a chamar-se Compagnie Universelle du Canal Maritime de Suez.
Desde que os Britânicos adquiriram as ações do Canal de Suez, tornaram-se, com a França, uma das potências europeias que maiores interesses detinham naquele país. O dinheiro pago pelo Reino Unido não resolveu de forma nenhuma os problemas financeiros do Egito que, a 8 de abril de 1876, entrou na situação de bancarrota. O Quediva apresentou duas propostas aos seus credores. A primeira proposta previa a criação de uma Caixa da dívida pública internacional composta por representantes do Reino Unido, da França, da Itália e da Áustria, encarregue de regular as dívidas do Estado egípcio, e a segunda, previa consolidar a dívida total calculada em 91.000.000 £ e reembolsá-la a uma taxa de 7%. As propostas foram recusadas e foi enviada uma missão financeira ao Egito que, sob orientação dos representantes da França e do Reino Unido apresentaram as propostas transformadas em decreto de 18 de novembro de 1876: foi criada uma Caixa da Dívida sob controlo francês e britânico, embora estivessem presentes representantes da Áustria-Hungria; foram nomeados dois controladores financeiros europeus, um para as receitas e outro para as despesas. Foram aumentados consideravelmente os impostos.
O dinheiro que entrava na Caixa da Dívida não era suficiente para garantir o cumprimento das suas obrigações perante os credores. Em 1878, foi decidido que os ministros das Finanças e das Obras Públicas, ambos europeus, respondiam perante os credores e não perante o Governo egípcio. Estes ministros tentaram controlar as despesas pela redução de salários, o que originou, em fevereiro de 1879, uma manifestação de desagrado do Exército egípcio. O Quediva reagiu nomeando um novo governo e estabelecendo um novo plano para regularizar as dívidas do Egito. Estas medidas não agradaram aos credores, a maioria dos quais eram franceses. A França tinha influência no Império Otomano e, a 26 de junho de 1879, o sultão otomano demitiu o Quediva do Egito, Ismail Paxá (1831-1895). Sucedeu-lhe o seu filho, Mohamed Tewfik Paxá (1852-1892). O controlo financeiro anglo-francês foi retomado em setembro de 1879, com a nomeação de dois controladores – um francês e outro britânico - que tinham amplos poderes e respondiam perante os governos dos seus países. Foi criada uma comissão internacional para tratar o problema da dívida e, a 17 de julho de 1880, foi publicada a “lei da Liquidação” que visava regular a situação financeira do Egito. Das receitas obtidas, o Estado egípcio apenas recebia o que era estritamente necessário para o seu funcionamento. Tudo o resto era destinado à liquidação da dívida. Esta lei só podia ser alterada com o consentimento das potências credoras.
A demissão de Ismail Paxá provocou o aparecimento de um sentimento nacionalista que se manifestou em oposição às potências europeias que exerciam o seu domínio na região. Desenvolveu-se um movimento contestatário composto por várias fações com abordagens diferentes: os que pretendiam aprofundar a aproximação ao ocidente, que podia fornecer os recursos necessários ao desenvolvimento do Egito, e os que pretendiam uma renovação espiritual, um retorno à mensagem dos Islão. Em 1881, os oficiais do exército, liderados pelo coronel Ahamed 'Urabi (1841-1911), um homem de grande carácter, apoderaram-se do poder. Obrigaram o Quediva Tewfik a demitir o ministro da guerra e a um nomear um dos oficiais revoltosos no seu lugar. Fizeram outras exigências, entre elas que fossem os egípcios a governar efetivamente o país. O que se verificou, foi que os movimentos de contestação criaram um vazio do poder. Os militares egípcios mostraram ser capazes de fazer oposição ao regime, mas não de criar uma política. Os interesses franceses e britânicos foram ameaçados e essa situação conduziu a uma intervenção militar.
A intervenção otomana parecia ser a consequência lógica destes acontecimentos, mas os Franceses queriam evitar que a autoridade turca fosse restabelecida no Egito, pois constituiria uma ameaça ao protetorado francês sobre a Tunísia. Os Franceses queriam, no entanto, salvaguardar a cooperação anglo-francesa no Egito. Assim, a 8 de janeiro de 1882, a França e a Inglaterra publicaram uma declaração comum em que consideravam a continuação do governo do Quediva como essencial para o bom funcionamento das instituições e da economia do Egito e que ambas as potências combateriam os inimigos do Quediva. Este documento foi encarado no Egito como uma declaração de guerra. Os militares e a fação nacionalista uniram-se. O Quediva viu-se forçado nomear um governo nacionalista (5 de fevereiro). A 29 de maio, o coronel Ahamed 'Urabi assumiu poderes ditatoriais. Muitos Europeus começaram a abandonar Alexandria, onde se tinham instalado os revoltosos. Por outro lado, os Egípcios começaram a construir fortificações no porto de Alexandria.
O captain (capitão de mar e guerra) Edward Hobart Seymour (1840-1929), comandante do couraçado HMS Inflexible que, integrado na frota do Mediterrâneo, vigiava a costa egípcia, propôs que as fortificações fossem bombardeadas porque constituíam uma ameaça para os navios que deviam apoiar os europeus que ali residiam ou que dali pretendiam sair. Os Franceses, que também tinham ali alguns navios da sua frota do Mediterrâneo, não concordaram com esta proposta porque a ação constituiria um ato de guerra. O primeiro-ministro Charles de Freycinet (1828-1923) mandou retirar os navios franceses. Os Britânicos permaneceram com uma força de oito couraçados e uma dúzia de canhoneiras e o bombardeamento das fortificações começou a 11 de julho de 1882. Alguns dias mais tarde, os Britânicos desembarcaram 25.000 homens sob o comando de Sir Garnet Wolsely (1833-1913), a fim de restabelecerem a ordem. Esta força expedicionária incorporava, além das tropas da Grã-Bretanha, guarnições britânicas do Mediterrâneo e da Índia. No entanto, não bastava repor a ordem em Alexandria. Era necessário garantir a segurança do Canal de Suez. O Reino Unido convidou a França a participar na força que devia defender o canal. Charles de Freycinet concordou, mas esta não foi a posição do Parlamento que se opôs e recusou os recursos financeiros necessários. No dia 29 de julho de 1882, Freycinet demitiu-se e o Reino Unido prosseguiu isolado. A demonstrar a importância da região (do canal) para os britânicos está o facto de para ali terem sido enviadas unidades da Brigade of Guards e da Household Cavalry, unidades de elite, raramente utilizadas nos territórios ultramarinos.
No dia 13 de setembro de 1882, ao amanhecer, os Britânicos lançaram um ataque de surpresa sobre as forças egípcias, constituídas por cerca de 38.000 homens e 60 bocas de fogo de artilharia sob o comando de Ahamed 'Urabi, instaladas ao longo da via-férrea e de um canal na região de Tell el-Kebir. As tropas egípcias, conforme os testemunhos de oficiais britânicos, mantiveram-se firmes e combateram com bravura, mas os seus oficiais foram os primeiros a fugir. Derrotados, retiraram em desordem e sofreram cerca de 2.000 mortos e 500 feridos. Os Britânicos tiveram baixas muito inferiores: 58 mortos, 379 feridos e 22 desaparecidos. A resistência popular ao avanço das tropas britânicas foi fraca e, dois dias mais tarde, as forças britânicas ocuparam o Cairo. 'Urabi foi capturado e exilado em Ceilão. Regressou ao Egito em 1901. O Egito, embora formalmente permanecesse um domínio do Império Otomano, manteve-se controlado pelos Britânicos através dos cônsules gerais do Império Britânico no Egito, até 1919. Após a batalha de Tell el-Kebir, permaneceu no Egito uma força militar britânica de 10.000 homens. No ano de 1882, ano em que se estabeleceu a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália), terminava o “condomínio” anglo-francês no Egito.
A Grã-Bretanha, onde nem todos viam como vantajosa uma política imperialista, não desejava apoderar-se do Egito. No entanto, tinha criado um problema ao agir sem a França e ao intervir militarmente: por um lado, tinha terminado o condomínio franco-britânico e ficou isolada no controlo do território; por outro lado, tinha afastado o movimento nacionalista durante algum tempo, mas não existia um poder que garantisse a segurança dos interesses internacionais. A solução estava em encontrar forma de sair do Egito e, simultaneamente, salvaguardar os seus interesses na região, ou seja, garantir a segurança do Canal de Suez. Os Franceses, os principais credores do Egito, embora não tivessem participado na ação militar que permitiu aos Britânicos controlar o território, utilizavam o emaranhado de acordos financeiros que governavam a dívida do Egito para dificultar as reformas que os Britânicos ali pretendiam implementar. O movimento nacionalista foi reprimido, mas não eliminado e constituía sempre um perigo para os interesses britânicos no Canal de Suez. Os Franceses, a fim de minarem a posição britânica, tentavam negociar com os Turcos. O resultado deste clima de insegurança foi o de os Britânicos firmarem ainda mais a sua posição no Egito em defesa dos seus interesses. Embora informalmente, o Egito passou a ser um protetorado britânico.
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