A aproximação entre a França e o Reino Unido foi possível devido a duas circunstâncias. Em primeiro lugar, perante a posição firme do Governo britânico, a França mandou retirar de Fachoda a expedição de Marchand, mas obteve, com as conversações que se seguiram e conduziram à Convenção de 20 de março de 1899, o reconhecimento da sua esfera de influência no Sahara Oriental, a região de Bahr el-Ghazal, no Chade e sul do Sudão. Desta forma, a retirada de Marchand não teve um carácter de humilhação para a França. Em segundo lugar, atendendo a que a França contava apenas com o apoio diplomático da Rússia, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Théophile Delcassé (1852-1923) assumiu esta pasta com a firme determinação de acabar com as dificuldades que existiam no relacionamento com o Reino Unido e com a Itália. Neste último caso, o resultado foi o acordo secreto estabelecido a 1 de novembro de 1902.
Em 1903, o Rei Eduardo VII (1841-1910), rei do Reino Unido desde 22 de janeiro de 1901, visitou a França. A sua simpatia pela causa francesa causou excelente impressão e, alguns meses mais tarde, foi a vez do Presidente francês, Émile Loubet (1838-1929), visitar a Grã-Bretanha. Seguiram-se encontros dos ministros dos negócios estrangeiros de ambos os países, Henry Charles Keith Petty-Fitzmaurice, 5º Marquês de Lansdowne (1845-1927), e Delcassé, que iniciaram conversações para estabelecerem uma possível aliança. Foi conseguido um acordo, assinado a 8 de abril de 1904. Este acordo consistia em três documentos, todos eles respeitantes a territórios ultramarinos, de França e do Reino Unido, com diferentes estatutos.
O primeiro documento, o mais importante, intitulava-se "Declaração entre o Reino Unido e a França respeitante ao Egipto e a Marrocos, com os Artigos Secretos assinados na mesma altura". Trata-se de um texto dividido em nove artigos e assinado pelos respetivos representantes: Lansdowne por parte do Reino Unido e Paul Cambon (1843-1924) por parte da França. O Artigo I contém uma declaração dos Governos britânico e francês respeitante ao Egipto:
«O Governo de Sua Majestade Britânica declara que não tem intenção de alterar o status político do Egito.
Por seu lado, o Governo da República Francesa declara que não causará obstrução à ação da Grã-Bretanha naquele país […]»
Este artigo contém ainda algumas salvaguardas respeitantes a interesses do Egito e da França. O Artigo II, de forma idêntica, contém duas declarações respeitantes a Marrocos:
«O Governo da República Francesa declara que não tem intenção de alterar o status político de Marrocos.
Por seu lado, o Governo de Sua Majestade Britânica reconhece que pertence à França, com a particularidade de ser uma Potência limítrofe de Marrocos numa vasta distância, garantir a tranquilidade nesse país, e prestar assistência em todas as reformas administrativas, económicas, financeiras e militares que ele tenha necessidade.»
Os restantes artigos contêm disposições quanto à utilização dos portos, comércio, tratamento concedido aos funcionários de cada uma das Potências no Egipto e em Marrocos, livre passagem no Canal de Suez e no Estreito de Gibraltar, e quanto à aplicação do Acordo.
Também fazia parte deste documento um anexo mantido secreto, que continha cinco artigos e respeitava também ao Egipto e a Marrocos, à possibilidade de uma das Potências ser forçada pelas circunstâncias a alterar a sua política relativamente a algum daqueles territórios, e à possibilidade de atribuir responsabilidades territoriais a Espanha, na costa norte de Marrocos.
Ver o texto do acordo de 8 de abril de 1904 e respetivos artigos secretos em WWI Document Archive > Official Papers > The Entente Cordiale Between The United Kingdom and France (https://wwi.lib.byu.edu/index.php/The_Entente_Cordiale_Between_The_United_Kingdom_and_France)
O segundo documento era uma Convenção, também assinada a 8 de abril de 1904, entre a França e o Reino Unido, que respeitava à Terra Nova (Newfoundland) na América do Norte, Canadá, e aos territórios da África Central e Ocidental. O Artigo I estabelecia que «a França renuncia aos privilégios estabelecidos em seu favor pelo artigo XIII do Tratado de Utrecht e confirmados ou modificados por disposições posteriores.» Os artigos seguintes tratavam da demarcação do ajustamento de fronteiras nos territórios da Senegâmbia (região da África Ocidental situada entre o Rio Senegal a norte e o Rio Gâmbia a sul), a costa da atual Guiné-Conacri, a região da atual Nigéria e do Lago Chade. O terceiro documento respeitava a Madagáscar, ao Sião (na Península da Indochina) e ao arquipélago das Novas Hébridas (Oceano Pacífico).
Este acordo ficou conhecido pouco mais tarde como Entente Cordiale. Foi bem-aceite na Grã-Bretanha, com pequenas exceções. Já em França, parte importante dos deputados consideraram que o Reino Unido tirava maiores vantagens do acordo que a França. Seja como for, o acordo foi ratificado e constituiu mais um passo fundamental para reforçar os laços que quebravam a situação de isolamento em que a França se encontrou até estabelecer a aliança com a Rússia. No entanto, «em 1904 este acordo era não mais do que pretendia ser – uma liquidação de rivalidades coloniais. Não era per se dirigida contra a Alemanha».
Formalmente, tratava-se de um acordo colonial em que o Reino Unido abandonou a sua posição de fiel da “balança do poder” para se colocar mais próximo de um dos blocos de alianças. O acordo, para além da liquidação das questões coloniais, inaugurou um período de bom relacionamento entre o Reino Unido e a França. Esse bom entendimento poderia ser reforçado com a pressão que a França estaria em condições de exercer sobre a Rússia, o que, no caso do Reino Unido, poderia pelo menos atenuar alguns desentendimentos que existiam entre as duas Potências na Ásia Central.
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