segunda-feira, 28 de abril de 2025

O Telegrama Kruger

Bismarck abandonou o poder a 20 de março de 1890. A Alemanha definiu uma política mundial (Weltpolitik), destinada a aumentar a sua influência no cenário internacional. O Tratado de Resseguro com a Rússia (1887) não foi renovado e, como consequência, a França e a Rússia aproximaram-se e estabeleceram uma aliança (1894). A aliança entre a França e a Rússia colocava a Alemanha numa posição difícil porque tornava muito provável uma guerra em duas frentes. Contudo, a partir daquele ano e até 1905, a Rússia foi absorvida pelos acontecimentos no Extremo Oriente, o que dificultou a cooperação com a França. No entanto, a Alemanha explorou ao máximo todas as oportunidades para mostrar que o seu apoio era necessário a estas Potências. Foi o que sucedeu com o apoio à França em 1894, em África, na questão da delimitação do Estado Livre do Congo, ou em 1895, quando apoiou a França e a Rússia que exigiam que o Japão renunciasse a ganhos territoriais resultantes da guerra com a China. Com o Reino Unido, apesar de algumas tentativas para uma aproximação, a Alemanha, com a sua diplomacia um tanto errante, criou situações de conflito.

A estabilidade obtida na Europa permitiu às principais Potências desenvolverem políticas de expansão, especialmente em África e no Extremo Oriente. Apesar das rivalidades existentes, a Alemanha e o Reino Unido assinaram, a 1 de julho de 1890, o Tratado de Zanzibar-Heligolândia, favorável ao Reino Unido na África Oriental e à Alemanha no Mar do Norte. Contudo, a 3 de janeiro de 1896 um acontecimento mostrou a fragilidade e a tensão das relações entre as duas Potências: o chamado “telegrama Kruger”. Na África do Sul, os Bóeres e os Britânicos enfrentaram-se em guerras declaradas por duas vezes. A Primeira Guerra dos Bóeres decorreu entre 20 de dezembro de 1880 e 23 de março de 1881 e terminou com a derrota das forças britânicas. A Segunda Guerra dos Bóeres decorreu entre 11 de outubro de 1899 e 31 de maio de 1902 e, ao contrário da primeira, terminou com uma vitória britânica. Entre estas duas guerras, continuaram a registar-se confrontos entre as forças bóeres e britânicas.


Stephanus Johannes Paulus (Paul) Kruger, presidente da República do Transval, entre 9 de Maio de 1883 e 31 de Maio de 1902  (https://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Kruger#/media/File:KrugerPaulusJohannes.jpg)

Em 1857, os Bóeres – descendentes dos colonos oriundos dos Países Baixos, da Alemanha e da Dinamarca - tinham proclamado a República da África do Sul, normalmente referida como Transval, com capital em Pretoria. Entre 1883 e 1902, foi seu presidente Stephanus Johannes Paulus Kruger (1825-1904), geralmente conhecido como Paul Kruger. O Transval é hoje uma região da África do Sul conhecida pela sua riqueza em diamantes e ouro descobertos em 1868 e 1898, respetivamente. Além da república do Transval, existia outro Estado Bóer, o estado Livre de Orange. Existiram outros Estados Bóeres que foram sendo anexados pela Colónia do Cabo. Sob a liderança de Benjamin Disraeli (1804-1881), primeiro-ministro britânico entre 20 de fevereiro de 1874 e 21 de abril de 1880, o Governo britânico ambicionou criar uma federação na África Austral na qual estariam incluídas todas as repúblicas bóeres. A quase totalidade das repúblicas foi anexada sem grande resistência. A República do Transval enfrentou os Britânicos na sua expansão na África do Sul.

A revolta dos Bóeres do Transval, sob a liderança de Paul Kruger, deu origem à Primeira Guerra dos Bóeres (1880-1881). Esta guerra nunca absorveu grandes efetivos. Das batalhas que foram travadas entre as forças bóeres e britânicas, só na Batalha de Laing's Nek (28 janeiro 1881) cada uma das forças empenhou mais de mil homens. Numa guerra deste tipo, em que a força militar bóer, constituída por uma milícia que formava grupos chamados “comandos”, era conhecedora do terreno e muito móvel, os Britânicos necessitavam de uma força muito superior àquela de que dispunham na região para dominarem os insurretos. Após quatro batalhas perdidas, William Ewart Gladstone (1809-1898), o primeiro-ministro britânico desde 23 de abril de 1880, compreendeu que para continuar o conflito seria necessário enviar avultados reforços de tropas e equipamentos. Sendo assim, optou por um gesto conciliatório e foi estabelecido um armistício a 6 de março de 1881. No dia 23 de março, foi assinado um Tratado de Paz provisório que tomaria a forma definitiva com a Convenção de Pretoria, assinada a 3 de agosto [Texto da Convenção de Pretoria em https://en.wikisource.org/wiki/Pretoria_Convention]. Esta Convenção sofreu algumas alterações e foi substituída em 1884 pela Convenção de Londres [Texto da Convenção de Londres em https://en.wikisource.org/wiki/London_Convention]. Estava garantida a independência do Transval.


Cecil Rhodes, primeiro-ministro da Colónia do Cabo entre 17 de julho de 1890 e 12 de janeiro de 1896   (https://en.wikipedia.org/wiki/Cecil_Rhodes#/media/File:CecilRhodes.jpg)

Apesar das disposições das convenções assinadas em 1881 e 1884, existiam conflitos de interesses entre a Colónia do Cabo e o Transval, conflitos que poderiam pôr em causa a paz estabelecida. O rico território do Transval era alvo da cobiça do homem que presidia aos destinos políticos da Colónia do Cabo, Cecil John Rhodes (1853-1902). Rhodes tinha criado uma sociedade diamantífera, a De Beers Company, em 1874. Mais tarde, em 1889, criou uma companhia destinada a obter a exploração das jazidas de diamantes no Noroeste do Transval (região que se tornou mais tarde na Rodésia do Sul, hoje Zimbabwe. Também dirigiu no Transval uma sociedade mineira dedicada à exploração do ouro, a Gold Fields of South Africa. Foi este homem de negócios que o Governo britânico nomeou primeiro-ministro da Colónia do Cabo, cargo que assumiu a 17 de julho de 1890. Nestas novas funções, criando uma profunda promiscuidade entre política e negócios, ainda podia contar com a proteção do Governo britânico.

O projeto de anexação das colónias bóeres continuava de pé. Cecil Rhodes estava convencido que tinha o apoio dos numerosos estrangeiros residentes no Transval (Uitlanders) e não teve escrúpulos em organizar uma revolta que deveria proporcionar a anexação do Transval pela Colónia do Cabo. Entre 29 de dezembro de 1895 e 2 de janeiro de 1896, Leander Starr Jameson (1853-1917), da British South Africa Company (BSAC), com uma força formada por elementos da BSAC e da polícia do Protetorado da Bechuanalândia, invadiram a República do Transval com a intenção de provocar a esperada insurreição dos Uitlanders. Esta ação fracassou, não se verificou nenhuma insurreição e Jameson e os seus homens foram aprisionados e conduzidos para Pretoria.

A Alemanha teve mostrou sempre uma grande simpatia pela República do Transval onde exercia uma forte influência e encorajava as aspirações Bóeres. Cerca de quinze mil alemães tinham-se instalado no Transval após a descoberta de ouro em 1886. Empresas alemãs estabeleceram filiais em Pretoria. Uma linha de caminho de ferro que ligava Pretoria ao Oceano Índico, em Moçambique, estava a ser construída com maioria de capital alemão. Quando o resultado do “Jameson raid” foi conhecido em Berlim, o kaiser Guilherme II enviou um telegrama a Paul Kruger, com o seguinte texto:

«Expresso os meus sinceros parabéns porque, apoiado pelo seu povo e sem solicitar a ajuda de Potências amigas, obteve sucesso pela sua enérgica ação contra os bandos armados que invadiram o vosso país e perturbaram a paz e por ter sido capaz de restaurar a paz e defender a independência do país contra os ataques lançados do exterior.»

 Pau Kruger respondeu a este telegrama da seguinte forma:

«Expresso a Vossa Majestade a minha mais profunda gratidão pelas felicitações de Vossa Majestade. Com a ajuda de Deus esperamos continuar a fazer tudo o que for possível pela existência da República.»

Na Alemanha, a opinião pública apoiou o telegrama do Kaiser, mas alguns órgãos de comunicação social deixaram claro que se tratava de uma derrota para o Reino Unido. Foi o caso do Allgemeine Zeitung de Munique que falava do «prazer universal sobre a derrota dos Ingleses». Friedrich von Holstein (1837-1909), que servia no Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão e defendia um entendimento com o Reino Unido, escreveu em 1907, já afastado do serviço: «A Inglaterra, aquela rica e plácida nação, foi empurrada para a sua atual atitude defensiva relativamente à Alemanha por contínuas ameaças e insultos por parte dos Alemães. O telegrama Kruger foi o primeiro deles.» De facto, para os britânicos, o telegrama significava que a Alemanha aprovava a independência do Transval. Além disso, a expressão “Potências amigas” utilizada no telegrama do Kaiser foi interpretada como uma indicação de que a Alemanha estaria disposta a apoiar militarmente o Transval.

Mapa histórico da República da África do Sul, Transvaal. Imagem original em http://www.africa-turismo.com/africa-do-sul/mapa-historico.htm

De facto, a 30 de dezembro de 1895, o cônsul alemão em Pretoria, F. von Herff, telegrafou para Berlim a pedir o desembarque das forças militares embarcadas em navios alemães fundeados na Baía de Lourenço Marques (hoje Baía de Maputo, e na época conhecida por Delagoa-Bucht - em alemão - ou Delagoa Bay - em inglês) para serem transportadas por comboio para Johannesburg a fim de protegerem os súbditos alemães e a sua propriedade. No dia seguinte, 31 de dezembro, o embaixador alemão em Londres, Conde Paul von Hatzfeldt (1831-1901), questionou oficialmente o Governo britânico sobre se tinha aprovado o “Jameson raid”. A resposta foi negativa e Salisbury garantiu que estavam a ser tomadas todas as medidas para pôr termo àquela ação. Hatzfeldt tinha instruções para, em caso de resposta afirmativa, solicitar o seu passaporte e cortar relações diplomáticas. Em Berlim, o embaixador britânico, Sir Frank Cavendish Lascelles (1841-1920), declarou que a força sob comando de Leander Jamson era uma força rebelde a quem já tinha sido dado ordem para retirar do Transval.

Na sequência do “telegrama Kruger” houve uma troca de correspondência entre Guilherme II, Imperador da Alemanha, e a rainha Vitória, sua avó. Numa carta escrita a 8 de janeiro de 1896, Guilherme II afirmava que «nunca o Telegrama foi concebido como um passo contra a Inglaterra ou o seu Governo.» Em 1897, na Grã-Bretanha, foi formada uma comissão nas Câmara dos Comuns que, durante cinco meses, averiguou o envolvimento de Cecil John Rhodes e Joseph Chamberlain (1836-1914), o Secretário de Estado para as colónias. Esta comissão concluiu que seria impossível Chamberlain ter tido conhecimento antecipado da operação no Transval. No entanto, foram capturados documentos que provavam a cumplicidade de Cecil Rhodes.

A tensão entre a Alemanha e o Reino Unido atingiu um grau de perigosidade de que muitos não se terão apercebido. Lord Salisbury afirmou que o “Jameson Raid” foi uma ação insensata, mas que o “Telegrama Kruger” foi ainda mais tolo e que a guerra teria sido inevitável assim que o primeiro soldado alemão tivesse entrado no Transval e, nesse caso, o conflito daria origem a uma guerra europeia generalizada. Em todo este processo, assim como em muitas outras questões, a opinião pública teve sempre um grande peso nas decisões dos governantes. Disse ainda Lord Salisbury que «nenhum governo em Inglaterra poderia ter resistido à pressão da opinião pública.» Os Ingleses viram o “Jameson Raid” como uma ação destinada a defender os interesses britânicos e, por isso, ficaram surpreendidos com o teor do Telegrama Kruger. Esta questão revelou uma animosidade anglo-alemã até aí escondida pois era convicção geral que o Império Alemão, governado pelo neto mais velho da Rainha Vitória, era um dos amigos de Inglaterra. Afinal, o Tratado de Heligolândia–Zanzibar (1890) tinha sido concluído com facilidade e tinham sido feitas várias tentativas de aproximação entre as duas Potências. Após a questão do Telegrama Kruger, passou a ser a Alemanha, e não a França, a ser olhada como um potencial antagonista.


domingo, 27 de abril de 2025

O "Explêndido Isolamento" britânico

A estratégia adotada pelo Reino Unido relativamente às demais Potências europeias caracterizava-se por uma participação no sistema europeu reduzida ao mínimo possível. Os Britânicos referiam-se ao seu país como o fiel da balança da Europa impedindo que qualquer coligação de Potências se tornasse dominante. O carácter insular da Grã-Bretanha conferia-lhe uma grande vantagem defensiva porque qualquer inimigo só podia atacar as Ilhas Britânicas atravessando o mar. Para o fazer, a potência agressora teria de possuir recursos navais suficientes para manter afastada a marinha de guerra britânica, a Royal Navy, e transportar a força invasora.

O Exército Britânico era o mais pequeno entre os exércitos das Grandes Potências europeias. Apenas em 1905 foi registada uma força superior a 200.000 homens. Nesta data, a Alemanha dispunha de um exército três vezes mais numeroso. Qualquer uma das Grandes Potências ou, mais ainda, qualquer coligação delas dispunha de uma força terrestre muito mais numerosa que a força britânica. No entanto, enquanto o Reino Unido mantinha um sistema de voluntariado que lhe conferia um elevado grau de profissionalismo, as restantes Grandes Potências formavam os seus exércitos à custa de sistemas de serviço militar obrigatório, com duração limitada, mas que lhes proporcionava um número elevado de reservistas que podiam ser rapidamente mobilizados e atualizados para o cumprimento das suas obrigações militares.

No que respeita aos recursos navais, a situação era inversa da que se passava com os recursos terrestres. O Reino Unido dispunha da maior armada do mundo. Só assim podia impedir que alguma força inimiga desembarcasse nas Ilhas Britânicas, e só com o seu grande poder naval podia garantir a segurança das rotas marítimas para os vastos domínios do seu Império. Quando comparamos o poder naval das Grandes Potências da época, constatamos que a força naval britânica, avaliada em tonelagem, é sempre superior às outras duas maiores forças navais então existentes e que essa tendência se acentuou ao longo dos anos apesar do enorme esforço de construção naval feito pela Alemanha.

 

Tabela 1 - Tonelagem do poder naval

1880

1890

1900

1910

1914

Reino Unido

650.000

679.000

1.065.000

2.174.000

2.714.000

França

271.000

319.000

499.000

725.000

900.000

Rússia

200.000

180.000

383.000

401.000

679.000

Estados Unidos da América

169.000

240.000

333.000

824.000

985.000

Itália

100.000

242.000

245.000

327.000

498.000

Alemanha

88.000

190.000

285.000

964.000

1.305.000

Áustria-Hungria

60.000

66.000

87.000

210.000

372.000

Japão

15.000

41.000

187.000

496.000

700.000

 

O que acima foi dito sobre os exércitos, não teve em linha de conta as tropas coloniais. Os Franceses dispuseram de tropas africanas de diversas origens. O Reino Unido contava com as numerosas tropas indianas e as bem preparadas forças australianas, neozelandesas e canadianas. A África do Sul, após a resolução dos seus problemas com o Reino Unido, também forneceu forças militares importantes.

Da mesma forma, a dimensão da marinha britânica procurava estar ajustada não apenas à defesa da Grã-Bretanha, mas também à manutenção do Império que cada vez mais se encontrava sob pressão das outras Potências. Kissinger explica-nos que «embora a França, a Alemanha e a Rússia estivessem frequentemente em conflito umas com as outras no Continente, elas sempre entraram em confronto com a Grã-Bretanha no ultramar. Apesar de a Grã-Bretanha possuir não só a Índia, Canadá e uma vasta porção de África, ainda insistia em dominar vastos territórios que, por razões estratégicas, desejava impedir que caíssem nas mãos de outra Potência embora não procurasse controlar diretamente esses territórios. […] Essas áreas incluíam o Golfo Pérsico, a China, a Turquia e Marrocos. Durante a década de 1890, a Grã-Bretanha viu-se envolvida em confrontos sem fim com a Rússia no Afeganistão, à volta dos Estreitos e no Norte da China, e com a França no Egipto e em Marrocos.»

Convinha, assim, ao Reino Unido que não se formasse uma coligação de outras potências que pusesse em perigo um equilíbrio que lhe era favorável. Era este isolamento que lhe permitia ser o fiel da balança do equilíbrio europeu e, em alguns casos, noutras partes do mundo. Historicamente, esta tem sido uma característica predominante nas relações internacionais. Um exemplo clássico é o Tratado de Vestfália (1648), que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos e estabeleceu princípios para manter a paz na Europa através de um equilíbrio de poder. No final do século XIX, a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália) e Aliança Franco-Russa foram formadas para equilibrar o poder entre as nações europeias. O Reino Unido defendeu sempre a França contra a Alemanha e a Rússia, depois dos acordos 1907, mas esses acordos, tanto com a Rússia como com a França, não tomaram uma forma mais vinculativa que uma Entente. Ao fazê-lo, o Reino Unido esperava continuar a manter a sua posição de fiel da balança do equilíbrio europeu, embora a política alemã após a saída de Bismarck, tornassem a política britânicas mais defensiva relativamente à Alemanha.

A Conferência de Algeciras 1906

Do ponto de vista geopolítico, Marrocos assumia um papel importante pelo que permitia exercer sobre o tráfego marítimo entre o Mediterrâneo e o Atlântico especialmente nas proximidades do Estreito de Gibraltar. Foi esta importância estratégica que se tornou alvo do interesse das principais Potências europeias. Não era um interesse novo. As movimentações diplomáticas entre as Potências europeias exercerem influência sobre o território marroquino e ganharem vantagens comerciais já tinha conduzido, em 1880, à Conferência de Madrid (19 de maio – 3 de julho). A Convenção e os protocolos anexos podem ser consultados em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k9600646b.texteImage#. No segundo parágrafo da Convenção encontramos os objetivos da Conferência:

Ayant reconnu la nécessité d établir sur des bases fixes et uniformes l'exercice du droit de protection au Maroc, et de régler certaines questions qui s'y rattachent, ont nommé pour leurs Plénipotentiaires à la Conférence qui s'est réunie à cet effet à Madrid, …

A Conferência estabeleceu, assim, uma base legal para que as diversas Potências pudessem explorar comercialmente e exercer influência sobre Marrocos. O acordo expresso na Convenção e Protocolos pressupunha igualdade de direitos entre as Potências. Contudo, as rivalidades comerciais e estratégicas entre essas Potências acabaram por criar um clima de instabilidade política e social. As Potências ocidentais dominantes influenciaram o Sultão no sentido de promover reformas que, pelo seu carácter ocidentalizante, geraram reações negativas dos líderes tradicionais e das tribos locais, criando um cenário de fraqueza do poder central e desordem social. Esta situação ofereceu às Potências ocidentais com maiores interesses uma oportunidade para intervirem e fortalecerem a sua presença em Marrocos.

Paralelamente, as rivalidades entre as grandes potências europeias também configuraram um terreno propício para a crise. A recente formação da Entente Cordiale, em 1904, que alinhava os interesses da França e da Grã-Bretanha, bem como os acontecimentos anteriores que terminaram em acordos diplomáticos ou tratados, mostravam a reorganização em curso dos blocos e alianças no cenário europeu. A Alemanha, que pretendia reafirmar a sua influência, opôs-se às tentativas francesas de estabelecer um protetorado sobre Marrocos e passou a apoiar a ideia da sua independência. Este ambiente de instabilidade e descontentamento culminou com a visita do Kaiser Guilherme II a Marrocos em 1905. Esta visita foi entendida como um gesto de desafio ao domínio franco-britânico. Foi neste contexto que deflagrou a Primeira Crise de Marroquina (março de 1905) e colocou a Europa à beira de uma guerra.

O Chanceler da Alemanha, Bernhard von Bülow queria impedir a França de transformar Marrocos num protetorado e destruir a Entente Cordiale. Para atingir estes objetivos, era necessário internacionalizar a questão de Marrocos. A Alemanha propôs, por isso, uma conferência internacional sobre Marrocos e, para forçar o Governo francês a aceitá-la, o embaixador alemão em Paris, no dia 10 de junho de 1905, tinha deixado claro que «se a França tentar alterar por qualquer forma o status de Marrocos, a Alemanha apoiará o Sultão com todas as suas forças.» Na realidade, o Chanceler alemão sabia que a opinião pública alemã não aceitaria uma guerra por causa de Marrocos. A 28 de setembro, a França e a Alemanha chegaram a acordo sobre a agenda da conferência.

Na sua preparação, foi considerada a possibilidade de realizar a conferência em Madrid ou em Tânger. A instabilidade vivida em Marrocos desaconselhou Tânger e Madrid era a capital de uma das Potências interessadas. Foi escolhida Algeciras, uma cidade portuária no sul de Espanha, localizada perto de Gibraltar, que se encontrava a meia distância entre Madrid e Rabat. A Conferência decorreu entre 16 de janeiro e 7 de abril de 1906 e teve como objetivo encontrar uma solução para a denominada “Primeira Crise de Marrocos” (1905). Estiveram presentes representantes da Alemanha, Áustria-Hungria, Reino Unido, França, Rússia, Espanha, Estados Unidos da América, Itália, Marrocos, Holanda, Suécia, Portugal e Bélgica.

A conferência foi realizada em 18 sessões, durante as quais duas grandes questões estiveram na ordem do dia: a criação de um banco internacional em Marrocos e a organização da polícia nas principais cidades portuárias. O controlo da polícia era particularmente importante porque permitia controlar Marrocos. Por esta razão, os Alemães insistiram que a força de polícia devia ser internacionalizada, mas os Franceses opuseram-se e preferiram apoiar uma polícia marroquina. No dia 1 de março, enquanto decorria a conferência, as frotas britânicas do Mediterrâneo e do Atlântico, vinte couraçados, dúzias de cruzadores e de contratorpedeiros, quase centena e meia de navios, numa forte demonstração de poder naval, aproximaram-se do porto de Gibraltar. Os delegados na Conferência foram convidados a jantar a bordo do navio almirante, o HMS King Edward VII.

Em Algeciras, a Alemanha obteve o contrário do que pretendia. Em vez de destruir a Entente Cordiale, provocou uma maior aproximação entre a França e o Reino Unido. A Entente Cordiale foi reforçada. Na Alemanha, a atitude da opinião pública e do Reichstag foi de desânimo, o que não impediu Bülow de defender a sua política. «O tratado pode não nos ter dado tudo o que desejávamos», mas «representa o essencial do que nos tínhamos esforçado por obter. Reafirmou a soberania do Sultão… a França não obteve o protetorado que desejava… permanecemos inabaláveis em defesa do princípio de Porta Aberta… a tentativa para nos excluírem de uma grande decisão internacional foi frustrada com sucesso.»

A Ata Geral da Conferência de Algeciras estava dividida em seis capítulos que englobavam cento e vinte e três artigos [Texto completo, em francês em https://web.archive.org/web/20150919070809/http:/www.historicaltextarchive.com/print.php?action=section&artid=28]:

  • Uma declaração relativa à organização da polícia;
  • Um Regulamento respeitante à vigilância e repressão do contrabando de armas;
  • Uma Ata de Concessão de um Banco do Estado Marroquino;
  • Uma declaração respeitante a um melhor desempenho do sistema fiscal e à criação de novas receitas
  • Um Regulamento sobre as Alfândegas do Império e a repressão da fraude e do contrabando;
  • Uma Declaração relativa aos Serviços Públicos e aos Trabalhos Públicos.

A polícia ficou colocada sob a autoridade do Sultão (Artigo 2), mas a Espanha e a França iriam disponibilizar oficiais e sargentos instrutores (Artigo 3) e eles deveriam «assegurar a instrução e a disciplina, em conformidade com o Regulamento que será estabelecido sobre a matéria; verificarão de igual forma para que os homens alistados possuam aptidão para o serviço militar. De uma forma geral, eles deverão supervisar a administração das tropas» (Artigo 4). Para o desempenho destas funções seria necessária a presença de 16 a 20 oficiais e 30 a 40 sargentos franceses e espanhóis (Artigo 5) todos pagos pelo Tesouro de Marrocos (Artigo 6). A Inspeção Geral da Polícia ficaria a cargo de um oficial superior do Exército Suíço (Artigo 7). «O quadro de Instrutores da Polícia Chérifienne (oficiais e sargentos) será espanhol em Tétuan, misto em Tânger, espanhol em Larache, francês em Rabat, misto em Casablanca e francês nos outros três portos» (Artigo 12).

O segundo ponto importante a tratar na Conferência ficou expresso no Capítulo III: «Será instituído em Marrocos um banco com o nome de “Banco do Estado de Marrocos”, para exercer os direitos a seguir especificados, cuja concessão será outorgada por Sua Majestade o Sultão, durante um período de quarenta anos a partir da ratificação da presente Ata» (Artigo 31) e este banco «desempenhará, com exclusão de qualquer outro banco ou estabelecimento de crédito, as funções de Trésorier-Payeur do Império» (Artigo 33). «O capital inicial do banco será dividido em tantas partes iguais quantas as partes interessadas entre as Potências representadas na Conferência e, para isso, cada Potência designará um Banco, que exercerá, seja para si ou para um grupo de bancos, o direito de subscrição especificado acima, bem como o direito de nomeação dos Administradores» (Artigo 56).

A segurança e as finanças marroquinas ficavam inteiramente dependentes das outras Potências. Os Franceses não conseguiram ter uma influência preponderante no banco cuja criação estava a ser preparada, mas puderam exercer uma influência determinante sobre a organização da polícia nos portos de Marrocos.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

A Primeira Crise de Marrocos 1905

«Marrocos será para nós um objeto de compensação. Quantos mais interesses ali criarmos, mais essa compensação será necessária.» Com estas palavras, Bismarck punha em evidência uma das razões que o levaram a alterar a sua atitude relativamente a uma política colonial. A Alemanha, tal como outras Potências europeias, desenvolveu atividades económicas em Marrocos, mas sem que tenham atingido uma grande relevância. A partir de 1904, com a criação da Entente Cordiale, a questão de Marrocos tornou-se para os alemães numa questão essencialmente política. Desde a sua unificação (1871), a Alemanha tornara-se uma Potência incontornável nas questões europeias e não estava disposta a abdicar desse estatuto.

Após a saída de Bismarck (1890), com a política mundial (Weltpolitik) adotada por Guilherme II e os seus governos, a Alemanha tinha necessidade de se afirmar nas questões internacionais – não apenas europeias - especialmente aquelas em que outras Potências europeias se encontravam envolvidas. A França e outras Potências não podiam tomar decisões sobre Marrocos sem consultarem a Alemanha. Esta posição era consensual na Alemanha, mas o mesmo não se passava quanto à perspetiva das consequências dessa tomada de posição. A questão marroquina tinha, por esta razão, um alcance que ia muito além do território de Marrocos e havia o perigo de, a partir daí, surgir um conflito franco-alemão, ou seja, uma guerra europeia que certamente escaparia aos limites europeus, alastrando por todos os continentes onde as Potências europeias defendiam os seus interesses. Isto podia suceder apesar de o chanceler alemão, Bernhard Heinrich Martin Karl von Bülow (1849-1929), chanceler entre 1900 e 1909, anunciar que do ponto de vista da Alemanha não era desejável que a França e o Reino Unido mantivessem boas relações a fim de preservar a paz no mundo, o que a Alemanha sinceramente desejava.

Mapa de Marrocos. Imagem original em http://www.africa-turismo.com/marrocos/mapa.htm

Para o Governo alemão, era necessário provocar o afastamento do ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Délcassé, por duas razões. Em primeiro lugar porque ele, hostil relativamente à Alemanha e partidário de uma ligação mais íntima com o Reino Unido, teve um papel fundamental na construção da Entente Cordiale, ou seja, concluiu um acordo sobre Marrocos sem que a Alemanha tivesse sido consultada. De igual forma, conseguiu os acordos com a Itália [Ver o texto «06 - A Aliança Franco-Russa e a Aproximação Franco-Italiana»] e com a Espanha que, a 6 de outubro de 1904, tinha estabelecido um acordo secreto com a França. A troco de apoio na política marroquina, a Espanha beneficiaria de concessões territoriais no Norte e no Sul de Marrocos. Em segundo lugar, porque existia a possibilidade de a França desempenhar um papel importante na mediação do conflito entre a Rússia e o Japão. «Se a mediação fosse bem-sucedida, a França desempenharia um papel de primeiro plano na política mundial e poderia até colocar-se à cabeça de uma “Quádrupla Aliança” composta pela França, Reino Unido, Rússia e Japão.»

Com estas perspetivas, a diplomacia alemã agiu para dividir a França e seus aliados. Ao Reino Unido procurou mostrar o perigo de uma aliança com a França porque tal implicaria arrastar os britânicos para uma guerra no Continente europeu, precisamente a situação que o Governo Britânico tinha procurado evitar com a sua atitude de isolamento. Friedrich August Karl Ferdinand Julius von Holstein (1837-1909), a “eminência parda” do Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, acreditava que a ligação entre o Reino Unido e a França não passava de uma amizade “platónica” e que o Reino Unido não apoiaria a França. A Rússia, por seu lado, encontrava-se neutralizada por duas questões: uma interna, a Revolução Russa de 1905, e outra externa, a Guerra Russo-Japonesa (8 fevereiro 1904 – 5 setembro 1905). Nestas condições, a Rússia não conseguia cumprir com as suas obrigações previstas na Aliança Franco-Russa de 1892. Neste caso, o Imperador e o Governo alemão procuraram demonstrar a Nicolau II o pouco apoio que a França lhe dava.

No dia 31 de março de 1905, o vapor alemão “Hamburg” que percorria o Mediterrâneo e transportava o Imperador Guilherme II, dirigiu-se para Tânger. O Imperador desembarcou e teve uma receção calorosa. Encontrou-se com o representante francês em Tânger e com o tio do Sultão. O Imperador não fez nenhuma declaração pública, mas o secretário da delegação alemã coligiu as declarações que Guilherme II fez em círculos mais restritos e apresentou essa coletânea como uma declaração do Imperador da Alemanha. Nessa “declaração”, o Imperador pronunciou-se a favor de um sistema de “porta aberta” e também contra os monopólios e contra a anexação de Marrocos. O conteúdo da declaração produziu efeito, especialmente em França. Ficava claro que a Alemanha não aceitava as ambições francesas sobre Marrocos. Sem ter sido consultada, em especial quando foi construído o acordo de 1904 entre a França e o Reino Unido, a Alemanha fazia agora uma demonstração de força diplomática. Se a França prosseguisse com os seus planos, arriscava enfrentar também a força militar alemã.

Entrada do Imperador Guilherme II em Tânger, a 31 de Março de 1905, em https://fr.wikipedia.org/wiki/Crise_de_Tanger#/media/Fichier:Guglielmo_II_a_Tangeri_(1905).jpg

Délcassé considerava que a Alemanha fazia bluff e que o Reino Unido era um aliado absolutamente seguro. Henry Charles Keith Petty-Fitzmaurice, 5.º Marquês de Lansdowne (1845-1927), Secretary of State for Foreign Affairs, não previra que o acordo franco-britânico pudesse conduzir a um conflito com a Alemanha. O Governo britânico definiu que o caminho a seguir era dar à França todo o apoio dentro dos termos do acordo e, simultaneamente, tentar encontrar forma de satisfazer a Alemanha. Mas esta parecia querer nada menos que a destruição da Entente Cordiale. A atitude alemã foi vista pela comunicação social britânica não como a defesa dos seus legítimos interesses económicos, mas como um ataque à Entente. Em França a generalidade das pessoas tinha a mesma visão dos acontecimentos. Neste ambiente em que a ameaça de guerra estava sempre presente, sucediam-se as declarações dos responsáveis políticos sobre a vontade de manter a paz. «Nenhuma pessoa sã em Inglaterra deseja ter um conflito ou uma guerra com a Alemanha», dizia Arthur James Balfour (1848-1930), primeiro-ministro do Reino Unido, ao embaixador alemão em Londres. No entanto, Edward Grey (1862-1933), Secretary of State for Foreign Affairs (10 dezembro 1905 – 10 dezembro 1916), avisou o embaixador alemão de que, no caso de a Alemanha atacar a França devido à questão de Marrocos, nenhum Governo britânico poderia permanecer neutral. Num memorando de 19 de fevereiro de 1906, Edward Grey explicava os seus motivos: «Os Estados Unidos desprezar-nos-iam, a Rússia pensaria que não valia a pena fazer um acordo amigável connosco sobre a Ásia, o Japão preparar-se-ia para se ressegurar noutro lado, seríamos deixados sem um amigo e sem o poder de fazer um amigo, e a Alemanha tiraria alguma satisfação, depois do que se passou, explorando bem a situação para nossa desvantagem.» Bullow escrevia nas suas memórias: «Não era meu desejo que fizéssemos guerra à França. Não a queria naquele momento, nem a quis mais tarde.»

O Governo francês compreendeu que a diplomacia de Déclassé podia ter consequências desastrosas para a França. Maurice Rouvier (1842-1911), presidente do Conselho de Ministros francês entre 24 janeiro 1905 e 12 março 1906, decidiu, com o apoio da maioria dos seus ministros, seguir um caminho diferente. Aliás, o próprio “grupo colonial” (os defensores da expansão colonial) deixou também de apoiar Délcassé porque considerava que para manter uma política colonial ativa e canalizar para aí parte importante dos seus recursos implicava manter boas relações com a Alemanha. Délcassé deixou de ter apoios para prosseguir a sua política. Por outro lado, Rouvier tomou conhecimento pelas chefias militares do estado de fraqueza, material e moral, em que se encontrava o Exército. No dia 26 de abril, numa reunião com o embaixador alemão, Hugo von Radolin (1841-1917), deu-lhe a entender que estava perto de demitir Délcassé, o que materializaria uma mudança de direção na política externa francesa. Um telegrama enviado por Radolin para Berlin foi intercetado pelos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês e Délcassé tomou conhecimento, dessa forma, das intenções de Rouvier. No conselho de ministros de 6 de junho de 1905, completamente isolado, Délcassé demitiu-se. Esta foi uma vitória da diplomacia alemã.

A política conciliadora de Rouvier, relativamente à Alemanha, correspondia à vontade dominante em França. Houve troca de correspondência sobre Marrocos entre as duas diplomacias e, no dia 8 de julho de 1905, foi aceite por ambas as partes a realização de uma conferência internacional destinada a regular a questão marroquina. O Governo francês definiu que as questões coloniais, de Marrocos ou outras, assim como as questões relativas aos interesses económicos, deviam ser regulados pacificamente mesmo com a Alemanha. Contudo, as relações franco alemãs tiveram novo momento de tensão quando a diplomacia alemã se esforçou por obter uma aliança com a Rússia.


A Guerra Russo-Japonesa 1904-1905

 A Guerra Russo-Japonesa começou a 8 de fevereiro de 1904 e terminou a 5 de setembro de 1905 com a derrota da Rússia. Esta guerra envolveu os teatros de operações da Manchúria, da Coreia e do Pacífico Norte. No início da guerra, o Japão era considerado um pequeno país, pouco conhecido no Ocidente, que tinha cometido a imprudência de desafiar a Rússia, uma das cinco Grandes Potências europeias. Depois da guerra, encontramos uma Rússia derrotada, humilhada, a braços com uma revolução interna, e um Japão vitorioso, embora com graves problemas financeiros causados pela guerra, uma Potência com grandes ambições imperialistas.

O Japão já tinha mostrado o seu valor militar ao derrotar a China na Primeira Guerra Sino-Japonesa (1 de agosto de 1894 a 17 de abril de 1895). Após esta guerra, a China e a Rússia estabeleceram uma aliança que garantia ao czar o direito de lançar uma linha férrea através da Manchúria que ligasse Vladivostok a Porto Artur e, assim, controlar uma extensa faixa de território chinês. Em 1898, a Rússia instalou uma base militar naval em Porto Artur. Com a frota russa estacionada em Porto Artur e o seu exército (russo) a ocupar a península de Liaotung, os japoneses tiveram a perceção de que seria uma questão de tempo até os russos avançarem para ocuparem a Península da Coreia. Sendo assim, começaram a melhorar o seu exército e a sua marinha de guerra.


Representação de um combate entre forças russas (à esquerda) e japonesas (à direita). Imagem original em https://ukiyo-e.org/image/mfa/sc131768


As forças navais japonesas eram superiores ao conjunto das forças navais que a Rússia dispunha na região. O poder naval da Rússia no Extremo Oriente consistia em 7 velhos navios de guerra, 9 cruzadores, 25 contratorpedeiros e cerca de 30 outras embarcações de menor dimensão. Em fevereiro de 1904, a frota principal encontrava-se em Porto Artur, dois cruzadores estavam em Chemulpo (Inchon) na Coreia e outros quatro em Vladivostok, imobilizados pelo gelo. A força naval japonesa consistia em 6 navios de guerra recentemente renovados, 8 cruzadores, 25 cruzadores ligeiros, 19 contratorpedeiros, 85 barcos torpedeiros e mais 16 embarcações de menor dimensão. A marinha japonesa tinha sido desenvolvida com o apoio de uma missão naval britânica e parte importante dos seus navios eram de origem britânica. O poder naval russo em 1900 (medido em tonelagem) era de 383.000 contra 187.000 do Japão, mas a Rússia tinha a sua marinha de guerra concentrada em quatro frotas: Frota do Báltico, Frota do Norte, Frota do Mar Negro e Frota do Pacífico.


Os efetivos disponíveis para o exército dependiam da população sobre a qual era feito o recrutamento. Em 1900, a Rússia tinha cerca de 135.600.000 de habitantes e o Japão não mais que 43.800.000. Em 1904 estes números eram superiores, mas com uma proporção semelhante. Apesar de terem uma população menos numerosa, os japoneses podiam rapidamente colocar no terreno as suas forças terrestres com um efetivo de 280.000 homens e podiam enviar um reforço de 400.000 reservistas bem treinados. No início da guerra os russos dispunham no Extremo Oriente 100 batalhões de infantaria, 30 baterias de artilharia e 75 esquadrões de cavalaria. Os Japoneses podiam empenhar de imediato 156 batalhões, 106 baterias e 54 esquadrões, sendo esta a arma em que se apresentavam mais fracos.



O problema dos japoneses era transportar as suas forças entre o Arquipélago Nipónico e o Continente Asiático e assegurar uma testa de ponto suficientemente ampla e segura para permitir o desembarque das suas unidades militares e garantir as operações logísticas necessárias. Para tal, seria necessário garantir a supremacia naval na região, o que exigia iniciativa e surpresa, condições que o Japão garantiu lançando um ataque seguido de um bloqueio à esquadra russa fundeada em Porto Artur sem previamente ter declarado guerra à Rússia. A declaração de guerra é uma prática que se tornou obrigatória nos termos da Convenção (III) relativa à Abertura das Hostilidades, Haia, 18 de outubro de 1907. Esta Convenção foi assinada pelo representante japonês, mas apenas foi ratificada a 13 de dezembro de 1911 [Texto completo em https://ihl-databases.icrc.org/ihl/INTRO/190?OpenDocument ou http://avalon.law.yale.edu/20th_century/hague03.asp. Visto em 2019-05-16].


Os Russos tinham um problema diferente: a extensão da sua linha de comunicações. O transporte de pessoal e dos abastecimentos para o exército russo no Extremo Oriente era feito por uma linha férrea, de via simples, com uma extensão de 8.850 km, entre Moscovo e Porto Artur. Os comboios tinham de esperar, em locais específicos da linha, pelos que transitavam em sentido oposto, o que tornava o trânsito lento e reduzia a capacidade de transporte desta infraestrutura. Estas dificuldades faziam com que o efetivo das forças militares russas no Extremo Oriente não ultrapassasse os 140.000 homens e mesmo assim o seu abastecimento seria feito com limitações.


No dia 8 de fevereiro de 1904, os japoneses lançaram um ataque naval de surpresa sobre a frota fundeada em Porto Artur e começaram o bloqueio do porto que durou até ao dia 2 de janeiro de 1905, quando a guarnição do porto se rendeu. Todas as tentativas feitas pelas tropas e marinha russas para romperem o bloqueio resultaram em fracasso. No segundo dia das hostilidades foram afundados dois navios russos ancorados no porto de Chemulpo (Inchon), na Coreia. Foi aí que desembarcaram as primeiras tropas japonesas (12.ª Divisão de Infantaria). Os Russos retiraram da Coreia e sofreram sucessivas derrotas na Manchúria. A Batalha de Mukden (21 de fevereiro a 10 de março de 1905) foi a última batalha terrestre travada entre as forças das duas Potências. Os Russos foram obrigados a recuar para não verem cortada a sua linha de comunicações, mas fizeram-no em boa ordem. Nesta altura, cada um dos contendores tinha no terreno mais de 300.000 homens.


A 27 de maio de 1905 foi travada a Batalha Naval de Tsushima, uma vitória decisiva do Japão. Os Japoneses perderam três torpedeiros, mas afundaram 21 navios russos. As baixas japonesas foram de 117 mortos e 583 feridos, mas os russos sofreram 4.380 mortos e viram capturados quase seis mil dos seus homens. Os Russos perderam nesta batalha parte da Frota do Báltico que tinha sido enviada para formar a Segunda Frota do Pacífico. O Japão, um pequeno país, pouco conhecido no Ocidente, tinha derrotado uma das cinco Grandes Potências europeias.


Almirante  Tōgō Heihachirō, comandante das forças navais japonesas na Batalha de Tushima [https://en.wikipedia.org/wiki/T%C5%8Dg%C5%8D_Heihachir%C5%8D#/media/File:Togo_Heihachiro_in_uniform.jpg]




Com crescentes dificuldades em continuar a guerra devido à contestação interna, a Rússia aceitou participar numa conferência em Portsmouth, New Hampshire, a fim de negociar com o Japão os termos da paz, com mediação do Presidente dos EUA, Theodore Roosevelt (1858-1919). O Japão, com dificuldades financeiras devido ao esforço de guerra, concordou em participar na conferência que decorreu de 9 a 29 de agosto de 1905. No dia 5 de setembro foi assinado o Tratado de Paz de Portsmouth. Foi reconhecida a conquista da Coreia pelo Japão, que também ganhou o controlo da Península de Liaotung e de Porto Artur, da metade sul da ilha de Sacalina e da linha férrea no sul da Manchúria que conduzia a Porto Artur que teve de ser abandonada pela Rússia.


O Governo do Czar aproximava-se do fim. A má gestão da guerra, tanto pelos governantes como pelos generais, o seu elevado custo em recursos humanos e financeiros, encorajou os movimentos radicais em Moscovo e São Petersburgo que começaram a defender uma revolução. A revolta de 1905, que o Governo russo suprimiu, lançou as bases da Revolução de 1917, também esta, lançada contra uma guerra que estava a ser perdida. Do lado do Japão, a vitória foi recebida com alguma crítica pela opinião pública que acreditava que o Japão merecia mais compensações de guerra, mas também incentivou a que fosse utilizado o poder militar para, na Manchúria ou outras regiões, fosse garantido o acesso a matérias-primas que a industrialização exigia e que não existiam no seu território.


Pela primeira vez na História Moderna, um país asiático derrotava uma Potência europeia. Em África, os italianos tinham sofrido uma humilhante derrota frente às tropas da Etiópia, na Batalha de Adwa, a 1 de março de 1896, mas os etíopes tinham uma superioridade numérica de 5 para 1. Mas o mais importante desta guerra é que ela constituiu uma antevisão do iria acontecer na Primeira Guerra Mundial. As frentes de batalha eram extensas, as batalhas prolongaram-se por alguns dias e foram amplamente utilizadas trincheiras, metralhadoras, morteiros, granadas, minas terrestres e navais, arame farpado, tiro indireto de artilharia, transmissões rádio e até atividades de uma verdadeira guerra eletrónica. Em ambos os lados existiam observadores ocidentais que reportaram para os seus exércitos o que puderam observar. Segundo estes observadores, o soldado russo era corajoso e com elevado espírito de sacrifício, mas os seus oficiais mostraram-se incapazes de desempenharem as funções para que tinham sido nomeados. Sobre os militares japoneses referiram a sua excelente preparação e o seu sentido do dever que atingia o nível do fanatismo.


A Aliança Anglo-Japonesa (1902)

Desde o início de 1871, quando se deu a unificação da Alemanha, Bismarck tinha mantido a Europa em paz, excluindo as questões dos Balcãs. Com a sua saída da cena política, em 1890, a política externa alemã foi profundamente alterada. O Tratado de Resseguro (1887) entre a Alemanha e a Rússia não foi renovado no mesmo ano em que Bismarck abandonou o cargo de Chanceler e a Rússia estabeleceu uma aliança com a França (1894). Embora se tratasse de uma aliança defensiva, permitiu à França sair do isolamento em que tinha sido colocada em 1871. Esta aliança entre a França e a Rússia causou apreensão à Alemanha e ao Reino Unido. À Alemanha, porque passava a enfrentar a possibilidade de uma guerra em duas frentes. Ao Reino Unido, porque era justamente com a França e com a Rússia que os seus interesses ultramarinos mais colidiam, em África e na Ásia Central. Até 1894 existia um único sistema de alianças, a Tríplice Aliança. Após esta data, quando se estabeleceu a Aliança Franco-Russa, foi criado um bloco que seria alargado com a Entente Cordiale em 1904.

Fora da Europa também se verificaram grandes mudanças, não só porque o domínio europeu continuou a estender-se em vários pontos do globo criando situações propiciadoras de um conflito entre as potências europeias, mas também porque os Estados Unidos da América e o Japão concorreram nessa expansão entrando no núcleo dos atores principais da cena mundial. No Extremo Oriente, à semelhança do que sucedia com o Império Otomano, o Império Chinês estava em franco declínio e era alvo de cobiça. O Reino Unido tomou a iniciativa, no que foi seguido por outras Potências, de obter concessões e estabelecimentos comerciais em Shangai e outras grandes cidades chinesas. Em breve, uma parte importante do comércio exterior da China era materializado por trocas comerciais com a Grã-Bretanha. Em 1900, o Reino Unido e a Alemanha concluíram um acordo pelo qual as duas Potências garantiam o princípio de “Porta Aberta” na China e a manutenção da integridade territorial do Império Chinês.


Ver a lista dos ex-enclaves estrangeiros na China em https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_ex-enclaves_estrangeiros_na_China




No Norte da China, A Rússia procurou assegurar um porto liberto do gelo de inverno e que servisse de terminal à Linha Transiberiana que tinha começado a ser construída em 1891. A posição estratégica da Rússia no Nordeste da Ásia ficaria muito fortalecida com o acesso a um porto sem gelo. Vladivostok era um bom porto com dois grandes inconvenientes: encontrava-se bloqueado pelo gelo durante três a quatro meses no ano e tinha saída para o Mar do Japão o que significava que podia ser facilmente controlado por uma potência adversária. Um porto mais a sul implicava controlar a Manchúria. No Sul da China, o Reino Unido tinha anexado a antiga Birmânia (hoje Myanmar) e a França tinha ocupado a Indochina, os territórios que hoje pertencem ao Vietnam, Laos e Camboja. Por outras palavras, a Rússia, a França e o Reino Unido dispunham de boas plataformas para invadirem a China. A Rússia era favorável à ocupação de vastas áreas da China e opunha-se à política comercial de Porta Aberta defendida pelo Reino Unido e pela Alemanha. O Japão via a Península da Coreia, então um Estado tributário da China, como uma plataforma a partir de onde poderia ser atacado pela Rússia, mas também uma testa de ponte para a aquisição de territórios no Continente asiático.


No início do século XX, as Potências europeias controlavam a quase totalidade de África. A expansão colonial de Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica, Itália e Alemanha abarcou vastos territórios africanos sob a forma de colónias ou protetorados. A Etiópia e Marrocos mantinham a sua independência, mas enquanto o primeiro país o tinha conseguido derrotando os italianos, o segundo estava cada vez mais dependente e manietado por aquelas Potências. No Médio Oriente, o Império otomano estava em declínio e a Rússia mantinha a ambição de controlar os Estreitos, situação impensável para o Reino Unido que estava disposto a tudo para garantir o controlo do Canal de Suez e a rota para a Índia. Na Ásia Central, o Reino Unido e a Rússia enfrentavam-se no conflito pela supremacia na região que ficou conhecido como “Grande Jogo”. A Europa estava em paz desde 1871, mas as Potências europeias defrontavam-se diplomática e, por vezes, militarmente em África e na Ásia pela manutenção ou alargamento dos impérios que ocupavam cerca de um quarto da superfície terrestre do globo. A economia global tinha atingido os territórios mais longínquos. Este «foi provavelmente o período da história do mundo moderno na qual os governantes que chamavam a si próprios "imperadores" ou que como tal eram designados por diplomatas ocidentais, atingiu o seu número máximo.»


A Aliança Anglo-Japonesa de 1902 foi firmada a 30 de janeiro, em Londres. Assinaram o tratado, o secretário britânico para os Negócios Estrangeiros, Henry Petty-Fitzmaurice (1845-1927), quinto marquês de Lansdowne (Lorde Lansdowne), e o ministro residente japonês Hayashi Tadasu (1850-1913). O tratado foi renovado e atualizado duas vezes, em 1905 e 1911.


A aliança entre o Reino Unido e o Japão começou a ser estudada em 1895, após a Primeira Guerra Sino-Japonesa (25 julho 1894 – 17 abril 1895). Esta guerra foi uma consequência da rivalidade entre as duas Potências sobre a influência na Coreia, um Estado semi-independente vassalo do Império Chinês. A intervenção japonesa na Coreia resultou num conflito com o Império Chinês. As sucessivas vitórias do Japão, em terra e no mar, obrigaram a China a negociar a paz. A 17 de abril de 1895 foi assinado o Tratado de Shimonoseki em que a China reconhecia a independência da Coreia, pagava uma avultada indemnização, abria vários portos à navegação e ao comércio japonês e cedia a Formosa (Taiwan), o Arquipélago dos Pescadores (Arquipélago de Penghu) e a Península de Liaotung ao Japão.


A vitória japonesa ficou a dever-se ao processo de industrialização e modernização adotado nas décadas precedentes. As forças armadas tinham sido modernizadas com o apoio das missões militares europeias. A vitória japonesa permitiu ao Japão afirmar-se como a Potência dominante na Ásia; uma Grande Potência regional. A China, pelo contrário, confirmou o declínio da dinastia reinante (Qing), a corrupção da administração e a incompetência dos sucessivos governos. Este estado de fraqueza em que se encontrava o regime na China foi aproveitado pelas Potências ocidentais para ali obterem mais concessões. Tal situação acabou por desenvolver entre a população chinesa sentimentos xenófobos já que identificavam com os estrangeiros e com as importações muitas vezes impostas o crescente desemprego e pobreza. Surgiram várias revoltas e a mais famosa delas foi a Revolta dos Bóxeres (1899-1901) que obrigou à intervenção de forças expedicionárias europeias, norte-americana e japonesa a fim de socorrerem as delegações diplomáticas em Pequim.


A Península de Liaotung era estrategicamente importante para as Potências que detinham interesses na região, principalmente pelas suas condições portuárias. A cedência da Península de Liaotung ao Japão, nas condições do Tratado de Shimonoseki, não agradou, por isso, à Rússia que desejava adquirir um porto liberto dos condicionamentos do inverno. A Alemanha, que também procurava estabelecer-se num porto na China, também se mostrou contrária às facilidades concedidas ao Japão. A França, aliada da Rússia, decidiu apoiar a sua aliada. Desta forma, «os assuntos do Extremo Oriente conduziram à formação de uma coligação na Ásia, formada por aquelas Potências europeias que se encontravam em lados opostos na Europa.»] Em março de 1897, a Rússia ocupou Porto Artur e transformou-o numa base naval. Em dezembro de 1897, uma frota russa ancorou em Porto Artur e a Rússia conseguiu forçar o Governo chinês a aceitar a Convenção para o Arrendamento da Península de Liaotung, também conhecida como o Acordo de Pavlov. Esta convenção, assinada a 27 de março de 1898, concedeu à Rússia a utilização de Porto Artur (Lüshun) como base naval e a ligação àquele porto por via-férrea.


O Reino Unido e o Japão mantinham boas relações diplomáticas e comerciais desde o século XVII. Apesar de alguns incidentes em que o Reino Unido fez prevalecer a sua força militar e naval, em 1854 as duas Potências assinaram o Tratado de Amizade Anglo-Japonês e, quatro anos mais tarde, o Tratado de Amizade e Comércio Anglo-Japonês. Em 1863 chegaram à Grã-Bretanha os primeiros alunos japoneses destinados a frequentarem as universidades britânicas e, em 1869, pela primeira vez, um príncipe europeu visitou o Japão. Este foi o caso da visita iniciada a 4 de setembro pelo Príncipe Alfred, Duque de Edimburgo, filho da Rainha Vitória. Em 1873, começou a funcionar no Japão, em Tóquio, o Colégio Imperial de Engenharia, dirigido por docentes britânicos e visando formar engenheiros japoneses em vários campos industriais e para se conseguir uma industrialização mais rápida e menos dependente dos técnicos estrangeiros. A 16 de julho de 1894, foi assinado o Tratado de Comércio e Navegação Anglo-Japonês.


Os tratados, acordos ou convenções estabelecidas com o Reino Unido não foram, naturalmente, caso único da diplomacia nipónica. Os Estados Unidos da América, a Rússia, a França, a Áustria-Hungria, a Prússia, alguns países da América Latina, também estabeleceram tratados com o Japão. Portugal estabeleceu um Tratado de Amizade e Comércio com o Japão em 1861. A partir de 1872, na sequência das reformas adotadas pelo Imperador Meiji (reinado de 3 de fevereiro de 1867 a 30 de julho de 1912), o Japão adotou a organização e o serviço militar segundo o modelo alemão. Durante o reinado deste Imperador, foi estabelecido um sistema de educação semelhante ao da Europa, com escolaridade obrigatória. Milhares de estudantes foram enviados para escolas nos EUA e na Europa e mais de 3.000 professores europeus e norte-americanos foram para o Japão para ensinarem as ciências modernas, matemática, tecnologias e línguas estrangeiras. Para além do ensino, o Reino Unido teve um papel de destaque na construção da marinha de guerra japonesa.


O Reino Unido e a Alemanha tinham estabelecido o acordo sobre o regime de Porta Aberta na China (1900). Quando a Rússia invadiu a Manchúria em consequência da Rebelião dos Bóxeres (1899 - 1901) e para proteger a linha férrea para Porto Artur, o Reino Unido pediu à Alemanha para cooperar para impedir o avanço das tropas russas, mas Bülow respondeu que o acordo não se aplicava à Manchúria e que a Alemanha não tinha nenhum interesse naquele território. Na realidade, a Alemanha não desejava antagonizar a Rússia, com quem esperava poder estabelecer uma aliança. O Reino Unido, por seu lado, desejava impedir o domínio russo na região a fim de manter a política de Porta Aberta que lhe permitiria mais facilmente exportar os produtos da sua indústria. Restava-lhe, assim, estreitar as relações com o Japão.


O Reino Unido não se tinha juntado às Potências que exigiram a retirada do Japão da Península de Liaotung. Quando a Rússia conseguiu instalar-se em Porto Artur todas as outras Potências procuraram obter compensações na região o que fez aumentar a rivalidade entre elas. O relacionamento entre essas Potências tornou-se numa luta pelo estabelecimento das esferas de influência. Simultaneamente, o Japão começou a estudar a possibilidade de uma guerra contra a Rússia para impedir a continuação da sua expansão que era vista como uma ameaça aos interesses e à segurança nipónica. A expansão russa na China tornava-se, embora por razões diferentes, uma preocupação comum do Japão e do Reino Unido, tanto mais que à política de Porta Aberta defendida pelos britânicos, a Rússia contrapunha com um sistema fechado e de privilégios. Este seria certamente o momento ideal para estabelecer uma aliança entre aquelas Potências, destinada a defender os seus interesses comuns. No entanto, o Reino Unido tinha relutância em abandonar o seu “esplêndido isolamento” e não desejava apoiar os japoneses na Coreia ou colocar-se ao lado do Japão no caso de esta Potência se envolver numa guerra contra os Estado Unidos da América. As conversações tiveram início em julho de 1901 e prolongaram-se até ao início do ano seguinte.


O Tratado de Aliança Anglo-Japonês foi assinado em Londres, no dia 30 de janeiro de 1902. O Tratado continha seis artigos [Texto do Tratado, em língua inglesa e japonesa, em https://www.jacar.go.jp/nichiro/uk-japan.htm]. No seu preâmbulo pode-se ler que ambas as Potências estavam «especialmente interessadas em manter a independência e a integridade territorial do Império da China e do Império da Coreia, e em garantir naqueles países oportunidades iguais para o comércio e indústria de todas as nações».


No artigo 1, o Reino Unido e o Japão declaram não ter «tendências agressivas» em qualquer daqueles dois impérios e que os interesses britânicos se localizavam principalmente na China enquanto o Japão, que também aí detinha interesses, estava especialmente interessado, em questões políticas, comerciais e industriais, na Coreia. Ambas as Potências admitiam apoiar-se mutuamente, na China ou na Coreia, se fosse necessário intervir para salvaguardar os respetivos interesses, para a proteção das vidas e propriedades dos seus súbditos, no caso de uma ação agressiva de outra Potência ou por distúrbios que ocorram naqueles territórios. O Artigo 2 partindo das situações descritas no artigo anterior – intervenção na China ou na Coreia – levantava a hipóteses de uma das partes se envolver numa guerra com uma terceira Potência e prescrevia que, neste caso, «a outra Alta Parte Contratante manterá uma estrita neutralidade e desenvolverá os seus esforços para impedir que outras Potências de intervirem nas hostilidades contra o seu aliado.» No caso da intervenção de uma terceira Potência, ambos os aliados agiriam em conjunto, a conduta da guerra será feita em comum assim como qualquer acordo de paz (Artigo 3). Os artigos 4 e 5 obrigam ambas as Potências a manterem o contacto e a agirem em comum. O Artigo 6 determinava que o Tratado entraria em vigor assim que assinado e que teria a duração de cinco anos e seria renovável por iguais períodos.


Esta aliança passou ao conhecimento público a 12 de fevereiro de 1902. Cerca de um mês mais tarde, a 16 de março, a França e a Rússia – aliadas desde 1894 – tornaram pública uma declaração conjunta aprovando os princípios da Aliança Anglo-Japonesa, mas reservando o direito de defenderem os seus interesses. Nos termos do Artigo 2 daquela aliança e no caso de um conflito entre a Rússia e o Japão, se a França decidisse agir em apoio da sua aliada, a Rússia, o Reino Unido ver-se-ia obrigado a abandonar a situação de neutralidade e a agir contra a França. Esta perspetiva foi suficiente para manter a França longe do conflito entre o Japão e a Rússia em 1904-1905. Por outro lado, a não intervenção da França ou de outra Potência manteve o Reino Unido numa situação de neutralidade relativamente àquele conflito.