terça-feira, 11 de março de 2025

Planos de guerra: guerra curta & guerra longa

 «Pensou-se durante muito tempo que a Grande Guerra, considerando como ela se desenvolveu, foi mal concebida, mal preparada, mal planeada. E isso aconteceu tanto do lado dos políticos e dos generais como dos jornalistas ou dos escritores, os quais, na sua grande maioria, teriam, nos anos que precederam a Grande Guerra, minimizado as dimensões da guerra futura. Desta estimativa por defeito nasceria a ideia de uma guerra curta» [KRUMEICH, Gerd, «Antecipations de la guerre» in AUDOIN-ROUZEAU & BECKER, 2004, p. 169]. A verdade é que existiam muitos avisos sobre o perigo de uma guerra longa, mas também muitas análises, bem ou mal fundamentadas, que conduziam à ideia de uma guerra curta.

Colmar von der Goltz (1843-1916), marechal-de-campo do exército alemão e escritor, publicou em 1883 o livro “A Nação em Armas” (Das Volk in Waffen), em que defendia a ideia de que, perante a impossibilidade de ganhar a guerra por uma batalha decisiva, as novas tecnologias aplicadas aos transportes e ao armamento permitiriam causar um desgaste sistemático sobre o adversário e encurtar a guerra. A mesma ideia foi desenvolvida por Friederich von Bernhardi (1849-1930), general alemão e historiador militar, no seu livro “A Alemanha e a Próxima Guerra” (Deutschland und der Nächste Krieg). Mas Bernhardi ia mais longe porque o seu livro assentava em ideias do Darwinismo Social e defendia que a Alemanha, com o seu dinamismo e aumento rápido da população, seria obrigada a fazer a guerra e que tinha o direito de o fazer.

No ano em que Friederich von Bernhardi publicou o seu livro, o general Alfred von Schlieffen (1833-1913), chefe do Estado-Maior General Alemão entre 1891 e 1905, publicou um artigo na Deutsche Revue intitulado «Sobre dos exércitos de milhões de homens» (Über die Millionenheere), em que afirmava que «a guerra de hoje é caracterizada pela vontade de obter uma decisão ampla e rápida. A incorporação de todos os homens capazes de utilizar armas, a dificuldade de os alimentar, o custo elevado do armamento, a paragem da produção agrícola e industrial, tudo isso exige uma decisão rápida.» [KRUMEICH, Gerd, «Antecipations de la guerre» in AUDOIN-ROUZEAU & BECKER, 2004, pp. 170-171] A generalidade dos generais alemães ou franceses pensavam da mesma forma que Schlieffen. Esta era uma forma de pensar diferente de Helmuth Karl Bernhard von Moltke (1800-1891), antecessor de Schlieffen no Estado-Maior General.

 Moltke previa, em 1890, que a próxima guerra poderia durar sete anos ou trinta porque os recursos de um estado moderno eram tão grandes que no caso de uma derrota militar continuariam a existir condições para manter a resistência ao adversário. O seu sobrinho, com o mesmo nome, Helmuth von Moltke (1848-1916), que assumiu as funções de Chefe do Estado-Maior General alemão em 1906, informou o Imperador Guilherme II, nesse mesmo ano, que a próxima guerra seria longa e que só terminaria quando as forças nacionais de um dos contendores se esgotarem. Avisou ainda que a guerra provocaria a exaustão do povo alemão, mesmo que a Alemanha saísse vitoriosa do conflito. Apesar de Moltke ter transmitido esta ideia a Guilherme II, o Estado-Maior General continuou a desenvolver planos numa linha de pensamento tradicional, para uma guerra curta que terminaria com uma batalha decisiva [TUCHMAN, 2004, p. 27]. Essa vitória rápida, pensava-se, requeria o máximo aproveitamento das novas tecnologias e permitiria a sobrevivência das economias europeias. «Estareis de regresso aos vossos lares antes que as folhas caiam», afirmava Guilherme II às suas tropas [TUCHMAN citado em MARTELO, 2013, p. 215].

Também em França se pensava que, havendo uma guerra entre a França e a Alemanha, que arrastaria inevitavelmente outras Potências, essa guerra seria curta. Era o caso do general Ferdinand Foch (1851-1929) que defendia em "Princípios da Guerra" que «os exércitos que poremos em movimento serão exércitos de civis arrancados às suas famílias. A guerra trará com ela a penúria; a vida cessará; daí a consequência de a guerra não poder durar muito tempo.» [citado em MARTELO, 2013, p. 213] Este pensamento era partilhado pelo general Joseph Joffre (1852-1931). No regulamento "Conduta das Grandes Unidades", de 1913, pode-se ler: «A natureza da guerra, o volume das forças envolvidas, as dificuldades ao seu reabastecimento e a interrupção da vida económica e social do país, concorrem para ser procurada uma decisão no mais curto espaço de tempo possível, de modo a, rapidamente, pôr fim ao conflito.» [citado em MARTELO, 2013, pp. 206-207] Também na Grã-Bretanha se tinha generalizado a ideia de que a guerra seria curta, mas não era essa a opinião do marechal-de-campo Horatio Herbert Kitchener (1850-1916) que desempenhou as funções de Secretário de Estado da Guerra a partir de 5 de agosto de 1914.

Em 1898, o banqueiro polaco Jan Gotlib Bloch (1836-1902) publicou uma obra em seis volumes com o título "A Guerra do Futuro", em que pretendia demonstrar, juntando argumentos económicos contra a guerra e os grandes desenvolvimentos, entretanto verificados na qualidade dos recursos disponíveis, que esta se tornaria obsoleta. «Não haverá guerra no futuro porque ela tornou-se impossível, agora que é claro que a guerra significa suicídio.» [MacMILLAN, 2013, p. 270] Bloch entendia que as Potências não dispunham de capacidade material para manter uma guerra numa escala tão grande como a que ele previa e se verificou em 1914-1918, mas o empenhamento de milhões de homens nos exércitos modernos criaria um descomunal campo de batalha tornando difícil ou até impossível de resolver rapidamente um conflito dessa natureza.

Em 1909 foi publicado um ensaio de Ralph Norman Angell (1872-1967) intitulado A Ilusão Ótica da Europa (Europe's Optical Illusion). No ano seguinte, a mesma obra foi aumentada e revista e publicada com outro título: A Grande Ilusão (The Great Illusion). Norman Angell defendia que o custo económico da guerra era tão grande que ninguém teria nada a ganhar em iniciar um conflito cujas consequências seriam desastrosas e este facto fazia com que uma guerra geral europeia fosse muito improvável. No entanto, se a guerra tivesse início seria curta. [TUCHMAN, 2004, pp. 11-12].

Apesar das análises mais pessimistas sobre a guerra futura, a generalidade das pessoas esperava que a próxima guerra fosse curta. Esta esperança não resultava inteiramente de uma análise objetiva da situação, mas era mais uma expectativa ilusória mantida numa tentativa de afastar a ideia contrária, o medo de uma guerra longa que alguns previam como catastrófica para qualquer das Potências participantes no conflito. As implicações no planeamento são imensas. Se, no que respeita às operações militares, não é possível planear minuciosamente muito para além das ações iniciais. No entanto, dada a incerteza da conduta dessas ações e as complexas operações logísticas que lhes estão associadas, as ações a desenvolver sobre os recursos a utilizar são de volume e até de natureza diferente para uma guerra que se prevê ser curta ou uma guerra longa. O empenhamento de toda a sociedade deverá ser muitíssimo mais intenso numa guerra longa.


BIBLIOGRAFIA citada:

AUDOIN-ROUZEAU, Stéphane & BECKER, Jean-Jacques, Encyclopédie de la Grande Guerre, © 2004, Bayard, Paris, 2004, ISBN 2-227-13945-5.

MARTELO, David, Origens da Grande Guerra, © 2013, Edições Sílabo, Portugal, 2013, 339 p., ISBN 978-972-618-705-9.

TUCHMAN, Barbara W., The Guns of August, © 1962, Ballantine Books, New York, 2004, ISBN 0-345-47609-3.


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