Situação Internacional
Em 1907, a Europa estava dividida em dois blocos: a Tríplice
Entente, formada pela França, Rússia e Reino Unido, e a Tríplice Aliança,
formada pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália. Existiam outros acordos e
alianças, como os Acordos do Mediterrâneo, a Aliança entre a Roménia e a
Áustria-Hungria ou a aliança entre o Reino Unido e o Japão, mas era entre
aqueles dois blocos que existiam focos de tensão perigosos para a paz na Europa
e no Mundo. Existia um grande antagonismo entre a França e a Alemanha, tanto na
Europa por causa da ocupação da Alsácia-Lorena na Guerra Franco-Prussiana de
1970-1971, como fora dela, por questões coloniais de que o exemplo mais recente
era o caso de Marrocos (1905-1906). A rivalidade naval entre o Reino Unido e a
Alemanha transformou-se numa corrida aos armamentos. A Áustria-Hungria e a
Rússia procuravam atenuar os efeitos da sua rivalidade nos Balcãs, para o que
estabeleceram alguns acordos. A Itália fazia parte da Tríplice Aliança, mas
mostrava mais vontade de cooperar com a França do que com a Áustria-Hungria,
com quem tinha fronteira e de quem ambicionava recuperar os territórios
irredentos, Trentino e Trieste, entre outros.
Ao acompanhar a formação das alianças e acordos (ententes) encontramos nos seus textos um
carácter defensivo e conciliatório. A Aliança Dual (7 Outubro 1879), tratado de
aliança entre a Alemanha e a Áustria-Hungria, era nitidamente uma aliança
defensiva. O tratado da Tríplice Aliança (20 Maio 1872) não alterou esse
carácter. De forma idêntica, a aliança entre a França e a Rússia (18 Agosto
1892) foi firmada tendo como intenção a defesa destas Potências frente à
Alemanha e à Áustria-Hungria. Quando o Reino Unido estabeleceu acordos com a
França e a Rússia, em 1904 e 1907, o objectivo destas diligências diplomáticas
era o de resolver questões de carácter colonial. No entanto, como vimos quando
se tratou a questão da Primeira Crise de Marrocos, uma das consequências desta
crise foi a de alterar o âmbito das relações entre a França e o Reino Unido,
alargando-as ao nível dos respectivos estados-maiores, estudando a
possibilidade de uma intervenção britânica em apoio da França. No caso do
acordo com a Rússia não se chegou tão longe como aconteceu com a França. Os
laços que uniam os membros da Tríplice Entente não eram tão fortes como os da
Tríplice Aliança e, muito especialmente, da Aliança Dual.
São estes os actores e as ligações que os unem e opõem num
contexto que ultrapassa o do Continente europeu. As chamadas Potências Centrais
– Alemanha, Áustria-Hungria e Itália – que formavam a Tríplice Aliança
encontravam-se perante um outro bloco, a Tríplice Entente, em que os seus
membros se situam a ocidente e a oriente daquele. Convenhamos que é difícil
negar aos Alemães, que tinham fronteira com a França e com a Rússia, alguma
razão quando se referem ao sentimento de cerco. Patrícia Daehnhardt descreve
esta ideia de cerco referindo a obra de Herfried Münkler, Der Grosse Krieg. Die Welt 1914–1918:
«Quanto às razões que levaram à eclosão da Guerra, Münkler refere uma «estratégia
de duplo cerco»: por um lado, o cerco da monarquia do Danúbio pela Liga dos
Balcãs, sob protecção russa e por outro, o cerco da Alemanha pela França e
pela Rússia, com a Inglaterra tendencialmente do lado franco-russo. Por fim, em 1914 «quando a guerra é decidida, o sentimento
inevitável é de enorme alívio. […] quando a Alemanha declarou guerra à França,
segundo o príncipe herdeiro, foi como um término bem-vindo à tensão sempre
crescente, um fim ao pesadelo do cerco.» Perante esta
ameaça de cerco, a Alemanha utilizou todos os incidentes para tentar criar a
desunião entre os membros da Tríplice Entente.
A anexação da Bósnia-Herzegovina
O Tratado de Berlim de 1878, que colocou um fim formal na
Guerra Russo-Turca de 1877-1878, estabelecia no seu artigo 25º que «as
Províncias da Bósnia e Herzegovina serão ocupadas e administradas pela
Áustria-Hungria.» Isto significava que aquele território continuava sob
soberania do Império Otomano, mas era administrado pelo Governo da Áustria-Hungria.
Apesar disso, o Governo austro-húngaro administrou a área como se tratasse de
território anexado e tomou medidas de longo prazo. Foi durante a ocupação
austro-húngara que as duas províncias otomanas foram unidas numa única entidade
administrativa, a Bósnia-Herzegovina. [Texto do Tratado de Berlim de 1878 em https://www.jstor.org/stable/2212670?read-now=1&refreqid=excelsior%3A3d3a8a7b4069e3c93da6ea2222276c6b&seq=1#page_scan_tab_contents]
A ocupação da Bósnia e da Herzegovina seria a compensação
atribuída à Áustria-Hungria pelos ganhos obtidos pela Rússia no sul da
Bessarábia e pela criação de uma Bulgária independente sob grande influência
russa. Contudo, na Áustria-Hungria, os liberais austríacos e muitos húngaros
opunham-se a esta ocupação porque não desejavam que o Império englobasse mais
eslavos, mas esta questão tinha de ser examinada tendo em conta as ambições de
outros Estados. Se a Monarquia dos Habsburgo não assumisse o controlo da Bósnia
e da Herzegovina, estas províncias acabariam por cair em poder da Sérvia que,
assim, se tornaria uma Potência maior e uma forte atracção para os Eslavos do
sul do Império Austro-Húngaro.
A Áustria-Hungria e a Rússia tinham estabelecido, em 1897 e
em 1903, acordos sobre a manutenção do satus
quo nos Balcãs e nesses acordos era admitida a anexação da
Bósnia-Herzegovina, mas esta deveria ser sujeita a «especial escrutínio no
tempo e lugares próprios.» No entanto, verificaram-se
importantes mudanças na Sérvia. Alexandre Obrenović (14 Agosto 1876 – 11 Junho
1903) reinou desde 1889 até à sua morte como Alexandre I da Sérvia e manteve um
bom relacionamento com o Império Austro-Húngaro. Alexandre I foi assassinado e
sucedeu-lhe o rei Pedro Karageorgovich que, ao contrário do seu antecessor, era
pró-russo. As relações com a Áustria-Hungria deterioraram-se, chegando a
desencadear-se uma guerra comercial que ficou conhecida como “Guerra dos
Porcos”. Os Sérvios estabeleceram novos laços com a França e a Rússia. A
possibilidade de a Sérvia desencadear acções tendentes a destabilizar as nações
eslavas do sul do Império alarmou o Governo austro-húngaro. Algumas
personalidades da Monarquia Dual, entre elas o Chefe do Estado-Maior General
Conrad von Hötzendorff, defenderam a ideia de uma guerra preventiva contra a
Sérvia.
O status quo nos
Balcãs sofreu ainda as consequências de um outro acontecimento: a Revolução dos
Jovens Turcos, em Julho de 1908. O objectivo dos revoltosos era o de restaurar
a Constituição de 1876 no Império Otomano e iniciar um conjunto de reformas. Os
Jovens Turcos pretendiam, entre outros objectivos territoriais, restabelecer o
controlo sobre a Bósnia e a Herzegovina. O Império Otomano estava enfraquecido,
mas a tentativa de recuperar o controlo sobre os territórios ocupados alertou e
causou receios no Governo austro-húngaro. Neste Império, o ministro dos
Negócios Estrangeiros Alois Lexa von Aehrenthal (1854-1912) encontrava-se em
funções desde Outubro de 1906. Na Rússia, desde Maio de 2006 que esse cargo era
ocupado por Alexander Petrovich Izvolsky (1856-1919). Aerenthal queria
aproveitar as circunstâncias para anexar a Bósnia e a Herzegovina e, desta
forma, colocar um fim nas aspirações sérvias. Izvolsky queria igualmente
aproveitar as circunstâncias para alterar o status
quo relativo aos Estreitos, abrindo-os aos navios de guerra russos.
Aerenthal e Izvolsky reuniram-se em Buchlau (na actual República Checa), em
Setembro de 1908. Neste encontro, os dois ministros chegaram a um acordo: «a
Áustria prometia não se opor aos planos da Rússia relativamente aos Estreitos,
ficando estabelecido que Constantinopla era deixada para a Turquia; a Rússia
concordou com a anexação da Bósnia.»
Por decreto de 5 de Outubro de 1908, o Governo da
Áustria-Hungria anunciou a anexação da Bósnia-Herzegovina. Este anúncio teve de
imediato a reacção negativa da Sérvia. A população dos territórios anexados era
em grande parte de origem sérvia e este Reino aguardava que a ocupação e
administração austro-húngara chegasse a um fim para então poder anexar aquelas
províncias. Vendo os seus planos arruinados, a Sérvia exigiu que lhe fosse
atribuída uma parte das províncias - uma faixa de território que lhe permitiria
chegar ao Mar Adriático - e o seu exército manteve-se em estado de prontidão
para a guerra que parecia avizinhar-se. Aerenthal recusou negociar qualquer
compensação à Sérvia já que o principal objectivo era o de dar um golpe mortal
na agitação dos povos eslavos, agitação que tinha origem naquele país. «Entre
os súbditos eslavos dos Habsburgo, os mais inquietos eram os Eslavos do Sul
cuja contiguidade com a Sérvia era a causa de aquele pequeno país assumir uma
invulgar importância aos olhos do Governo austro-húngaro. […] Pašić, o líder
radical e personalidade dominante da política da Sérvia, que era
simultaneamente primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, em 1904
falou do papel da Sérvia entre os Eslavos do Sul como comparável ao do Piemonte
na formação da Itália.» Este conceito fez crescer no Império Austro-Húngaro uma
facção que defendia a anexação da própria Sérvia.
Quando a anexação da Bósnia-Herzegovina foi anunciada,
Izvolsky encontrava-se a caminho de Paris a fim de obter o consentimento das
Grandes Potências para os planos russos e austro-húngaros. Izvolsky foi
surpreendido pelo anúncio da anexação e, por outro lado, deparou com a oposição
do Reino Unido e da França à abertura dos Estreitos aos navios de guerra
russos. A Áustria-Hungria tinha violado, unilateralmente, o Tratado de Berlim
de 1878. Perante esta situação, o ministro russo retirou o seu apoio à anexação
da Bósnia-Herzegovina e passou a apoiar a posição da Sérvia. Izvolsky defendeu
que tinha concordado com o processo, mas tal não dispensava a consulta das
Potências, sendo então necessário convocar uma conferência internacional.
Aerenthal informou que só aceitaria a conferência se, em negociações prévias,
fosse prevista a aprovação da anexação da Bósnia e da Herzegovina, isto é, se a
anexação fosse considerada um fait
accompli, o que significa, na terminologia das Relações Internacionais, «um
acto unilateral, por um estado ou grupo de estados que rápida e dramaticamente
altera o status quo. Normalmente
engloba o elemento surpresa e tem o efeito de pôr fim a um impasse
diplomático.» A situação tornou-se tensa entre a
Rússia e a Áustria-Hungria e Conrad von Hötzendorff defendeu que esta era a
oportunidade de assumir uma posição ofensiva contra a Sérvia com a finalidade
de conter a agitação dos eslavos do sul do Império, mas não teve o apoio de
Aerenthal. A Alemanha não desejava envolver-se num conflito nos Balcãs em
consequência da sua aliança com a Áustria-Hungria. A Rússia estava na
disposição de apoiar a Sérvia caso esta fosse atacada pela Áustria-Hungria e,
de acordo com o Artigo 1º da Aliança Dual, se a Áustria-Hungria fosse atacada
pela Rússia, «as Altas Partes Contratantes são obrigadas a prestar ajuda mútua
com todo o potencial de guerra de seus impérios e de acordo com o objectivo de
concluir a paz em conjunto e por mútuo acordo.» [Texto
do tratado, em língua inglesa, em https://wwi.lib.byu.edu/index.php/The_Dual_Alliance_Between_Austria-Hungary_and_Germany].
Izvolsky não conseguiu garantir
por parte da França e do Reino Unido um apoio idêntico ao que a Áustria-Hungria
obtinha por parte da Alemanha. A França era obrigada a agir com muito cuidado
atendendo a problemas com a Alemanha em Marrocos, devido ao “Incidente de
Casablanca” a 25 de Setembro de 1908. Além disso, a França tinha dúvidas sobre
a política russa já que Izvolsky, na reunião com Aerenthal em Buchlau, tinha
chegado a acordo sem o conhecimento dos franceses e, além disso, a situação não
constituía uma ameaça para os interesses vitais da Rússia. A França não estava
na disposição de ser arrastada para uma guerra nos Balcãs e, sem o apoio
francês, a Rússia não tinha condições para enfrentar a Áustria-Hungria e a
Alemanha. O Reino Unido não prometeu mais do que apoio diplomático.
Foram então iniciadas diligências diplomáticas no sentido de
resolver a crise que tinha sido iniciada em consequência da anexação da
Bósnia-Herzegovina. Em Março de 1909, a Alemanha pressionou os Russos para
retirarem o seu apoio à Sérvia. As negociações com a Turquia levaram o Governo
otomano a aceitar a anexação da Bósnia-Herzegovina em troca de uma compensação
monetária no valor de 2.400.000 £. Através de uma troca de notas, as Potências
aprovaram a anexação da Bósnia-Herzegovina. A Sérvia teve de declarar que
aceitava a resolução das Potências e comprometeu-se a reatar as relações
normais com a Áustria-Hungria o que implicava abandonar a propaganda e a
agitação entre os Eslavos do Sul, o que nunca foi cumprido.
As Potências da Entente
tiraram lições destes acontecimentos. Para os franceses ficou demonstrado que
era necessário dar mais atenção às suas forças armadas a fim de restabelecer o
equilíbrio que tinha sido deslocado a favor da Tríplice Aliança, ou melhor, da
Aliança Dual. A Rússia, reconhecendo a sua incapacidade para resistir à
Alemanha e desapontada com a falta de apoio por parte da França e do Reino
Unido, acelerou a reorganização e expansão do seu exército. Os Britânicos
expandiram o seu programa de construção naval por forma a manter o critério Two Power Standard. Acelerou-se a
corrida aos armamentos. Do lado da Tríplice Aliança, os partidários da guerra
contra a Sérvia ganharam força. Conrad von Hötzendorff, o Chefe do estado Maior
General da Áustria-Hungria, tentou influenciar o Imperador contra a Sérvia ou,
como ele afirmou, «contra aquele ninho de vespas.» A
Alemanha demonstrou à Rússia a sua fraqueza e Helmuth von Moltke, o chefe do
Estado-Maior General alemão, deixou claro ao chefe do Estado-Maior General
russo que «no momento em que a Rússia mobilizar, a Alemanha também mobilizará e
mobilizará inquestionavelmente todo o seu exército.»
Os interesses italianos nos Balcãs foram ignorados. Por
causa disso, a Itália concordou em apoiar a Rússia nas suas ambições sobre os
Estreitos enquanto a Rússia apoiaria a Itália nas suas ambições sobre Tripoli.
Na Sérvia, a situação provocou um exacerbamento do nacionalismo. Após a
anexação da Bósnia-Herzegovina, ainda em 1908, foi criado um grupo nacionalista
chamado Narodna Odbrana (A Defesa do
Povo) que durante as Guerras dos Balcãs (1912-1913) cometeram diversos crimes
sobre a população não sérvia em territórios conquistados. Esta veio a ser uma
organização de fachada para outra chamada “Unificação ou Morte”, também
conhecida como “Mão Negra” sobre a qual caiu a responsabilidade pelo
planeamento e execução do assassinato do arquiduque Francisco
Ferdinando da Áustria em Julho de 1914.
A crise provocada pela anexação da Bósnia-Herzegovina
fortaleceu os laços entre a Alemanha e a Áustria-Hungria. O apoio dado pela
Alemanha foi decisivo para o desfecho desta crise, ao contrário do que se
verificou do lado da Entente. Ao
contrário de Bismarck, que não desejava ver-se envolvido numa guerra por causa
da política austro-húngara nos Balcãs - «Para nós, as questões dos Balcãs não
podem em caso algum ser motivo para uma guerra.» – o actual chanceler alemão,
Bernhard von Bülow (1849-1929), no Governo entre 16 de Outubro de 1900 e 16 de
Julho de 1909, decidiu que a Alemanha seria parte activa na questão, mas deixou
que a Áustria liderasse os acontecimentos. De qualquer forma, os respectivos
Estados-Maiores, sob a liderança de Conrad von Hötzendorff e de Helmuth von
Moltke, estudaram a possibilidade de desenvolvimento de operações militares
para o caso de o conflito diplomático evoluir no sentido de um conflito
militar.
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