quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A renovação da Tríplice Aliança e o Tratado de Resseguro

1887 foi o ano em que era necessário renovar a Tríplice Aliança, nascida a 20 de Maio de 1882, e o Tratado dos Três Imperadores, renascido a 18 de Junho de 1881 e renovado pela primeira vez em 1884. No primeiro caso, a 20 de Fevereiro de 1887, foi assinado o Tratado que renovava a Tríplice Aliança. No segundo caso, os acontecimentos seguiram um rumo diferente.

Naquele ano em que devia ser renovado o Tratado dos Três Imperadores, as rivalidades entre a Áustria-Hungria e a Rússia nos Balcãs evidenciavam a dificuldade de coexistência daquelas potências no mesmo sistema de alianças. Por outro lado, a França mostrava que não desejava a aproximação à Alemanha e a questão da Alsácia-Lorena continuava a estar na sua linha de prioridades. Para Bismarck, o principal obstáculo a uma paz duradoura na Europa era a vontade da França em reconquistar os territórios perdidos em 1871 e, por isso, uma ligação da Alemanha com a Rússia era fundamental para manter a França isolada. No entanto, a não renovação do tratado em que se baseava a Liga dos Três Imperadores libertou a Rússia dos seus compromissos com a Alemanha. A Rússia estava livre para uma aliança com a França o que, para a Alemanha, representava o perigo de uma guerra em duas frentes. Com a finalidade de manter o status quo favorável à Alemanha, Bismarck procurou formas de reforçar a Tríplice Aliança, manter a ligação com a Rússia e fazer entrar o Reino Unido no seu sistema.

O conde Robilant, ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, aproveitou as crises para melhorar a posição diplomática da Itália colocando condições para a renovação da Tríplice Aliança. Robilant queria a garantia de que as posições italianas no Mediterrâneo seriam mantidas. Esta garantia pretendia proteger da França os interesses italianos na Tripolitana (região norte da Líbia). Também exigiu a promessa de obter compensações no caso de a Áustria-Hungria vir a obter ou apenas administrar novos territórios nos Balcãs. A oposição inicial da Alemanha e da Áustria-Hungria foi ultrapassada pela evolução da crise na Bulgária e na fronteira entre a Alemanha e a França. Bismarck negociou com Viena que não pretendia envolver-se na questão da Tripolitana e o resultado foi a renovação antecipada do tratado, acompanhada de duas convenções anexas, destinadas a satisfazer as exigências italianas.

A primeira convenção foi assinada entre a Áustria-Hungria e a Itália. A convenção declarava a vontade de as potências signatárias manterem o status quo nos Balcãs mas que, no caso de a Áustria-Hungria se encontrar na iminência de ocupar novos territórios, a Itália seria imediatamente consultada e ser-lhe-ia atribuída uma compensação. A segunda convenção foi assinada entre a Alemanha e a Itália. A Alemanha comprometia-se a dar apoio militar à Itália se, devido à expansão francesa no Norte de África, a Itália entrasse em guerra com a França. A assinatura das convenções foi feita em Fevereiro de 1887. Nos termos destas convenções, a Áustria-Hungria não tinha que se envolver na questão da Tripolitana. No entanto, o conflito de interesses nos territórios coloniais podiam accionar os termos da aliança. A Alemanha ficava ligada, por esta convenção, a entrar num conflito com origem colonial. Este facto obrigava o governo francês a agir com cautela pois a convenção germano-italiana tinha um carácter ofensivo em relação à França.

Se, por um lado, Bismarck procurou criar um sistema de alianças que mantivesse a França isolada, por outro lado, não deixou de tentar uma aproximação franco-alemã. Se fosse possível manter com a França uma relação estreita e cooperante, o perigo de uma nova guerra ficava mais distante. Ao tentar essa aproximação, Bismarck incentivou a França a lançar-se numa política colonial mais vasta. Procurava com esta política que a França dirigisse o seu esforço e atenção para longe da Alsácia-Lorena. A sua convicção de que esta política permitiria ultrapassar as divergências entre as duas potências era genuína? Bismarck afirmou que era necessário «que a Grã-Bretanha se habitue à ideia de que uma aliança franco-alemã não é impossível.». No entanto, não só os Franceses, desconfiados das intenções do chanceler alemão, não desejavam uma aproximação que implicasse aceitar tacitamente o abandono da Alsácia-Lorena como, sabemos hoje, Bismarck pretendia evitar uma aproximação entre a França e o Reino Unido. Numa nota por ele escrita, pode-se ler que é preciso «tratar bem os desentendimentos entre a França e a Grã-Bretanha.»

A 7 de Janeiro 1886, Charles de Freycinet assumiu o cargo de primeiro-ministro francês tendo o general Boulanger como ministro da guerra. Boulanger apelou à vingança contra a Alemanha e ficou conhecido como Général Revanche. No Estado-Maior francês instalou-se um ambiente claramente anti-alemão. Esta atitude do ministro da guerra francês inquietou tanto os Alemães como os outros membros do governo francês que, no entanto, não foi remodelado. Na Alemanha foi votada uma nova lei militar, foram convocadas tropas da reserva e foram tomadas medidas contra os habitantes da Alsácia-Lorena que se mostravam rebeldes à germanização do território. Bismarck deixou claro que, se a Ligue des Patriotes, que apoiava Boulanger, chegasse ao poder em França, a Alemanha tomaria a iniciativa da guerra.

Esta situação foi agravada pelo “caso Schnaebelé”. Este era comissário da polícia em Pagny-sur-Moselle, na parte ocidental da Lorena que não foi integrada no Império Alemão, e era também um agente dos serviços de informações franceses. Os Alemães detectaram as suas actividades e, em Abril de 1887, um grupo de polícias alemães entrou em território francês, prendeu Schnaebelé e levou-o para território alemão. Ao ser divulgada esta notícia, a opinião pública francesa exigiu que o governo tome uma atitude imediata. Boulanger aproveitou a situação para propor uma mobilização parcial das tropas na região mas esta medida foi recusada no conselho de ministros de 23 de Abril porque poderia desencadear uma guerra. A libertação de Schnaebelé foi ordenada por Bismarck a pedido do embaixador francês em Berlim. Para a opinião pública francesa, o que aconteceu foi uma provocação da parte da Alemanha com o objectivo de desencadear uma guerra. Os apoiantes de Boulanger entenderam que foram as declarações agressivas do ministro que fizeram recuar os Alemães. No entanto, em Maio de 1887, Boulanger foi afastado do governo o que agradou a Bismarck. Este, entretanto, aproveitou a crise para obter do Reichstag mais recursos militares.

Ultrapassada a crise franco-alemã, Bismarck considerou que o acordo conseguido entre a Alemanha e a Itália podia conduzir facilmente a um conflito com a França. A sua solução continuou a passar pelo reforço do sistema de alianças por forma a manter o isolamanto da França e, desta forma, tentou envolver o Reino Unido na questão. A França e a Inglaterra encontravam-se em conflito (não armado) por causa do Egipto. Perante esta situação, Bismarck pressionou a diplomacia italiana para apresentar propostas a Londres no sentido de obter o apoio britânico contra a França. Ainda em Fevereiro de 1887, foi assinado um acordo anglo-italiano no qual a Itália se compromete a apoiar a acção do Reino Unido no Egipto. Por seu lado, o Reino Unido comprometia-se a ajudar a Itália a opor-se à ocupação da Tripolitana pelos Franceses. A Itália e o Reino Unido comprometeram-se também a manter o status quo no Mediterrâneo (incluindo o Mar Egeu e o Mar Negro) e, nessa impossibilidade, comprometiam-se a negociar as alterações a introduzir.

Os compromissos britânicos eram muito vagos porque não especificavam qual o tipo de ajuda que o Reino Unido prestaria à Itália. Nada obrigava a que essa ajuda tivesse um carácter militar. Salisbury entendia que a situação seria analisada quando necessário e então seria tomada a decisão de apoiar ou não militarmente a Itália. O acordo anglo-italiano também tinha uma cláusula contra a Rússia: afirmava mais uma vez o princípio do fecho dos estreitos (Bósforo e Dardanelos). A Áustria-Hungria associou-se a este acordo a 24 de Março de 1887. Em Maio, a Espanha também aderiu ao acordo. Bismarck não subscreveu o acordo para manter a abertura necessária a negociações com a Rússia.

O czar, preocupado e descontente com os progressos da Áustria-Hungria nos Balcãs, manifestou a intenção de não renovar, em Junho de 1887, o Tratado dos Três Imperadores. Pelo seu lado, a França desenvolveu acções de aproximação à Rússia onde as propostas francesas começam a encontrar um acolhimento favorável. O movimento pan-eslavista mostrava-se favorável a uma aproximação com a França. No entanto, Alexandre III tinha uma desconfiança demasiado grande em relação ao regime republicano e deu carta branca ao seu chanceler, Giers, para negociar com Bismarck. Em Junho de 1887, o ministro russo assinou com a Alemanha um tratado secreto, designado “Tratado de Resseguro”, válido por três anos. Nos termos deste tratado, a Alemanha e a Rússia garantiam uma à outra a neutralidade em caso de guerra com uma terceira potência, a menos que a Alemanha atacasse a França ou a Rússia atacasse a Áustria-Hungria. Desta forma, a Alemanha ficava garantida contra uma guerra em duas frentes, contra a França e a Rússia. Este acordo também mostra que Bismarck não tinha intenção de desencadear uma guerra contra a França. A Rússia evitava desta forma uma guerra simultânea contra a Áustria-Hungria e a Alemanha. Ficava também estabelecido que a Alemanha não apoiaria a Áustria-Hungria se esta pretendesse expandir-se à custa da Rússia.

Por insistência do czar, com a finalidade de fugir ao julgamento da opinião pública, o tratado foi mantido secreto. Mas existiam outras razões para este secretismo que interessavam principalmente à Alemanha. Este tratado dificilmente seria bem aceite pela Áustria-Hungria, aliada da Alemanha na Tríplice Aliança. Além disso, juntamente com o tratado, foi assinado um documento em que Bismarck prometia ajudar a aumentar a influência russa na Bulgária e não interferir com uma tentativa russa de se apoderar de Constantinopla. Neste último caso, seria certo um confronto entre a Rússia e o Reino Unido.





Com este tratado, Bismarck criou um sistema de alianças no qual a Alemanha se encontrava ligada à Áustria-Hungria e à Itália (Tríplice Aliança), ligada ao Reino Unido pelos acordo de Fevereiro de 1887 e à Rússia pelo Tratado de Resseguro (Junho de 1887). Este sistema representava, no Verão de 1887, o máximo isolamento da França. No entanto, trava-se de um sistema que podia ser ameaçado por alguma indiscrição que revelasse os termos do Tratado de Resseguro pois este era um tratado que, de alguma forma, punha em causa o apoio da Alemanha à Áustria-Hungria. Bismarck tinha consciência da fraqueza deste sistema e, em 1889, pensou substituir o acordo com a Rússia por uma aliança defensiva com o Reino Unido, dirigida contra a França e a Rússia. O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Herbert, filho de Bismarck, deslocou-se a Londres mas não conseguiu estabelecer o acordo e, em Outubro de 1889, propôs à Rússia a renovação do Tratado de Resseguro. Alexandre III aceitou a renovação do acordo, principalmente por recear ver Berlim apoiar incondicionalmente a política balcânica da Áustria-Hungria.

Bismarck, em confronto com o novo imperador, Guilherme II, apresentou a sua demissão em Março de 1890. Considerando o Tratado de Resseguro como desleal porque era contrário ao espírito da Tríplice Aliança, Guilherme II recusou a sua renovação em 1892. ao tomar esta atitude, o imperador alemão e o seu chanceler iniciavam o abandono do sistema de alianças de Bismarck. Porquê esta mudança de política? Kissinger aponta três razões: primeiro, tratou-se de simplificar a política externa da Alemanha, construída por Bismarck, para a qual os novos governantes não se encontravam à altura de prosseguir; segundo, eles desejavam assegurar à Áustria que os termos da Tríplice Aliança constituíam a primeira prioridade; terceiro, consideravam que o Tratado de Resseguro constituía um obstáculo a uma futura e desejável aliança com o Reino Unido. À política de Bismarck, que procurou isolar a França e impedir a construção de possíveis coligações contra a Alemanha, seguiu-se uma política em que a própria Alemanha se isolou restringindo as suas opções à Tríplice Aliança. Não existindo obrigações entre a Alemanha e a Rússia, a Áustria-Hungria sentia maior liberdade para aumentar a sua influência nos Balcãs. A Rússia ficava liberta para se aliar com a França.

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