Durante
o período entre a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) e a Primeira
Guerra Mundial (1914-1918) estabeleceram-se tratados ou simples
acordos entre as potências europeias e não europeias. Ao eclodir a
guerra, em 1914, toda a nossa atenção é encaminhada para dois
blocos: a Tríplice Aliança, formada pela Alemanha, Áustria-Hungria
e Itália, e a Tríplice Entente, formada pela França, Reino Unido e
Rússia. Ao identificarmos estas potências com os blocos em que
estavam inseridas, esquecemos frequentemente que existiam laços
comerciais entre elas, por vezes intensos. Assim, existiam laços
comerciais entre a França e a Alemanha, entre esta e o Reino Unido,
entre a Áustria-Hungria e a Rússia. Um exemplo: em França, na área
da indústria química, estavam instaladas nove fábricas de corantes
artificiais mas cinco eram alemãs e uma suíça. As potências dos
blocos antagónicos também desenvolveram relações para além da
área económica. As relações entre a França e a Itália são
disso um bom exemplo.
A
Tunísia situa-se entre a Argélia e a Líbia e estende-se para Sul
penetrando no Sahara. Tratava-se de um Estado tributário do Império
Otomano desde o reinado de Suleiman II (1520-1566). Não tinha,
então, uma existência geográfica bem definida. Entre a Tunísia e
a Argélia não existem fronteiras naturais que permitissem delimitar
claramente o seu território. A Tunísia do final do século XIX
tinha cerca de um milhão de habitantes que, na maioria, eram
agricultores e pastores nómadas. A sua capital, Tunes, contava com
cerca de cem mil habitantes. Ali viviam numerosos Franceses,
Britânicos e Italianos. Os Britânicos tinham interesses comerciais
superiores aos dos Franceses. A colónia italiana, vinte vezes mais
numerosa que a colónia francesa, era a mais numerosa. No entanto, o
principal credor dos avultados empréstimos que a Tunísia tinha
feito na Europa era a França.
Em
1881, perante a incapacidade do governo tunisino pagar as suas
dívidas, a França ocupou a Tunísia. Durante o Congresso de Berlim
de 1878, Britânicos e Alemães tinham concordado em deixar aos
Franceses o controlo da Tunísia. A França tinha interesse em
controlar este território não apenas para assegurar o pagamento da
dívida mas, principalmente, para bloquear a expansão italiana no
Norte de África e para manter a segurança da fronteira oriental da
Argélia, conquistada pela França em 1830. Para os Italianos, a
Tunísia era uma posição estratégica importante. Era um vértice
do triângulo formado também por Malta e pela Sicília que dominava
o acesso ao Mediterrâneo Oriental. Malta estava em poder dos
Britânicos que também tinham na Tunísia interesses económicos. A
24 de Abril de 1881, 35.000 soldados franceses atravessaram a
fronteira a partir da Argélia. A 12 de Maio, encontravam-se em Tunes
e impuseram ao Bei da Tunísia a assinatura de um tratado que
colocava o controlo dos assuntos diplomáticos, militares e
financeiros nas mãos dos Franceses. Este tratado ficou conhecido
como Tratado do Bardo, nome do palácio do bei. A 22 de Maio de 1881,
este tratado foi ratificado no Parlamento francês por 431 votos a
favor e 1 voto contra.
A
Tunísia só se tornou oficialmente um protectorado em 1883. Neste
ano, a 8 de Junho, foi assinada Convenção de La Marsa (nome de uma
cidade na Tunísia). De acordo com esta convenção, o Bei conservava
a sua posição mas o governo francês nomeava um governador que se
tornava o verdadeiro governante da Tunísia. Os Franceses
introduziram no território o seu sistema legal e monetário. Foi
estabelecida uma união entre as alfândegas francesa e tunisina. Os
Franceses passaram a deter o monopólio das plantações de tabaco.
Foi autorizada a fixação de imigrantes franceses e italianos mas,
ao contrário do que sucedia na Argélia, onde os colonos franceses
receberam gratuitamente terras, na Tunísia estas teriam de ser
compradas.
A
invasão da Tunísia pelas tropas francesas em 1881, o protectorado
então estabelecido em prejuízo dos Italianos, foram causas
determinantes, não únicas, da adesão da Itália à Tríplice
Aliança no ano seguinte. Daí para a frente, o relacionamento entre
a Itália e a França foi marcado pela desconfiança. Os Italianos
viam nos Franceses uma ameaça à unidade italiana sob a forma de
apoio à reconquista do poder temporal do Papa. Uma ameaça externa,
mesmo que extremamente remota, era um facto a ser explorado para
mobilizar as diferentes forças italianas e evitar a desagregação.
Esta mobilização da opinião pública conduziu a cerca de quinze
anos de relações tumultuosas entre a França e a Itália. Esta
iniciou, em 1887, uma guerra alfandegária que lhe traria mais
prejuízo que à sua rival, a França. Entretanto, no plano
imperialista, a Itália virou-se para a África Oriental. Em Dezembro
de 1882, apoderou-se de Assab e ocupou uma parte da Etritreia onde
estabeleceu uma colónia. A capital da Eritreia, Massaua, só foi
conquistada pelos Italianos a 6 de Fevereiro de 1885.
A
30 de Setembro de 1896, a França e a Itália assinaram uma convenção
relativa a Tunes. Esta convenção teve a iniciativa francesa, a quem
convinha a segurança na fronteira com a Itália. Nos termos da
convenção, a Itália reconhecia o protectorado francês sobre a
Tunísia e, em troca, obtinha algumas vantagens económicas, era
reconhecido um estatuto privilegiado para os Italianos ali residentes
que podiam, inclusive, manter as suas próprias escolas. Estava dado
um passou importante para a normalização das relações entre os
dois países.
A
revolução industrial começou na Itália na década de 1880. A
unificação política permitiu a congregação de esforços mas,
desde 1878, foi favorecida por um sistema de protecção
alfandegária. À semelhança do que já tinha acontecido nos EUA,
onde fora adoptada a “Tarifa Morrill” a 2 de Março de 1861, os
países europeus adoptaram, desde 1878, um sistema de tributação
das importações sobre os produtos agrícolas e industriais. Apenas
o Reino Unido se manteve fiel ao sistema de comércio livre. Estas
taxas destinavam-se a proteger as novas indústrias perante a
concorrência de outras mais fortes, especialmente a indústria
britânica. Estes procedimentos foram também uma forma de responder
à chamada “Grande Depressão”, crise económica de longa
duração, iniciada em 1873 e que se prolongou até ao início da
década de 1890. A competição comercial entre alguns Estados
originou guerras alfandegárias, entre elas a guerra das tarifas
entre a França e a Itália.
Estas
guerras de tarifas acabaram, a prazo, por prejudicar o
desenvolvimento industrial e agrícola. Foram os homens de negócios
italianos que pressionaram o seu governo no sentido de resolver o
diferendo com a França. Existiam grupos que se mostravam receosos da
aproximação com a França. Era o caso dos agricultores do Sul de
Itália, com uma produção mais pobre, e os industriais do Norte,
especialmente os metalúrgicos da Lombardia. No entanto, o governo
italiano, com necessidade de contrair empréstimos, optou por dar
mais um passo na aproximação à França. No dia 26 de Novembro de
1898, a Itália e a França assinaram um tratado comercial que pôs
fim à guerra das taxas entre os dois países.
O
próximo passo de aproximação entre França e Itália tem como
cenário, mais uma vez o Norte de África. Marrocos foi conquistado
pelos Árabes no século VII. Fez parte e teve um papel importante no
mundo árabe. A expansão do Império Otomano chegou à Argélia mas
Marrocos manteve a sua independência. Em 1830, a França
estabeleceu-se na Argélia, território vizinho de Marrocos. A
ausência de uma fronteira bem delimitada facilitou a penetração
francesa. A economia de Marrocos assentava na agricultura e era uma
economia tradicional, fechada, mas ao longo do século XIX, foi
criando laços com o exterior. Estabeleceram-se consulados das
potências interessadas e, ao longo da sua costa atlântica,
construíram-se algumas infra-estruturas portuárias. Com esta
abertura ao exterior, a balança comercial de Marrocos rapidamente se
tornou negativa apesar de não movimentar grandes valores comerciais.
A sua dimensão político-estratégica era muito mais importante
porque dava acesso ao Mediterrâneo. Este facto não deixava
indiferentes os outros dois países que dominavam O Estreito de
Gibraltar, a Espanha e o Reino Unido.
Marrocos,
à semelhança de muitos outros Estados da região, tinha uma
administração deficiente e a sua modernização encontrava a
oposição das elites locais. Marrocos acabou por se tornar uma
região instável, em permanente desordem, o que constituiu um
convite à intervenção das potências europeias no sentido de
protegerem os seus investimentos. Nesta base, as potências exigiram
garantias que se traduziram em concessões económicas. Para além
dos Espanhóis e Britânicos, também a França, a Alemanha e a
Itália tinham os seus interesses a defender na região. Esta
situação criou zonas de atrito entre as potências que, em algumas
ocasiões estiveram perto de terminar em conflito na Europa, como
foi, por exemplo a crise de Marrocos de 1905-1906, e acabaram por
determinar o controlo político e financeiro de Marrocos por parte da
França (1906). Ao longo deste processo a França teve de garantir o
apoio das outras potências, nomeadamente da Itália que não tinha
grandes interesses em Marrocos mas que, após a questão da Tunísia,
não estava na disposição de facilitar o avanço francês sem
receber compensações.
A
Itália tinha formado a colónia da Eritreia e, em 1895, lançou-se
na conquista da Abissínia (Etiópia) mas, no ano seguinte, a 1 de
Março, sofreram uma pesada derrota perante o exército abissínio,
na Batalha de Adowa. Esta foi a primeira batalha em que um exército
africano derrotou um exército europeu. No dia 26 de Outubro desse
ano, foi assinado o Tratado de Addis Abeba segundo o qual a Itália
reconhecia a independência da Abissínia. A Itália decidiu, então
rever a sua política colonial e dirigiu a atenção para as regiões
da Tripolitana e Cirenaica (actual Líbia). Para prevenir
desentendimentos ou até uma intervenção da França, a Itália deu
um passo importante: se a França aceitasse a expansão italiana na
“Líbia”, a Itália não colocaria nenhum entrave à expansão
francesa em Marrocos. Os Franceses aceitaram o acordo. Aliás,
fizeram um acordo semelhante com o Reino Unido que não desejava mais
que o acesso à costa marroquina, especialmente a parte que se
encontrava voltada para Gibraltar, que estava nas mãos dos
Espanhóis. No dia 14 de Dezembro de 1900, a Itália e a França
assinaram um acordo secreto nos termos do qual a Itália dava toda a
liberdade aos Franceses para se expandirem em Marrocos e a França
apoiava a expansão italiana nos territórios que hoje conhecemos
como Líbia.
Apesar
destes acordos, entre a França e a Itália persistia a questão do
alinhamento desta última num sistema de alianças que, em caso de
guerra, constituía o bloco antagónico daquele em que a França se
encontrava. Perante as potências da Tríplice Aliança, a França
tinha fronteira com a Alemanha, na Alsácia-Lorena, e com a Itália,
na cordilheira dos Alpes Marítimos. Isto significava que, em caso de
guerra com a Alemanha, a França tinha de dispensar parte das suas
forças para a fronteira com a Itália. Sendo assim, era do interesse
francês arrastar a Itália para o seu lado, isto é, fazê-la sair
da Tríplice Aliança.
A
aproximação que já se tinha verificado entre os dois países
causou inquietação nas potências centrais. A Áustria
inquietava-se porque a aproximação franco-italiana não passava
despercebida ao povo italiano no seio do qual crescia o espírito
irredentista, especialmente no que respeitava às regiões do
Tentrino e de Venezia Giulia, regiões de língua italiana integradas
no Império Austro-Húngaro. Se, em caso de guerra, a Itália
abandonasse a Tríplice Aliança e decidisse lutar por essas regiões,
então a Áustria-Hungria teria de lutar em duas frentes, contra os
Italianos e contra os Russos. O governo alemão mostrava-se menos
preocupado com a actual atitude italiana mas o seu Chefe do
Estado-Maior General, Alfred von Schlieffen, afirmava que a Alemanha
iria ter de enfrentar todo o exército francês e não iria contar
com a Itália. Por outra perspectiva, a França não teria de
enfrentar as forças armadas italianas que, embora não fossem muito
numerosas, em 1900 somavam 255.000 homens e, em 1914, atingiram o
efectivo de 345.000.
Na
realidade, a adesão da Itália à Tríplice Aliança, isto é, a um
bloco em que se encontrava a potência ocupante dos territórios
irredentos, só podia ser considerada uma aliança contra-natura. Os
diplomatas de ambos os países, França e Itália, trabalharam com o
objectivo de consolidarem a aproximação que tinha sido feita em
proveito de ambas as partes. No dia 10 de Julho de 1902, os dois
países assinaram um acordo secreto no qual se estabelecia a
neutralidade da Itália no caso de uma guerra franco-alemã mesmo que
a iniciativa da guerra partisse da França perante uma provocação
da Alemanha. Dado que à Itália não convinha abandonar a Tríplice
Aliança, este acordo tomou a forma de troca de cartas entre
ministérios de ambos os países. O secretismo do acordo limitava-se
ao conteúdo dos documentos pois não era possível ocultar uma
aproximação cada vez maior entre as duas potências. Em Abril de
1903, o rei Vittorio Emanuele III de Itália fez uma visita a Paris
que foi retribuída em Abril de 1904 pelo presidente Émile François
Loubet. Como afirmou Pierre Milza, «embora em 1902 a Tríplice
(Aliança) continue a existir, na prática parece já estar
condenada.» No início da guerra, em 1914, a Itália declarou a
neutralidade.
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