Guilherme II da Alemanha iniciou o seu reinado a 15 de Junho de
1888. O novo imperador não só não concordava com a política do seu chanceler
como desejava chamar a si todas as responsabilidades do poder. A política de
Bismarck, que tinha como objectivo manter a paz e o status quo favorável à Alemanha, foi abandonada e, em seu lugar,
foi adoptada uma política mais agressiva que lançou a Alemanha no grupo dos
impérios coloniais. Em Março de 1890, Bismarck apresentou a sua demissão a
Guilherme II que, de acordo com as palavras do próprio Bismarck, «a única coisa
que desejava era ver-se livre de mim para poder governar sozinho, para mostrar
ao mundo todo o seu génio e alcançar a glória.»
Na realidade, a Alemanha tinha evoluído e já não correspondia à
ideia que Bismarck fazia do seu próprio país. Novas estruturas económicas e sociais
foram criadas pelo grande e rápido desenvolvimento industrial. O núcleo forte
do poder alemão foi transferido das províncias orientais, rurais e
aristocráticas, de onde Bismarck era oriundo, para a região do Reno, onde as
matérias-primas, a energia e as vias fluviais permitiram a implementação e
desenvolvimento de grande parte da poderosa indústria alemã. Foi ainda no tempo
de Bismarck que se iniciaram as iniciativas coloniais mas a nova economia
começava a ressentir-se da política demasiado europeia do chanceler que não
permitia a expansão comercial necessária à continuação do desenvolvimento
industrial. Guilherme II defendia uma política que não se confinava ao espaço
europeu; uma política mundial, a Weltpolitik.
Esta alteração na política externa conduziu ao choque entre o
Imperador e o Chanceler, à sua demissão em Março de 1890, e o próprio sistema
de alianças criado por Bismarck foi posto em causa. O Tratado de Resseguro,
assinado entre a Alemanha e a Rússia, continha cláusulas que colidiam com as
disposições da Tríplice Aliança. Para Guilherme II, esta situação perante a
Áustria-Hungria era inadmissível. O Chefe do Estado-Maior General, Alfred von
Waldersee, que tinha sucedido a Helmuth von Moltke em 1888, mostrava o seu desagrado
pela política de aproximação à Rússia e a sua opinião tinha influência junto do
Imperador. Depois de Bismarck abandonar o governo da Alemanha, a 19 de Março de
1890, o embaixador russo em Berlim informou que a Rússia aceitava prolongar por
seis anos o Tratado de Resseguro que expirava em Junho desse ano. O novo
governo da Alemanha entendeu que este tratado estava em contradição com o espírito
da Tríplice Aliança mas considerou essencial manter o acordo com a Rússia a fim
de evitar um entendimento entre aquela potência e a França. O próprio governo
russo estava disposto a aceitar um acordo mais limitado. No entanto, apesar das
recomendações do governo alemão, Guilherme II não autorizou a renovação do
Tratado de Resseguro.
O que levou Guilherme II a proceder desta forma? O embaixador
alemão em Sampetersburgo aconselhou a renovação do tratado porque, no caso
contrário, a Rússia seria forçada a procurar junto de outra potência o apoio
que a Alemanha lhe negava. No entanto, os conselheiros do Imperador
argumentavam que a Rússia não iria aliar-se com o Reino Unido, com quem se
chocava na sua expansão na Ásia Central nem com a França, uma república, que
não tinha condições para apoiar a Rússia nas suas ambições sobre os Estreitos
de Dardanelos e do Bósforo. [Milza, 1995, p. 88] Estavam erradas estas
previsões pois, no dia 18 de Agosto de 1892, foi assinada uma convenção militar
franco-russa que viria a ser ratificada por Alexandre III da Rússia, a 27 de
Dezembro de 1893, e pelo governo francês, a 4 de Janeiro de 1894. Tinha
terminado o isolamento da França. O texto completo da Convenção Militar
Franco-Russa encontra-se disponível (em Inglês) na página da Internet The Avalon Project.
O caminho percorrido até à assinatura da convenção militar foi
longo e para ele contribuíram factos anteriores à não renovação do Tratado de
Resseguro. Foi um percurso cheio de receios e desconfianças, de parte a parte,
que persistiram após a assinatura da convenção e explicam o facto de ter
passado tanto tempo entre a sua assinatura e a respectiva ratificação.
A primeira aproximação entre a França e a Rússia foi feita no
campo económico. Foi proporcionada pela crise que surgiu nos Balcãs com a
eleição, a 7 de Julho de 1877, de Fernando de Saxe-Coburgo como príncipe da
Bulgária (Ver o artigo «A Dupla Aliança e a Nova Liga dos Três Imperadores» de
Dezembro de 2014). A Alemanha apoiou a Áustria-Hungria e Bismarck, com a
finalidade de mostrar aos Russos a desvantagem de se isolarem e ainda mais de
se colocarem contra as potências da Aliança Dual, proibiu o Reichsbanck de transferir mais dinheiro
para a Rússia. A primeira consequência deste acto seria a de paralisar o
desenvolvimento da rede ferroviária da Rússia. A França aproveitou a ocasião
para oferecer a sua colaboração financeira e foram iniciadas negociações entre
o ministro russo das Finanças e os principais bancos franceses. Em Novembro de
1888 foi assinado um acordo segundo o qual os bancos franceses emprestavam à
Rússia 125 milhões de rublos. Mais tarde foram negociados e realizados novos
empréstimos. O governo da República Francesa esperava utilizar a ajuda
financeira para colocar a Rússia do seu lado.
Em Agosto de 1890, no mesmo ano em que não foi renovado o
Tratado de Resseguro, o general Raoul de Boisdeffre, subchefe do Estado-Maior
francês, assistiu às manobras do exército russo. A sua estadia foi aproveitada
para participar em várias reuniões com os chefes militares russos, onde falaram
da possibilidade da criação de uma convenção militar entre os dois países.
Ficou informalmente estabelecido, entre os Estados-Maiores da França e da
Rússia, que os dois exércitos deviam agir em coordenação um com o outro caso um
dos países viesse a ser atacado. No ano seguinte, a Rússia encomendou
armamentos à França. Os laços entre as duas potências estreitavam-se. Quando o
presidente francês, Marie François Sadi Carnot, visitou Sampetersburgo, em
1891, o czar condecorou-o com a Ordem de Santo André, uma das mais importantes
condecorações russas. Os Franceses estavam ansiosos por assinarem uma aliança
com a Rússia mas o czar continuava a hesitar. A questão económica que permitira
uma primeira aproximação entre os dois países iria servir então para a França
pressionar a Rússia: o governo francês influenciou o banco Rothschild para que
este não concedesse qualquer empréstimo à Rússia enquanto esta não assinasse um
acordo com a França.
A 6 de Maio de 1891, a Tríplice Aliança foi renovada por doze
anos. Também nesse ano, o governo russo tomou conhecimento do Acordo
Mediterrânico que ligava o Reino Unido à Itália, uma das potências da Tríplice
Aliança. O governo russo considerou a possibilidade de o Reino Unido se juntar
à Tríplice Aliança. Desta forma, a Rússia seria obrigada a sustentar uma guerra
em várias frentes: a ocidente contra a Alemanha e a Áustria, provavelmente
contra a Turquia nas costas do Mar Negro e no Cáucaso, e contra o Reino Unido
na Ásia Central, onde colidiam interesses russos e britânicos. A Rússia estava
isolada e a melhor forma de combater esse isolamento era uma aproximação à
França.
Em Julho de 1891, Guilherme II da Alemanha visitou Londres, numa
tentativa de trazer o Reino Unido para a tríplice Aliança, diligência em que
não obteve os resultados desejados. No dia 23 desse mês, uma frota francesa sob
comando do almirante Alfred Gervais, chegou a Kronstadt, cidade russa no Golfo
da Finlândia. A frota francesa foi recebida com entusiasmo. Numa cerimónia, em
honra dos oficiais franceses a orquestra russa tocou o hino nacional francês, a
Marselhesa. Num sistema autocrata como o que existia na Rússia, tocar o hino
revolucionário adoptado em 1795 para a Primeira República Francesa era um sinal
inequívoco da vontade de realizar a aproximação à França.
Apesar de todas estas manifestações de amizade entre Franceses e
Russos, foi preciso esperar mais um ano para que fosse assinado um documento
que comprometia as duas potências. Antes da chagada da esquadra francesa a
Kronstadt, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Nicolay Giers (ou Girs),
convidou o embaixador da França, Paul Lefebvre de Laboulaye, a prepara com ele
as negociações para um entendimento entre os dois governos. O primeiro acordo
foi conseguido a 27 de Agosto de 1891. Tratava-se de um acordo secreto que era
apenas de um acordo de princípio. Porque é que não foram mais longe quando
convinha à Rússia que esse acordo estivesse concluído na eventualidade de um
conflito com o Reino Unido na Ásia Central? O governo russo temia encorajar a
França a tentar reconquistar os territórios da Alsácia-Lorena perdidos há vinte
anos atrás. O acordo estabelecia apenas a obrigação de uma das potências
consultar a outra caso ocorresse alguma ameaça. Nenhuma das potências garantia
à outra, de forma formal, qualquer apoio armado.
Enquanto eram dados estes passos de aproximação entre a França e
a Rússia, o governo russo continuava a acalentar a esperança de uma
reaproximação à Alemanha. Alexandre III da Rússia encontrou-se com Guilherme II
em Kiel, no actual Estado alemão de Schleswig-Holstein. O encontro não foi
favorável a Alexandre III e, a partir daí, pareceu ter ficado realmente
convencido que a desejada aproximação era impossível. A imprensa francesa
criticava a indecisão russa e só no Verão de 1882 o czar decidiu avançar com as
negociações com os Franceses. O general Boisdeffre deslocou-se à Rússia com a
finalidade de negociar com o general Obrutchev um acordo militar. No dia 18 de
Agosto de 1892, foi assinada a Convenção Militar Franco-Russa. Nos termos desta
convenção, estava previsto que a Rússia ajudaria a França com 800.000 homens no
caso de esta ser atacada pela Alemanha ou pela Itália; que a ajuda francesa
seria de 1.300.000 homens se a Rússia fosse atacada pela Alemanha ou pela
Áustria-Hungria apoiada pela Alemanha; que uma mobilização, mesmo que parcial,
de uma das potências da Tríplice, teria como resposta a mobilização geral na
França e na Rússia; que, em caso de guerra, uma das partes não faria a paz
separadamente. Por fim, estabelecia-se que o acordo seria absolutamente secreto
e teria a mesma duração que a Tríplice Aliança. Este acordo foi assinado pelos
generais Boisdeffre e Obrutchev.
O documento assinado pelos dois generais, a Convenção Militar
Franco-Russa, era um acordo entre duas pessoas, se bem que em representação dos
respectivos países. Cada um tinha uma determinada liberdade de decisão para
chegar a um acordo com a outra parte. Esta convenção devia, agora, ser
ratificada para se tornar válida, isto é, para entrar em vigor. Esta
ratificação dependia, na Rússia autocrática, do próprio czar; na França
republicana, do Parlamento. Esta era, no entanto, uma convenção secreta pelo
que, em França, a convenção seria ratificada pelo governo. As respectivas
ratificações só foram feitas em Dezembro de 1893 pela Rússia e Janeiro de 1894
pela França. Porquê esta demora?
Subsistiam problemas em ambas as partes que levaram os
respectivos governos a adiar a ratificação da convenção. Em França, o carácter
secreto do tratado era considerado inconstitucional. Também existia uma
cláusula que impunha à França a mobilização geral em caso de se registar uma
mobilização mesmo que parcial na Áustria-Hungria e temia-se que a França fosse
arrastada para uma guerra europeia devido a alguma questão que podia ser
confinada aos Balcãs.
Por seu lado, a Rússia mostrou-se apreensiva com uma ligação tão
estreita a um país onde um escândalo de corrupção de grandes dimensões, o escândalo
do Panamá. Este caso de corrupção, descoberto em 1892, estava ligado à
construção do Canal do Panamá, envolvendo não só a Companhia Universal do Canal
Interoceânico de Panamá, que tinha sido fundada em 1879 pelo engenheiro
Ferdinand de Lesseps, mas também altos funcionários do Estado e políticos.
A Rússia insistiu nas suas tentativas de manter os laços com a
Alemanha. O filho do czar, o czarevitch
Nicolau (futuro Nicolau II), deslocou-se a Berlim em Janeiro de 1893 e insistiu
na necessidade de uma «coligação contra a França». Em Abril foi Girs, o
ministro dos Negócios Estrangeiros russo, que apresentou propostas ao governo
alemão para uma reaproximação. O governo alemão, no entanto, manteve-se de tal
forma inflexível que nem aceitou participar em negociações de carácter
comercial. Dando como certa uma ligação entre a Rússia e a
França, impôs taxas elevadas às mercadorias provenientes da Rússia e apresentou
um orçamento para aumento das despesas militares, antecipando uma guerra em
duas frentes. Esta atitude dos Alemães e a necessidade que o governo russo
tinha de obter financiamento tiveram como consequência a decisão definitiva do
czar. Em 1893, entre os dias 13 e 29 de Outubro, uma esquadra russa foi a
Toulon e teve uma recepção calorosa. Mesmo sem conhecimento da convenção, que
era secreta, a multidão sentia a aproximação entre os dois países.
No dia 27 de Dezembro de 1893, o czar Alexandre III da Rússia
ratificou a Convenção Franco-Russa de 17 de Agosto de 1892. O governo francês
tomou a mesma atitude a 4 de Janeiro de 1894. A partir desta última data,
entrou em vigor um tratado de aliança entre a França e a Rússia. Este facto não teve como única consequência quebrar o isolamento
diplomático da França. Também colocou a Alemanha na perspectiva de uma guerra
em duas frentes. As alterações que se verificaram posteriormente – a aproximação
franco-italiana, a aproximação do Reino Unido, primeiro à França, depois à
Rússia – não só não eliminaram a situação desconfortável em que a Alemanha
ficou com Tratado Franco-Russo como ainda a agravaram.
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