Os
territórios que conhecemos hoje por República do Sudão, com
capital em Cartum, República do Sudão do Sul, com capital em Juba,
e os territórios mais a ocidente, até ao hinterland do Senegal e
englobando o curso superior do Rio Níger, onde hoje se situam as
Repúblicas do Chade, do Mali e do Níger, eram conhecidos desde a
Idade Média como “Bilad as-Sudan”, expressão árabe que
significa “País dos Negros”. É um território que liga as
costas ocidental e oriental de África nas regiões a sul do Saara.
Constitui o limite Sul do mundo árabe em África e liga-se com o
mundo africano, muitas vezes referido como “África Negra”. É
uma zona de forte influência islâmica.
Em
1882, quando os Britânicos passaram a controlar o Egipto, as regiões
que mencionámos estavam divididas em três partes: o Sudão
Ocidental, constituído pelo hinterland do Senegal e
os territórios do curso superior do Níger, o Sudão Central, que
englobava as regiões do Chade, do Mali e Níger, e o Sudão Egípcio,
este constituído pela generalidade dos territórios das actuais
repúblicas do Sudão. Chamava-se Sudão Egípcio porque parte
importante deste território tinha sido conquistada pelos Egípcios
entre 1820 e 1822. Entre o Sul do Egipto e o Norte do Sudão não
existia, na altura, uma fronteira bem definida. A região que, ao
longo do vale do Nilo, foi partilhada pelo Egipto e o Sudão, que
constituía a zona de transição entre a civilização egípcia e as
civilizações da chamada África Negra, era conhecida como Núbia.
Após a intervenção britânica, este último Sudão Egípcio passou
a ser conhecido como “Sudão Anglo-Egípcio”e é sobre ele que
nos vamos agora debruçar referindo-o apenas como “Sudão”.
Localização
do Sudão Anglo-Egípcio
[Wikipédia]
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O
Sul e o Norte do Sudão apresentavam diferenças significativas. A
Norte, a população falava principalmente a língua árabe, estava
islamizada e mantinha, através do Egipto, laços com o mundo árabe.
Para o Sul, onde as religiões predominantes se revestiam de um
carácter animista, onde a influência árabe não se tinha feito
sentir de forma permanente e duradoura, ficava um território que se
integrava na “África Negra”. A principal cidade destas regiões,
a capital do Sudão Egípcio, era Cartum, no Norte, situada na
confluência entre o Nilo Branco e o Nilo Azul. Para Sul estendia-se
a parte central do Sudão, até Fachoda. Nesta região havia chuva
suficiente para permitir a agricultura mais afastada dos principais
cursos de água e a criação de gado. Para Sul de Fachoda, o Sudão
Meridional diferia muito do resto do território. Os afluentes do
Nilo constituíam uma barreira natural e formavam uma região de
pântanos, por vezes impenetráveis, e existiam diferenças
significativas na composição étnica e nos aspectos socioculturais.
O
Egipto estava limitado a Norte pelo Mediterrâneo e a Este e a Oeste
por desertos. Tendo surgido um quediva (vice-rei) com tendências
expansionistas, como foi o caso de Mehemet Ali (1805-1848), é
natural que a expansão se verificasse em direcção a Sul, isto é,
para o Sudão. Essa expansão começou em Julho de 1820. No espaço de um
ano, os territórios do norte e centro do Sudão foram submetidos
ao Egipto o que então significava que pertenciam ao Império
Otomano. Entre 1839 e 1843, foi conquistado o Sul do Sudão. O que é
que tinha levado o Egipto a empreender esta tarefa de conquista? De
forma clara, Mehemet Ali afirmou que pretendia obter uma fonte de
escravos mas também estava presente a intenção de obter as minas
do ouro sudanês.
O
quediva do Egito Muhammad Sa'id Paxá (1854-1863) entendeu que a
ocupação do Sudão não apresentava vantagens significativas e, com
a pressão europeia para abolir a captura de escravos, publicou um
decreto a proibir esta prática. No entanto, o seu sucessor, Isma'il
Paxá (1863-1979), iniciou uma nova expansão do Egipto e retomou a
captura de escravos. Esta política, numa época em que na Europa
predominava a ideia da luta contra o tráfico de escravos, não teve
os apoios que desejava. Por outro lado, a resistência que encontrou
em algumas regiões do Sudão foi forte e a expedição não foi bem
sucedida. Para manter a região pacificada, acabou por ter de aceitar
um traficante de escravos como governador de uma das províncias.
Nesta altura, também foi nomeado governador de uma província no sul
do Sudão, o explorador britânico Samuel White Baker (1821-1893) que
desempenhou essas funções entre 1869 e 1873. Após ter terminado o
seu mandato, Baker foi substituído pelo Coronel Charles George
Gordon (1833-1885) que ocupou o cargo até 1877. Charles George Gordon
foi um oficial do Exército Britânico que prestou relevantes
serviços ao Império. Por convite do quediva do Egipto, Gordon foi
governador da província equatorial do Sudão, de 1874 a 1877.
Sudão
Anglo-Egípcio na sua máxima extensão
[Wikipédia] |
Neste
último ano, Gordon assumiu o cargo de governador-geral do Sudão no qual se
manteve até 1879. Durante o tempo em que desempenhou estas funções, desenvolveu grandes esforços para pôr termo ao tráfico de
escravos. Em 1880, o quediva Tewfik Paxá anunciou que este tráfico tinha
terminado. Nesta luta contra os traficantes, Gordon arranjou muitos
inimigos pois a supressão do tráfico causou uma grande perturbação
na economia do Sudão. A política seguida por Gordon teve outras
consequências. Num país islâmico, a chegada de numerosos Cristãos
causava algum receio à população. Quando Gordon abandonou o Sudão,
em 1879, a população estava ressentida não só pela chegada de
numerosos Cristãos mas também porque o país estava ser explorado
pelos antigos governadores turcos (Otomanos). Gordon fora substituído por
um governador egípcio.
A
29 de Junho de 1881, na ilha de Aba, situada no Nilo Branco, Muhammad Ahmad declarou que era
o Mahdi, o Esperado, o Salvador. A população, islamizada no ramo
sunita do Islão, acreditava na vinda de um salvador enviado por Deus
que chegaria antes do fim dos tempos para combater as forças do mal
e trazer a justiça à Terra. Muhammad Ahmad nasceu em 1884 no Norte
do Sudão. Interessado pelos estudos religiosos, aos 17 anos aderiu a
uma confraria místico-religiosa. Ganhou reputação de pessoa devota
e humilde. Acompanhou a sua família quando esta se mudou para a ilha
de Aba, no Nilo Branco, ao sul de Cartum. Enquanto jovem, viajou
muito pelo país a fim de espalhar a mensagem da renúncia ao mundo e
da renovação espiritual mas também pregava que era necessário
ajudar os pobres e castigar os que dominavam. O Mahdi fez numerosos
adeptos nos vários sectores da população, não apenas os que
tinham preocupações religiosas mas também os traficantes de
escravos prejudicados pelo abolicionismo e os camponeses esmagados
pelos impostos egípcios.
Sem
qualquer treino militar, Ahmad conduziu o seu exército de seguidores
devotos numa sucessão de batalhas vitoriosas e cercos bem sucedidos.
A 3/5 de Novembro de 1883, em El Obeid (Al-Ubayyid), no centro do
Sudão, as forças de Ahmad derrotaram uma força expedicionária egípcia. As tropas
egípcias estavam a ser comandadas pelo Coronel William Hicks
(1830-1883), militar britânico ao serviço do quediva egípcio.
Simultaneamente, Osman Digna (1840-1926), seguidor de Muhammad Ahmad
e no comando de uma outra força, dirigiu-se em direção aos portos
egípcios do Mar Vermelho e, a 4 de Fevereiro de 1884, em El Teb,
perto do porto de Suakim, na costa sudanesa daquele mar, com cerca de
1.000 guerreiros derrotou uma força anglo-egípcia de efectivo muito
superior. Alguns dias mais tarde, a 29 de Fevereiro, a intervenção
de uma força britânica vinda da Índia inverteu a situação com
uma vitória sobre o exército “mahdista”. Entretanto, os
Britânicos tinham decidido evacuar o Sudão e obrigaram os Egípcios
a fazê-lo.
No
dia 18 de Janeiro de 1884, Charles George Gordon regressou ao Sudão,
a Cartum, para supervisionar a evacuação das forças egípcias.
Pouco depois, a 13 de Março, as forças de Muhammad Ahmad puseram
cerco à capital sudanesa onde se encontrava Gordon e uma pequena
guarnição anglo-egípcia. O cerco prolongou-se durante quase um
ano. Os Britânicos demoraram demasiado tempo a decidir enviar uma
força para libertar os sitiados no Sudão. Finalmente, por pressão
da opinião pública, em Outubro desse ano partiu de uma expedição
de Wadi Halfa, no norte do Sudão, junto à actual fronteira, sob o
comando do General Woseley. Esta expedição partiu demasiado tarde
pois, no dia 26 de Janeiro de 1885, as tropas mahdistas entraram na
cidade e massacraram toda a guarnição. Charles Gordon encontrava-se
entre os militares que ali foram mortos. Wolseley conseguiu entrar na
cidade dois dias mais tarde mas recebeu ordens para se retirar.
Muhammad
Ahmad adoeceu e morreu a 21 de Junho de 1885. O seu sucessor, o
Califa Abdullah, prosseguiu a sua obra e, em breve, tinha completado
a conquista de todo o Sudão. Depois da queda de Cartum, os mahdistas
conquistaram territórios mais a sul e a leste. Entraram em conflito
com a Abissínia. A 9 e 10 de Março de 1889, os exércitos do Sudão
mahdista e do Império Etíope (também chamado Abissínia)
defrontaram-se na Batalha de Gallabat. Os Sudaneses obtiveram uma
vitória à custa de baixas demasiado pesadas. O número de mortos de
cada lado aproximou-se dos 15.000. As forças militares de Abdullah
tinham ficado fragilizadas e, para além das preocupações com o
Egito, de onde eram enviadas unidades militares equipadas, treinadas
e frequentemente comandadas pelos Britânicos que tinham iniciado uma
reconquista metódica do território, Abdullah tinha também de se
preocupar com outras forças que exerciam pressão sobre o Nilo
superior: eram os Belgas a partir do Estado Livre do Congo, os
Franceses que ameaçavam a região sudoeste do Sudão ou os Italianos
com base na Eritreia. Este avanço das outras potências europeias em
direção ao Vale do Nilo foi o principal motivo pelo qual os
Britânicos tinham decidido a reconquista do Sudão.
Horatio
Herbert Kitchener era, desde Abril de 1892, o comandante do Exército
Egípcio. Sob o seu comando, um exército anglo-egípcio derrotou as
forças mahadistas e reconquistou o Sudão. A campanha para a
reconquista do Sudão começou a 16 de Março de 1896 e terminou com
a ocupação de Cartum a 4 de Setembro de 1898. A campanha foi
realizada na sua maior parte ao longo do Rio Nilo mas também ao
longo do Rio Atbara, afluente do Nilo cujo leito estava seco quando
foi travada a Batalha de Atbara a 8 de Abril de 1898. Ao longo da
campanha, Kitchener foi recebendo reforços, em tropas, armamento, munições e equipamentos diversos, entre eles várias canhoneiras que, a partir do Rio Nilo, apoiavam as forças em terra. Na costa do Sudão, no Mar
Vermelho, a posse de Suakim pelos Britânicos permitiu reabrir a rota
das caravanas e, por essa via, acumular abastecimentos em Berber,
perto da confluência do Rio Atbara com o Rio Nilo. O confronto final
com as forças mahadistas deu-se na Batalha de Omdurman, a 2 de
Setembro de 1898. Omdurman, na margem esquerda do Nilo, era uma
aldeia onde se situava o quartel-general das forças mahdistas. Na
margem direita, imediatamente a sul da confluência do Nilo Azul com
o Nilo Branco, à vista de Omdurman, situava-se Cartum, em ruínas
desde o cerco de 1885.
Reconquista
do Sudão 1896-1898
[mfvgm] |
Os recursos empregues na campanha de reconquista do Sudão foram avultados. Para além dos recursos humanos e de todo o equipamento, armamento, munições e abastecimentos, Kitchener fez construir uma linha de caminho de ferro de Wadi Halfa a Abu Hamed. Do Cairo saía uma linha que não avançava mais de 560 Km. Daí para a frente era necessário utilizar as embarcações no Nilo até à Primeira Catarata. Aí, sendo necessário contornar este obstáculo, era utilizada uma via férrea numa extensão de 10 Km para regressar então ao rio e embarcar por mais 335 Km até à Segunda Catarata, hoje submergida pelo Lago Nasser. Um pouco a norte da Segunda Catarata fica Wadi Halfa de onde partia uma linha férrea até Akasha. De Wadi Halfa até Abu Hamed foi construída uma linha férrea com mais de 300 Km. A construção foi iniciada a 1 de Janeiro de 1897 e terminou a 31 de Outubro desse ano. Esta linha férrea foi essencial para o apoio logístico do exército anglo-egípcio pois o Nilo não era navegável entre Merowe e Abu Hamed, numa distância superior a 100 Km. Além de encurtar muito o percurso até Abu Hamed, permitia fugir a todas as operações de embarque e desembarque para contornar as 3ª e 4ª cataratas e as partes não navegáveis do rio.
Os
recursos utilizados variaram para ambos os oponentes ao longo da
campanha. Enquanto as tropas mahdistas foram perdendo força,
Kitchener conseguiu reforçar o seu exército com recursos materiais
e humanos. Os recursos humanos empenhados na Batalha de Omdurman, que
representam uma parte importante de ambas as forças, foram
avultados, especialmente se considerarmos o esforço que era
necessário para fazer chegar os abastecimentos às tropas. O
exército anglo-egípcio era formado por 8.200 Britânicos e 17.600
Egípcios e Sudaneses, uma força nitidamente inferior, em número, ao exército mahdista. Estes era constituído por 51.415
homens, dos quais 5.498 estavam montados. No entanto, estes números
não podem se confrontados sem conhecermos o armamento disponível, a
sua organização e a preparação para enfrentar o adversário. As
forças mahdistas dispunham de 4 bocas de fogo de artilharia e uma
metralhadora. O exército anglo-egípcio dispunha de 44 bocas de fogo
de artilharia de campanha e mais 36 montadas nas canhoneiras que, a
partir do Nilo proporcionaram apoio de fogos; dispunha também de 20
metralhadoras Maxim em terra e mais 24 a serem utilizadas a partir
das embarcações. Para além desta disparidade de armas de
artilharia e metralhadoras, deve-se ter em conta a boa organização,
enquadramento, preparação e equipamento do exército anglo-egípcio.
No exército mahdista existiam menos de 20.000 espingardas
(FEATHERSTONE, 61-63).
A Batalha de Omdurman foi a primeira demonstração real do poder de fogo proporcionado pelas metralhadoras, factor determinante durante a Primeira Guerra Mundial (R. E. DUPUY & T. N. DUPUY, 848). A
principal consequência desta vitória anglo-egípcia foi a submissão
do território sudanês à autoridade egípcia e a extinção do
Mahdismo no Sudão. Durante o bombardeamento de Omdurman, o túmulo
do Mahdi foi destruído. Os Britânicos assumiram o controlo do Nilo
e iriam defender vigorosamente esse status. Tinha
início o chamado Anglo-Egyptian Condominium que
iria durar até 1955. Foi um condomínio não isento de percalços e o primeiro deles, em Fachoda, para sul de Cartum, no Nilo Branco, pôs frente a frente Britânicos e Franceses.
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