quinta-feira, 10 de abril de 2025

Bibliografia sobre a Primeira Guerra Mundial

A bibliografia aqui apresentada foi consultada por mim, com mais ou menos pormenor, conforme os temas. Certamente que existirão outras obras importantes e, por isso, a quem quiser ter a amabilidade de as indicar, sejam livros, artigos ou páginas da Internet, fico grato. Fica a ganhar quem procurar uma bibliografia sobre o tema.

Dividi esta bibliografia em três partes: livros em papel, livros digitalizados disponibilizados na Internet e artigos em publicações periódicas ou páginas na Internet.

Este é um artigo que estará sempre em atualização. Periodicamente serão acrescentados novos dados.


LIVROS EM PAPEL

  • Anderson, M. S., The Eastern Question, The MacMillan Press Ltd, United Kingdom, 1978, ISBN 0-333-03781-2.
  • Andoin-Rouzeau, Stéphane & Becker, Jean Jacques, Encyclopédie de la Gtande Guerre, França, Bayard, 2004, ISBN 978-2-227-13945-5.
  • Asprey, Robert B., The German Hight Command at War. Hindenburg and Ludendorff and the Firs World War, Warner Books, USA, 1991, ISBN 0-7515-1038-6.
  • Barnett, Correlli, The Swordbearers. Supreme Command in the First World War, Cassel & Co, Londres, Grã-Bretanha, 2000, ISBN 0-304-35283-7.
  • Ferro, Marc, A Grande Guerra 1914-1918, Edições 70, Lisboa, janeiro, 2008, ISBN 978-972-44-1438-6.
  • Fischer, Fritz, Germany's Aims in the First World War, W. W. Norton & Company, New York, USA, 1968, ISBN 978-0-393-09798-6.
  • Fuller, John Frederick Charles, A Military History of the Western World. Volume III: From the American Civil War to the End of World War II, Da Capo Press, New York, USA, 1987, 0-306-80306-2.
  • Gilbert, Martin, A Primeira Guerra Mundial, A Esfera dos Livros, Lisboa, fevereiro de 2007, ISBN 978-989-626-049-1.
  • Gilbert, Martin, Somme. The Heroism and Horror of War, John Murray, Great Britain, 2006, ISBN0-7195-6863-3.
  • Girault, René, Diplomatie européenne. Nations et impérialismes 1871-1914, Éditions Payot & Rivages, Paris, 2004, ISBN 2-228-89919-4.
  • Guilleminault, Gilbert, Les deus faces de la Grande Guerre, Librairie Plon, Paris, 1964.
  • Halpern, Paul G., A Naval History of World War I, UCL Press, University College London, United Kingdom, 1995, ISBN 1-85728-498-4.

  • Hardach, Gerd, The First World War 1914-1918, Pelican Books, Great Britain, 1977, ISBN 0-14-022679-6.
  • Haythornthwaite, Philip J., The World War One Source Book, Great Britain, London, Brockhampton Press, 1998, ISBN 1-86019-852-X.
  • Hart, Basil Henry Liddell, History of the First World War, Papermac, Macmillan Publishers, Great Britain, London, 1997, ISBN 0-330-58261-6.
  • Hindenburg, Field Marshal Paul von, The Great War, Frontline Books, London, 2013, ISBN 978-1-84832-724-5.
  • Holmes, Richard, The Western Front, BBC, London, 1999, ISBN 0-563-38493-X.
  • Howard, Michael, The First World War. A Very Short Introduction, Oxford University Press, Great Britain, 2002, ISBN 978-0-19-920559-2.
  • Keegan, John, The First World War, Alfred A. Knopf, New York, USA, 1998, ISBN 0-375-40052-4.
  • Kennedy, Paul, Strategy and Diplomacy 1870-1945, Fontana Press, London, England, 1989, ISBN0-00-686165-2.
  • MacMillan, Margaret, The War that Ended Peace. How Europe Abandoned Peace for the First World War, Profile Books, mLondon, 2013, ISBN 978-184-668-272-8.
  • Massie, Robert K., Dreadnought. Britain, Germany, and the Coming of the Great War, Random House, New York, 1991.
  • Tuchman, Barbara, The Guns of August, Penguin Books, 06-2014, ISBN 978-024-196-821-5. «O clássico best-seller sobre o início da Primeira Guerra Mundial».
  • Tucker, Spencer C., The European Powers in the First World War. An Encyclopedia. United States of America, New York, Garland Publishing, 1996, ISBN 0-8153-3351-X.





LIVROS DIGITALIZADOS





ARTIGOS EM PERIÓDICOS OU NA INTERNET

  • Barroso, Luís, «A Grande Guerra em Angola. A Expedição de Alves Roçadas e de Pereira d'Eça na Estratégia Intervencionista» in Ler História, n.º 72, 2018, Centro de Estudos Internacionais, ISCTE-IUL, Portugal, pp. 129-149, in https://journals.openedition.org/lerhistoria/3524, visto em 2025-04-07.

  • Espírito Santo, General Gabriel Augusto do, «A Grande Guerra e a Arte Militar» in Revista Militar, n.º 2545/2546, fevereiro/março, 2014, pp. 137-184 in https://www.revistamilitar.pt/artigo/905, visto em 2025-04-07.

  • Reis, Bruno Cardoso, «Portugal e as Pequenas Potências na Grande Guerra de 1914-1918», in Relações Internacionais, n.º 42, junho de 2014, pp. 35-61 in http://hdl.handle.net/10451/11723, visto em 2025-04-07.



O Tratado Franco-Russo de 1894

Guilherme II da Alemanha (1859-1941) iniciou o seu reinado a 15 de junho de 1888. O novo imperador não só não concordava com a política do seu chanceler, Otto von Bismarck (1815-1898) como desejava chamar a si todas as responsabilidades do poder. A política de Bismarck, cujo objetivo era manter a paz e o status quo favorável à Alemanha, foi abandonada e, no seu lugar, foi adotada uma política mais agressiva que lançou a Alemanha no grupo dos impérios coloniais. Em março de 1890, Bismarck apresentou a sua demissão a Guilherme II que, segundo as próprias palavras do Chanceler, «a única coisa que desejava era ver-se livre de mim para poder governar sozinho, para mostrar ao mundo todo o seu génio e alcançar a glória.»

Na realidade, a Alemanha tinha evoluído e já não correspondia à ideia que Bismarck fazia do seu próprio país. Novas estruturas económicas e sociais foram criadas pelo grande e rápido desenvolvimento industrial. O núcleo forte do poder alemão foi transferido das províncias orientais, rurais e aristocráticas, de onde Bismarck era oriundo, para a região do Reno, onde as matérias-primas, a energia e as vias fluviais permitiram a implementação e desenvolvimento de grande parte da poderosa indústria alemã. Foi ainda no tempo de Bismarck que se iniciaram as iniciativas coloniais, mas a nova economia começava a ressentir-se da política demasiado europeia do chanceler, porque não permitia a expansão comercial necessária à continuação do desenvolvimento industrial. Guilherme II defendia uma política que não se confinava ao espaço europeu; uma política mundial (Weltpolitik).

Esta alteração na política externa teve como consequência o choque entre o Imperador e o Chanceler e a sua demissão em março de 1890. O próprio sistema de alianças criado por Bismarck foi posto em causa. O Tratado de Resseguro, assinado entre a Alemanha e a Rússia, continha cláusulas que colidiam com as disposições da Tríplice Aliança. Para Guilherme II, esta situação perante a Áustria-Hungria era inadmissível. O Chefe do Estado-Maior General, Alfred von Waldersee, que tinha sucedido em 1888 a Helmuth von Moltke (1800-1891), mostrava o seu desagrado pela política de aproximação à Rússia e a sua opinião tinha influência junto do Imperador. Depois de Bismarck abandonar o governo da Alemanha, a 19 de março de 1890, o embaixador russo em Berlim informou que a Rússia aceitava prolongar por seis anos o Tratado de Resseguro que expirava em junho desse ano. O novo governo da Alemanha entendeu que este tratado estava em contradição com o espírito da Tríplice Aliança, mas considerou essencial manter o acordo com a Rússia a fim de evitar um entendimento entre aquela potência e a França. O próprio governo russo estava disposto a aceitar um acordo mais limitado. No entanto, apesar das recomendações do governo alemão, Guilherme II não autorizou a renovação do Tratado de Resseguro.

O que levou Guilherme II a proceder desta forma? O embaixador alemão em Sampetersburgo aconselhou a renovação do tratado porque, caso contrário, a Rússia seria forçada a procurar junto de outra potência o apoio que a Alemanha lhe negava. No entanto, os conselheiros do Imperador argumentavam que a Rússia não iria aliar-se com o Reino Unido, com quem se chocava na sua expansão na Ásia Central, nem com a França, uma república, que não tinha condições para apoiar a Rússia nas suas ambições sobre os Estreitos de Dardanelos e do Bósforo. Estas previsões estavam erradas, pois, no dia 18 de agosto de 1892, foi estabelecido um Acordo (Entente) militar franco-russo que seria ratificada por Alexandre III da Rússia, a 27 de dezembro de 1893, e pelo governo francês, a 4 de janeiro de 1894. Tinha terminado o isolamento da França. 

O caminho percorrido até à assinatura da convenção militar foi longo e para ele contribuíram receios e desconfianças, de parte a parte, que persistiram após a assinatura da convenção franco-russa e explicam o facto de ter passado tanto tempo entre a sua assinatura e a respetiva ratificação.

A primeira aproximação entre a França e a Rússia foi feita no campo económico. Foi proporcionada pela crise que surgiu nos Balcãs com a eleição, a 7 de julho de 1877, de Fernando de Saxe-Coburgo (1861-1948) como príncipe da Bulgária (Ver o artigo «A Dupla Aliança e a Nova Liga dos Três Imperadores»). A Alemanha apoiou a Áustria-Hungria e Bismarck, para mostrar aos russos a desvantagem de se isolarem e, ainda mais, de se colocarem contra as potências da Aliança Dual, proibiu o Reichsbanck de transferir mais dinheiro para a Rússia. A primeira consequência deste ato seria a de paralisar o desenvolvimento da rede ferroviária da Rússia. A França aproveitou a ocasião para oferecer a sua colaboração financeira e foram iniciadas negociações entre o ministro russo das Finanças e os principais bancos franceses. Em novembro de 1888, foi assinado um acordo segundo o qual os bancos franceses emprestavam à Rússia 125 milhões de rublos. Mais tarde foram negociados e realizados novos empréstimos. O governo da República Francesa esperava utilizar a ajuda financeira para colocar a Rússia do seu lado.

Em agosto de 1890, no mesmo ano em que não foi renovado o Tratado de Resseguro, o general Raoul Le Mouton de Boisdeffre (1839-1919), subchefe do Estado-Maior francês, assistiu às manobras do exército russo. A sua estadia foi aproveitada para participar em várias reuniões com os chefes militares russos, onde falaram da possibilidade da criação de uma convenção militar entre os dois países. Ficou informalmente estabelecido, entre os Estados-Maiores da França e da Rússia, que os dois exércitos deviam agir em coordenação um com o outro caso um dos países fosse atacado. No ano seguinte, a Rússia encomendou armamentos à França. Os laços entre as duas potências estreitavam-se. Quando o presidente francês, Marie François Sadi Carnot (1837-1894), visitou São Petersburgo, em 1891, o czar condecorou-o com a Ordem de Santo André, uma das mais importantes condecorações russas. Os Franceses estavam ansiosos por assinarem uma aliança com a Rússia, mas o czar continuava a hesitar. A questão económica que permitira uma primeira aproximação entre os dois países iria servir então para a França pressionar a Rússia: o governo francês influenciou o banco Rothschild para que este não concedesse qualquer empréstimo à Rússia enquanto esta não assinasse um acordo com a França.

A 6 de maio de 1891, a Tríplice Aliança foi renovada por doze anos. Também nesse ano, o governo russo tomou conhecimento dos Acordos do Mediterrâneo que ligavam o Reino Unido à Itália e à Áustria-Hungria, potências da Tríplice Aliança. O governo russo considerou a possibilidade de o Reino Unido se juntar à Tríplice Aliança. Desta forma, a Rússia seria obrigada a sustentar uma guerra em várias frentes: a ocidente contra a Alemanha e a Áustria, provavelmente contra a Turquia nas costas do Mar Negro e no Cáucaso, e contra o Reino Unido na Ásia Central, onde colidiam interesses russos e britânicos. A Rússia estava isolada e a melhor forma de combater esse isolamento era uma aproximação à França.

Em julho de 1891, Guilherme II da Alemanha visitou Londres, numa tentativa de trazer o Reino Unido para a Tríplice Aliança, diligência em que não obteve os resultados desejados. No dia 23 desse mês, uma frota francesa sob comando do almirante Alfred Gervais (1837-1921), chegou a Kronstadt, cidade russa no Golfo da Finlândia. A frota francesa foi recebida com entusiasmo. Numa cerimónia, em honra dos oficiais franceses, a orquestra russa tocou o hino nacional francês, a Marselhesa. Num sistema autocrata como o que existia na Rússia, tocar o hino revolucionário adotado em 1795 para a Primeira República Francesa era um sinal inequívoco da vontade de realizar a aproximação à França.

Apesar de destas manifestações de amizade entre franceses e russos, foi preciso esperar mais um ano para que fosse assinado um documento que comprometia as duas potências. Antes da chagada da esquadra francesa a Kronstadt, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Nicolay Giers (1820-1895), convidou o embaixador da França, Paul Lefebvre de Laboulaye (1833-1905), e preparou com ele as negociações para um entendimento entre os dois governos. O primeiro acordo foi conseguido a 27 de agosto de 1891. Tratava-se de um acordo secreto que era apenas um acordo de princípio. Por que é que não foram mais longe quando convinha à Rússia que esse acordo estivesse concluído na eventualidade de um conflito com o Reino Unido na Ásia Central? O governo russo temia encorajar a França a tentar reconquistar os territórios da Alsácia-Lorena perdidos há vinte anos. O acordo estabelecia apenas a obrigação de uma das potências consultar a outra caso ocorresse alguma ameaça. Nenhuma das potências garantia à outra, de forma formal, qualquer apoio armado.

Enquanto eram dados estes passos de aproximação entre a França e a Rússia, o governo russo continuava a acalentar a esperança de uma reaproximação à Alemanha. Alexandre III da Rússia encontrou-se com Guilherme II em Kiel, no atual Estado alemão de Schleswig-Holstein. O encontro não foi favorável a Alexandre III e, a partir daí, o czar pareceu ter ficado realmente convencido que a desejada aproximação era impossível. A imprensa francesa criticava a indecisão russa e só no verão de 1882 o czar decidiu avançar com as negociações com os franceses. O general Boisdeffre deslocou-se à Rússia para negociar com o general Nikolai Obruchev (1830-1904) um acordo militar. No dia 18 de agosto de 1892, foi assinada a Convenção Militar Franco-Russa. 

Nos termos deste acordo, estava previsto que a Rússia ajudaria a França com 800.000 homens no caso de esta ser atacada pela Alemanha ou pela Itália; que a ajuda francesa seria de 1.300.000 homens se a Rússia fosse atacada pela Alemanha ou pela Áustria-Hungria apoiada pela Alemanha; que uma mobilização, mesmo que parcial, de uma das potências da Tríplice, teria como resposta a mobilização geral na França e na Rússia; que, em caso de guerra, uma das partes não faria a paz separadamente. Por fim, estabelecia-se que o acordo seria absolutamente secreto e teria a mesma duração que a Tríplice Aliança. Este acordo foi assinado pelos generais Boisdeffre e Obrutchev.

O acordo entre a França e a Rússia, assinado pelos dois generais, devia ser ratificada para entrar em vigor. Esta ratificação dependia, na Rússia autocrática, do próprio czar; na França republicana, do Parlamento. Esta era, no entanto, uma convenção secreta, pelo que, em França, a convenção seria ratificada pelo governo. As respetivas ratificações só foram feitas em dezembro de 1893 pela Rússia e janeiro de 1894 pela França. Por que é que a ratificação demorou tanto tempo?

Subsistiam problemas em ambas as partes que levaram os respetivos governos a adiar a ratificação da convenção. Em França, o carácter secreto do tratado era considerado inconstitucional. Também existia uma cláusula que impunha à França a mobilização geral em caso de se registar uma mobilização mesmo que parcial na Áustria-Hungria e temia-se que a França fosse arrastada para uma guerra europeia devido a alguma questão que podia ser confinada aos Balcãs. Por seu lado, a Rússia mostrou-se apreensiva com uma ligação tão estreita a um país onde a grande notícia era um escândalo de corrupção de grandes dimensões, o "Escândalo do Panamá". Este caso de corrupção, descoberto em 1892, estava ligado à construção do Canal do Panamá, envolvendo não só a Companhia Universal do Canal Interoceânico do Panamá, que tinha sido fundada em 1879 pelo engenheiro Ferdinand de Lesseps, mas também altos funcionários do Estado e alguns políticos.



A Rússia insistiu nas suas tentativas de manter os laços com a Alemanha. O filho do czar, o czarevitch Nicolau, o futuro Nicolau II (1868-1918), deslocou-se a Berlim em janeiro de 1893 e insistiu na necessidade de a Alemanha apoiar uma «coligação contra a França». Em abril foi Giers, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, que apresentou propostas ao governo alemão para uma reaproximação entre os dois impérios. O governo alemão, no entanto, manteve-se de tal forma inflexível que nem aceitou participar em negociações de carácter comercial. Dando como certa uma ligação entre a Rússia e a França, o Governo alemão impôs taxas elevadas às mercadorias provenientes da Rússia e apresentou um orçamento para aumento das despesas militares, antecipando uma guerra em duas frentes. Esta atitude dos alemães e a necessidade que o governo russo tinha de obter financiamento tiveram como consequência a decisão definitiva do czar. Em 1893, entre os dias 13 e 29 de outubro, uma esquadra russa deslocou-se até Toulon e teve uma receção calorosa. Mesmo sem conhecimento da convenção, que era secreta, a multidão sentia a aproximação entre os dois países.

No dia 27 de dezembro de 1893, o czar Alexandre III da Rússia ratificou o Acordo Franco-Russo de 17 de agosto de 1892. O governo francês tomou a mesma atitude a 4 de janeiro de 1894. A partir desta última data, o Acordo Franco-Russo entrou em vigor como um tratado de aliança entre a França e a Rússia. Este facto não teve como única consequência quebrar o isolamento diplomático da França. Também colocou a Alemanha na perspetiva de uma guerra em duas frentes. As alterações que se verificaram posteriormente – a aproximação franco-italiana, a aproximação do Reino Unido, primeiro à França, depois à Rússia – não só não eliminaram a situação desconfortável em que a Alemanha ficou com Tratado Franco-Russo como ainda a agravaram.

Texto do Tratado franco-russo em “THE AVALON PROJECT” da Yale Law School, EUA, (http://avalon.law.yale.edu/19th_century/frrumil.asp)

O Tratado Heligolândia-Zanzibar

Bismarck não viu vantagens na expansão ultramarina porque a considerava uma dispersão de forças e a fonte de prováveis conflitos com as outras Potências colonizadoras. No entanto, acabou por aceitar essa expansão por duas razões: no campo interno, pela pressão exercida pelos partidários da expansão colonial, e no campo externo, porque as colónias poderiam ser utilizadas na sua diplomacia europeia. Os Alemães ocuparam algumas posições em África que deram origem, entre outras, à chamada África Oriental Alemã que hoje corresponde, grosso modo, à atual Tanzânia, a norte de Moçambique. Nesta região surgiram conflitos de interesses entre a Alemanha e o Reino Unido.

A pretensão dos alemães em avançarem mais para o interior até à fronteira do Estado Independente do Congo colidia com os interesses britânicos que se materializavam na ligação entre o Cabo e o Cairo e no domínio do vale do Nilo. O projeto de Cecil Rhodes chocava com os interesses alemães da mesma forma que chocou com o projeto português do Mapa Cor de Rosa, que previa o exercício da soberania portuguesa sobre os territórios entre Angola e Moçambique. No caso português, não havendo acordo entre respetivos governos, os britânicos resolveram o problema com o ultimato de 11 de janeiro de 1890, mas, no caso da colónia alemã, negociaram com os alemães e chegaram a um acordo que ficou registado no Tratado de Heligolândia-Zanzibar de 1 de julho de 1890. 

Os termos do Tratado podem ser consultados em https://germanhistorydocs.ghi-dc.org/pdf/eng/606_Anglo-German%20Treaty_110.pdf. Chama-se a atenção para o facto de existir um erro no segundo parágrafo do ponto 3 do Artigo I porque onde se lê «In Southwest Africa» deve ler-se «In East Africa».


Localização da ilha de Heligolândia (Helgoland, em alemão). Imagem obtida em https://www.lrb.co.uk/the-paper/v39/n16/neal-ascherson/a-swap-for-zanzibar

O Artigo I deste tratado estabelecia a demarcação das esferas de influência alemã e britânica na África Oriental. O Artigo II estabelecia as medidas a serem adotadas por cada uma destas Potências para a implementação das linhas de demarcação descritas no artigo anterior. Em seguida, tratava-se da demarcação das esferas de influência da Alemanha e do Reino Unido no Sudoeste Africano (Artigo III) e na África Ocidental (Artigo IV). Nos artigos seguintes tratavam-se questões relativas à implementação do tratado, ao estabelecimento de um protetorado britânico em Zanzibar (Artigo XI) e da cedência do arquipélago de Heligolândia à Alemanha (Artigo XII).

O Arquipélago de Heligolândia estava sob domínio britânico desde 1807. É formado por duas ilhas e situado no Mar do Norte a cerca de 60 km da foz do Rio Elba. Até 1720, estas duas ilhas formavam uma só, mas uma grande tempestade veio dividir o território que se mantém como um arquipélago até à atualidade. Estas ilhas eram de grande importância para a Alemanha, pois estão situadas numa posição que ajuda à defesa do extremo ocidental do canal de Kiel. A construção deste canal começou em 1887 e ficou concluída em 1895. O canal de Kiel permitia encurtar a viagem entre o Mar do Norte e o Mar Báltico em cerca de 460 Km evitando contornar a Península da Jutlândia e passar pelo estreito de Skagerrak dominado pela Dinamarca, Suécia e Noruega. Tornava-se assim mais rápido e mais seguro para a marinha alemã ligar as suas bases navais no Báltico e no Mar do Norte. As ilhas de Heligolândia funcionavam como um posto avançado que permitia vigiar para que este movimento fosse executado em segurança.

O Arquipélago de Zanzibar situa-se no oceano Índico, ao largo da costa da atual Tanzânia, a uma distância entre 40 e 50 km do continente africano. Em 1698, o sultanato de Omã ocupou Zanzibar, que se tornou o entreposto comercial do oceano Índico Ocidental, vendendo escravos e marfim no mundo árabe, na Índia e através do Oceano Atlântico. Em 1841, o sultão Said Ibn (1805-1856) mudou a sua corte de Omã para Zanzibar. Os britânicos exerceram uma forte influência junto do Sultão. Em 1873, John Kirk, cônsul britânico entre 1866 e 1887, persuadiu o sultão a pôr fim ao tráfico de escravos.

Localização das duas principais ilhas do Arquipélago de Zanzibar. Imagem obtida em https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Anglo%E2%80%93Zanzibari#/media/Ficheiro:Anglo-Zanzibar_war_map-pt.png

A expansão alemã, no território que é hoje a Tanzânia, foi iniciada pela Sociedade para a Colonização Alemã, fundada por Carl Peters a 28 de março de 1884. Quando os alemães se apoderaram dos territórios no continente africano, o Sultão de Zanzibar protestou porque considerava que o território em que era soberano englobava não só o arquipélago, mas também o território continental. Houve revoltas que foram duramente reprimidas. A 29 de outubro de 1886, a Alemanha e o Reino Unido estabeleceram um acordo em que partilhavam os territórios africanos. Aos domínios do Sultão era garantida a independência, mas ficaram limitados ao Arquipélago de Zanzibar e uma faixa de território no continente, ao longo da costa, com cerca de 16 km de largura. A presença britânica em Zanzibar era tolerada pelos alemães.

Em 1888 houve uma importante revolta, duramente reprimida. Ficou conhecida como Revolta Abushiri ou Revolta dos Traficantes de Escravos. A revolta revelou a completa incapacidade da Companhia Alemã da África Oriental para administrar o seu território. A 1 de janeiro de 1891, o governo imperial alemão assumiu o controlo da África Oriental Alemã, e a companhia recebeu uma generosa compensação financeira. Uma força militar sob o comando de Hermann Wissmann (1853-1905) foi convertida na Kaiserliche Schutztruppe für Deutsch-Ostafrika. Sob o comando de Wissmann, essa força iniciou a subjugação completa do território.

Os interesses alemães estendiam-se a territórios que os britânicos pretendiam controlar. Houve contactos diplomáticos entre as duas potências e foi estabelecido um acordo que delimitava fronteiras e zonas de influência. Para a Alemanha, o tratado era importante porque clarificava as suas zonas de ação em África, reduzindo os fatores de tensão com o Reino Unido, o que se enquadrava nos seus objetivos diplomáticos na Europa. Ao negociar a posse de Heligolândia em troca da cedência às reivindicações britânicas sobre Zanzibar, os alemães demonstraram que estavam dispostos e capazes de participar nas disputas territoriais e de influência, sem necessidade de um confronto direto com a potência naval dominante, o Reino Unido. Essa decisão permitiu à Alemanha afirmar-se como potência emergente, reforçando a sua imagem nos planos nacional e internacional.

Por outro lado, a ilha de Heligoland, situada no Mar do Norte, apresentava uma localização privilegiada para fins militares. Ao garantir o seu controle, a Alemanha assegurava uma base que poderia ser transformada num posto avançado para a Marinha, permitindo a vigilância das rotas marítimas do mar do Norte e proteção da costa alemã no Mar do Norte e da saída ocidental do Canal de Kiel. Num cenário em que a Royal Navy dominava os mares, a posse desta ilha pela Alemanha ganhava especial importância.

Pelo lado britânico podemos identificar interesses estratégicos e económicos. Sendo Zanzibar um ponto estratégico do Oceano Índico, muito importante para o comércio e para a navegação, o seu controlo significava o controlo das rotas comerciais na região e a consolidação da influência britânica na África Oriental. O tratado também permitiu manter uma situação estabilizada na região das nascentes do Nilo. O Reino Unido obteve, além de Zanzibar, o conjunto de territórios que correspondem ao Quénia e ao Uganda. A influência britânica também permitiria reduzir ou até eliminar o comércio de escravos em Zanzibar. Esse movimento de combate à escravatura também permitia aos britânicos justificarem moralmente a sua expansão imperial. Finalmente, o Tratado garantiu aos britânicos a possibilidade de expansão da infraestrutura ferroviária entre a costa oriental alemã e o Lago Vitória, sem interferência alemã. Na Europa, a expansão da marinha alemã dificultava a manutenção da Heligolândia sob domínio britânico. 

O facto de, para a Alemanha, ser muito importante ganhar a amizade da Inglaterra contribuiu para o sucesso das negociações. Este tratado foi o primeiro de uma série de acordos que permitem partilhar África. Sobre muitos dos territórios que foram então repartidos, conhecia-se pouco e os acordos de partilha referiam frequentemente acidentes do terreno ou cursos de água cuja localização não era inteiramente conhecida, por vezes nem havia a certeza da sua existência. Uma das consequências mais graves deste procedimento foi o facto de serem traçadas fronteiras segundo os critérios das potências ocidentais e sem olharem aos interesses dos povos africanos.


domingo, 6 de abril de 2025

A renovação da Tríplice Aliança e o Tratado de Resseguro

1887 foi o ano em que era necessário renovar a Tríplice Aliança, iniciada a 20 de maio de 1882, e o Tratado dos Três Imperadores, firmado a 18 de junho de 1881 e renovado pela primeira vez em 1884. No primeiro caso, a 20 de fevereiro de 1887, foi assinado o Tratado que renovava a Tríplice Aliança. No segundo caso, os acontecimentos seguiram um rumo diferente.

No ano em que devia ser renovado o Tratado dos Três Imperadores, as rivalidades entre a Áustria-Hungria e a Rússia nos Balcãs evidenciavam a dificuldade de coexistência daquelas potências no mesmo sistema de alianças. Por outro lado, a França mostrava que não desejava a aproximação à Alemanha e a questão da Alsácia-Lorena continuava a estar na sua linha de prioridades. Para Bismarck, o principal obstáculo a uma paz duradoura na Europa era a vontade da França em reconquistar os territórios perdidos em 1871 e, por isso, uma ligação da Alemanha com a Rússia era fundamental para manter a França isolada. No entanto, a não renovação do tratado em que se baseava a Liga dos Três Imperadores libertou a Rússia dos seus compromissos com a Alemanha. A Rússia estava livre para uma aliança com a França, o que, para a Alemanha, representava o perigo de uma guerra em duas frentes. Para manter o status quo favorável à Alemanha, Bismarck procurou formas de reforçar a Tríplice Aliança, manter a ligação com a Rússia e fazer entrar o Reino Unido no seu sistema.

Carlo Felice Nicolis, conde de Robilant (1826-1888), ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, aproveitou as crises para melhorar a posição diplomática da Itália, colocando condições para a renovação da Tríplice Aliança. Robilant queria garantir que as posições italianas no Mediterrâneo seriam mantidas. Esta garantia pretendia proteger da França os interesses italianos na Tripolitana (região norte da Líbia). Também exigiu a promessa de obter compensações no caso de a Áustria-Hungria obter ou apenas administrar novos territórios nos Balcãs. A oposição inicial da Alemanha e da Áustria-Hungria foi ultrapassada pela evolução da crise na Bulgária e na fronteira entre a Alemanha e a França. Bismarck negociou com Viena que não pretendia envolver-se na questão da Tripolitana e o resultado foi a renovação antecipada do tratado, acompanhada de duas convenções anexas, destinadas a satisfazer as exigências italianas.

A primeira convenção foi assinada entre a Áustria-Hungria e a Itália. A convenção declarava a vontade de as potências signatárias manterem o status quo nos Balcãs, mas, no caso de a Áustria-Hungria se encontrar na iminência de ocupar novos territórios, a Itália seria imediatamente consultada e ser-lhe-ia atribuída uma compensação. A segunda convenção foi assinada entre a Alemanha e a Itália. A Alemanha comprometia-se a dar apoio militar à Itália se, devido à expansão francesa no Norte de África, a Itália entrasse em guerra com a França. A assinatura das convenções foi feita em fevereiro de 1887. Nos termos destas convenções, a Áustria-Hungria não tinha que se envolver na questão da Tripolitana. No entanto, o conflito de interesses nos territórios coloniais podiam acionar os termos da aliança. A Alemanha ficava obrigada, por esta convenção, a entrar num conflito com origem colonial. Este facto impunha que o governo francês agisse com cautela, pois a convenção germano-italiana tinha um carácter ofensivo relativamente à França.

Bismarck procurou criar um sistema de alianças que mantivesse a França isolada, mas também não deixou de tentar uma aproximação franco-alemã. Se fosse possível manter com a França uma relação estreita e cooperante, o perigo de uma nova guerra ficava mais distante. Ao tentar essa aproximação, Bismarck incentivou a França a lançar-se numa política colonial mais vasta. Procurava com esta política que a França dirigisse o seu esforço e atenção para longe da Alsácia-Lorena. A sua convicção de que esta política permitiria ultrapassar as divergências entre as duas potências seria genuína? Bismarck afirmou que era necessário «que a Grã-Bretanha se habitue à ideia de que uma aliança franco-alemã não é impossível». No entanto, não só os franceses, desconfiados das intenções do chanceler alemão, não desejavam uma aproximação que implicasse aceitar tacitamente o abandono da Alsácia-Lorena como, sabemos hoje, Bismarck pretendia evitar uma aproximação entre a França e o Reino Unido. Numa nota por ele escrita, pode-se ler que é preciso «tratar bem os desentendimentos entre a França e a Grã-Bretanha.»

A 7 de janeiro 1886, Charles de Freycinet (1828-1923) assumiu o cargo de primeiro-ministro francês, tendo o general Georges Boulanger (1837-1891) como ministro da guerra. Boulanger apelou à vingança contra a Alemanha e ficou conhecido como Général Revanche. No Estado-Maior francês instalou-se um ambiente claramente anti alemão. Esta atitude do ministro da guerra francês inquietou tanto os alemães como os outros membros do governo francês que, no entanto, não foi remodelado. Na Alemanha foi votada uma nova lei militar, foram convocadas tropas da reserva e foram tomadas medidas contra os habitantes da Alsácia-Lorena que se mostravam rebeldes à germanização do território. Bismarck deixou claro que, se a Ligue des Patriotes, que apoiava Boulanger, chegasse ao poder em França, a Alemanha tomaria a iniciativa da guerra.

Esta situação foi agravada pelo “caso Schnaebelé”. Guillaume Schnaebelé (1831-1900) era comissário da polícia em Pagny-sur-Moselle, na parte ocidental da Lorena, que não foi integrada no Império Alemão, e era também um agente dos serviços de informações franceses. Os alemães detetaram as suas atividades e, em abril de 1887, um grupo de polícias alemães entrou em território francês, prendeu Schnaebelé e levou-o para território alemão. Ao ser divulgada esta notícia, a opinião pública francesa exigiu que o governo tome uma atitude imediata. Boulanger aproveitou a situação para propor uma mobilização parcial das tropas na região, mas esta medida foi recusada no conselho de ministros de 23 de abril porque poderia desencadear uma guerra. A libertação de Schnaebelé foi ordenada por Bismarck a pedido do embaixador francês em Berlim. Para a opinião pública francesa, o que aconteceu foi uma provocação da parte da Alemanha visando desencadear uma guerra. Os apoiantes de Boulanger entenderam que foram as declarações agressivas do ministro que fizeram recuar os alemães. No entanto, em maio de 1887, Boulanger foi afastado do governo, o que agradou a Bismarck. Este, entretanto, aproveitou a crise para obter do Reichstag mais recursos militares.

Ultrapassada a crise franco-alemã, Bismarck considerou que o acordo conseguido entre a Alemanha e a Itália podia conduzir facilmente a um conflito com a França. A sua solução continuou a passar pelo reforço do sistema de alianças por forma a manter o isolamento da França e, desta forma, tentou envolver o Reino Unido na questão. A França e a Inglaterra encontravam-se em conflito (não armado) devido ao Egito. Perante esta situação, Bismarck pressionou a diplomacia italiana para apresentar propostas a Londres no sentido de obter o apoio britânico contra a França. A 12 de fevereiro de 1887, foi assinado um acordo anglo-italiano no qual a Itália se comprometia a apoiar a ação do Reino Unido no Egito. Por seu lado, o Reino Unido comprometia-se a ajudar a Itália a opor-se à ocupação da Tripolitana pelos franceses. A Itália e o Reino Unido comprometeram-se também a manter o status quo no Mediterrâneo (incluindo o Mar Egeu e o Mar Negro) e, nessa impossibilidade, comprometiam-se a negociar as alterações a introduzir.

Os compromissos britânicos eram muito vagos porque não especificavam qual o tipo de ajuda que o Reino Unido prestaria à Itália. Nada obrigava a que essa ajuda tivesse um carácter militar. Lord Salisbury (1830-1903), primeiro-ministro britânico, entendia que a situação seria analisada quando necessário e então seria tomada a decisão de apoiar ou não militarmente a Itália. O acordo anglo-italiano também tinha uma cláusula contra a Rússia: afirmava o princípio do fecho dos estreitos (Bósforo e Dardanelos). A Áustria-Hungria associou-se a este acordo a 24 de março de 1887 e, a 4 de maio, a Espanha também aderiu. Este conjunto de acordos ficaram conhecidos como "Acordos do Mediterrâneo". Bismarck não subscreveu o acordo para manter a abertura necessária a negociações com a Rússia.

O czar, preocupado e descontente com os progressos da Áustria-Hungria nos Balcãs, manifestou a intenção de não renovar, o Tratado dos Três Imperadores, em junho de 1887. Pelo seu lado, a França desenvolveu ações de aproximação à Rússia, onde as propostas francesas começavam a encontrar um acolhimento favorável. O movimento pan-eslavista mostrava-se favorável a uma aproximação com a França. No entanto, Alexandre III tinha uma desconfiança demasiado grande relativamente ao regime republicano e deu carta-branca ao seu chanceler, Nikolay de Giers (1820-1895), para negociar com Bismarck. Em junho de 1887, o ministro russo assinou com a Alemanha um tratado secreto, designado “Tratado de Resseguro”, válido por três anos. Nos termos deste tratado, a Alemanha e a Rússia garantiam uma à outra a neutralidade em caso de guerra com uma terceira potência, a menos que a Alemanha atacasse a França ou a Rússia atacasse a Áustria-Hungria. Desta forma, a Alemanha ficava garantida contra uma guerra em duas frentes, contra a França e a Rússia. Este acordo também mostra que Bismarck não tinha intenção de desencadear uma guerra contra a França. A Rússia evitava desta forma uma guerra simultânea contra a Áustria-Hungria e a Alemanha. Ficava também estabelecido que a Alemanha não apoiaria a Áustria-Hungria se esta pretendesse expandir-se à custa da Rússia.

Por insistência do czar, para fugir ao julgamento da opinião pública, o tratado foi mantido secreto. Mas existiam outras razões para este secretismo que interessavam principalmente à Alemanha. Este tratado dificilmente seria bem-aceite pela Áustria-Hungria, aliada da Alemanha na Tríplice Aliança. Além disso, com o tratado, foi assinado um documento em que Bismarck prometia ajudar a aumentar a influência russa na Bulgária e não interferir com uma tentativa russa de se apoderar de Constantinopla. Neste último caso, seria certo um confronto entre a Rússia e o Reino Unido.

Com este tratado, Bismarck criou um sistema de alianças no qual a Alemanha se encontrava ligada à Áustria-Hungria e à Itália pela Tríplice Aliança (renovada em fevereiro de 1887) e à Rússia pelo Tratado de Resseguro (junho de 1887). Os seus aliados na Tríplice Aliança ligavam-se ao Reino Unido pelos Acordos do Mediterrâneo. Este sistema representava, no Verão de 1887, o máximo isolamento da França. No entanto, trava-se de um sistema que podia ser ameaçado por alguma indiscrição que revelasse os termos do Tratado de Resseguro, pois este era um tratado que, de alguma forma, punha em causa o apoio da Alemanha à Áustria-Hungria. Bismarck tinha consciência da fraqueza deste sistema e, em 1889, pensou substituir o acordo com a Rússia por uma aliança defensiva com o Reino Unido, dirigida contra a França e a Rússia. O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Herbert von Bismarck (1849-1904), filho de Bismarck, deslocou-se a Londres, mas não conseguiu estabelecer o acordo e, em outubro de 1889, propôs à Rússia a renovação do Tratado de Resseguro. Alexandre III aceitou a renovação do acordo, principalmente por recear ver Berlim apoiar incondicionalmente a política balcânica da Áustria-Hungria.

Bismarck, em confronto com o novo imperador, Guilherme II, apresentou a sua demissão em março de 1890. Considerando o Tratado de Resseguro como desleal porque era contrário ao espírito da Tríplice Aliança, Guilherme II recusou a sua renovação em 1892. Ao tomar esta atitude, o imperador alemão e o seu chanceler iniciavam o abandono do sistema de alianças de Bismarck. Por que razão se deu esta mudança política? Kissinger aponta três razões: primeiro, tratou-se de simplificar a política externa da Alemanha, construída por Bismarck, para a qual os novos governantes não se encontravam à altura de prosseguir; segundo, eles desejavam assegurar à Áustria que os termos da Tríplice Aliança constituíam a prioridade; terceiro, consideravam que o Tratado de Resseguro constituía um obstáculo a uma futura e desejável aliança com o Reino Unido. À política de Bismarck, que procurou isolar a França e impedir a construção de possíveis coligações contra a Alemanha, seguiu-se uma política em que a própria Alemanha se isolou, restringindo as suas opções à Tríplice Aliança. Não existindo obrigações entre a Alemanha e a Rússia, a Áustria-Hungria sentia maior liberdade para aumentar a sua influência nos Balcãs. A Rússia ficava liberta para se aliar com a França.

sábado, 5 de abril de 2025

A Tríplice Aliança

Em 1882, a Itália juntou-se à Alemanha e à Áustria-Hungria. A Aliança Dual transformou-se na Tríplice Aliança que iria durar até ao início da Primeira Guerra Mundial. Foi a Itália que tomou a iniciativa de pedir para aderir ao sistema de Bismarck. O objetivo da Itália era quebrar o isolamento e assumir uma maior participação na cena internacional.

A Itália tinha-se mantido afastada dos movimentos diplomáticos das Potências Centrais. Aparentemente, o aliado natural da Itália seria a França, aliado na Segunda Guerra da Independência Italiana (26 de abril de 1859 - 12 de junho de 1859), embora o seu apoio tenha sido pago com Nice e Savóia. Após esta intervenção ao lado dos italianos e para obter o apoio do partido católico francês, Napoleão III alterou a sua política externa e assumiu-se como garante da integridade dos territórios da Igreja. Esta nova política foi ao ponto de as tropas francesas, ao lado das tropas pontificais, derrotarem um exército de Garibaldi na Batalha de Mentana (3 de novembro de 1867). Mas assim que os franceses começaram a sofrer derrotas frente aos prussianos e seus aliados, na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), as forças italianas ocuparam Roma e estabeleceram aí a sua capital. Quando em França se instalou a política de direita, clerical, da Ordre Moral, que manteve uma maioria até 1887, a Itália ficou apreensiva porque temia uma ação francesa de apoio ao Papa. Restava-lhe, assim, virar-se para a Alemanha, onde Bismarck travava também uma luta contra o clero católico alemão num processo que ficou conhecido como Kulturkampft.


Após a queda do Império Francês, em 1870, as relações entre a França e a Itália não sofreram alterações significativas. A França era também o principal credor da dívida pública italiana (80%) mas, apesar disso, a Alemanha era, cada vez mais, o mercado preferido de exportação e importação para os italianos. Na Alemanha, os italianos adquiriam o carvão e outras matérias-primas e era para lá que exportavam os seus produtos agrícolas. A hostilidade dos agricultores franceses aos produtos agrícolas italianos provocou esta mudança. Além disso, as comunicações com a Alemanha estavam muito facilitadas após a construção do Túnel de São Gotardo entre 1872 e 1880. Esta obra de engenharia permitia uma ligação muito mais fácil entre a Itália e a Áustria e, a partir daí, com a Alemanha. Por outro lado, o notório crescimento alemão e o lugar de topo que a Alemanha tinha adquirido na Europa mostrava que, se a Itália desejava ascender ao estatuto de grande potência, era com a Alemanha que teria de estreitar os seus laços. O prestígio que a Itália esperava obter desta forma permitir-lhe-ia alcançar o reconhecimento externo, mas seria também uma ajuda para a resolução dos seus problemas internos.


Mas havia questões de outra natureza que afastaram a Itália da França e a levaram a colocar-se ao lado das Potências Centrais. A Tunísia era um Estado quase independente. Como Estado, tinha as suas próprias forças armadas e geria as suas finanças e, desde 1864, possuía uma Constituição que previa a separação de poderes. No entanto, a Tunísia encontrava-se sob a soberania otomana. Por esta razão, as potências europeias não tinham embaixadores na Tunísia, mas apenas representantes. A economia da Tunísia era fraca e, em 1864, um dos seus dirigentes fugiu do país com uma quantia de dinheiro superior às receitas fiscais de um ano. A Tunísia tinha recorrido e continuou a recorrer a empréstimos na Bolsa de Paris. As condições impostas à Tunísia eram muito duras, mas os empréstimos continuaram a disponibilizar o dinheiro considerado necessário. Até que o Estado da Tunísia chegou a uma situação de bancarrota.





Desde há muito tempo que a influência francesa era preponderante na Tunísia. Esta influência era canalizada por duas vias: a proximidade da Argélia, que os franceses tinham invadido em 1830, e o empenhamento financeiro da França. No entanto, os maiores interesses coloniais na Tunísia eram britânicos. Mas o principal interesse britânico era de ordem estratégica, pois o triângulo Tunísia-Malta-Sicília dominava o acesso ao Mediterrâneo Oriental. Malta era então uma colónia britânica. Os Italianos também estavam interessados na Tunísia. A História ligava a Itália à antiga Cartago que foi uma colónia romana após a Guerras Púnicas. Apesar da escassez de recursos, os italianos tinham grandes ambições coloniais. O que é certo é que, na Tunísia, a colónia italiana era cerca de vinte vezes mais numerosa que a colónia francesa. Após a derrota de 1870, a França viu a sua influência diminuída para, mais tarde, voltar a crescer durante o governo do bey Khayr al-Dïn que procurava conciliar a aproximação à França com a lealdade devida ao Império otomano.


A questão da Tunísia foi causa de antagonismos entre as potências europeias. No Congresso de Berlim, de 1878, a questão foi alvo de discussão entre as potências europeias e Bismarck aproveitou a oportunidade para incentivar a França a canalizar as suas energias para o Norte de África. O Egipto era um país pelo qual a França se interessava mais. Desde o tempo de Napoleão Bonaparte que os franceses exerciam ali uma forte influência. A construção do Canal de Suez, terminada em 1869, foi uma realização francesa. No entanto, para os britânicos, esta era uma obra essencial que diminuía consideravelmente a extensão das comunicações entre as Ilhas Britânicas e a Índia. A 8 de abril de 1876, o Estado Egípcio abriu falência. Como consequência, foram nomeados controladores financeiros internacionais: dois franceses, dois britânicos, um austríaco e um húngaro. Os departamentos das Finanças e das Obras Públicas foram confiados a ministros europeus. As condições impostas ao Egipto deram origem a uma revolta em 1881 e à intervenção, em maio do ano seguinte, de uma esquadra anglo-francesa. A ordem foi restabelecida, mas as forças que permaneceram para protegerem o Canal do Suez eram britânicas. Com o consentimento tácito do Reino Unido que ficava com o controlo do Egipto, a França voltou-se para a Tunísia, desembarcou 30.000 homens e transformou aquele país num protetorado francês. Os Italianos perderam assim a sua influência na Tunísia e a oportunidade de iniciar a construção de um império colonial. Mas a Itália tinha outros problemas territoriais.



Guilherme I e Bismarck recebem o pedido de adesão da Itália ao sistema de alianças da Alemanha com pontos de vista diferentes. Para Guilherme I, era importante não esquecer o apoio da Itália em 1866, na guerra contra a Áustria, independentemente da sua eficácia. Bismarck, inicialmente muito cético quanto à admissão daquele Estado na sua rede de alianças – a fraqueza militar e políticas externas dúbias contribuíram para essa forma de ver a Itália – mas acabou por admitir que os exércitos italianos poderiam, se outra utilidade não tivessem, obrigar os franceses a empenharem forças na proteção das suas fronteiras alpinas.


A ligação entre a Itália e a Áustria-Hungria era mais problemática, especialmente da parte da Itália. As regiões de Trentino, Tirol e Trieste estavam sob controlo da Áustria-Hungria. Eram a Italia irredenta, que parte importante da opinião pública pretendia ver integrada no Reino Italiano. Enquanto a Itália se mantivesse na Tríplice Aliança, teria de renunciar a esses territórios. Este era um obstáculo importante que a opinião pública italiana colocava à entrada da Itália numa aliança com a Alemanha e a Áustria-Hungria. O Rei Humberto I viu nesta aliança um meio de afirmar a solidariedade monárquica dos soberanos europeus face à ameaça revolucionária, que então se fazia sentir em Itália, e foi ele quem deu o passo decisivo ao viajar até Viena, o que significava o abandono da política irredentista.




O tratado que instituiu a Tríplice Aliança era um tratado secreto, com carácter estritamente defensivo. Foi assinado a 20 de maio de 1882. Este tratado foi vantajoso principalmente para a Itália porque, desta forma, quebrou o isolamento e assegurou a sua segurança no caso de, em França, o Partido Católico regressar ao poder e colocar em causa a anexação de Roma pelo Estado Italiano. A Alemanha garantiu, com este tratado, um aliado contra a França e a Áustria-Hungria, em caso de guerra, não teria de combater em duas frentes, contra a Rússia e contra a Itália. A Tríplice Aliança manteve-se, com alguns ajustamentos, até ao início da Primeira Guerra Mundial. Até 1887, Bismarck tinha conseguido manter num mesmo sistema de alianças, a Alemanha, a Áustria-Hungria, a Itália e a Rússia. Aprofundar-se o isolamento da França.

A Aliança Dual e a Liga dos Três Imperadores

O Congresso de Berlim de 1878 teve consequências importantes. Materializou mais um passo no sentido da desintegração do Império Otomano. As Grandes Potências europeias reunidas em Berlim estabeleceram novas fronteiras nos Balcãs. O desenho do novo mapa foi feito conforme os interesses daquelas potências sem terem em conta os interesses das minorias nacionais que aspiravam a libertarem-se do domínio otomano. Apareceram vários pequenos principados e não foi criado nenhum Estado suficientemente forte, com capacidade para unificar os territórios que se libertavam do Império Otomano. As grandes potências encontraram, desta forma, um terreno fértil para exercerem a sua influência, especialmente a Áustria-Hungria e a Rússia, que mantiveram as suas rivalidades.

As relações entre a Alemanha e a França tornaram-se menos tensas. A França, que, tal como a Alemanha, não tinha interesses a defender nos Balcãs, foi convidada a participar no Congresso de Berlim. Este facto significou que a própria Alemanha reconhecia a posição da França entre as grandes potências. Para desanuviar das relações entre os governos destes dois Estados contribuiu o sucesso que os republicanos franceses tinham tido nas eleições de 1877. Menos radicais que os partidos de tendência monárquica, tendiam a normalizar as relações com a Alemanha, embora não esquecessem a questão da Alsácia-Lorena.

Já a Rússia, que tinha invadido os territórios do Império Otomano e os seus exércitos tinham chegado às portas de Constantinopla, sentiu-se prejudicada com as imposições do Congresso. Foi obrigada a devolver parte dos territórios anexados na região do Cáucaso e teve que aceitar a divisão da Bulgária. Para os russos, Bismarck tinha favorecido a Áustria-Hungria em prejuízo do Império Russo. Sendo esta a sua perceção, o czar decidiu retirar-se da Liga dos Três Imperadores. O problema da rivalidade daquelas potências e o fim da Liga dos Três Imperadores deixaram claro que a Áustria-Hungria e a Rússia dificilmente poderiam manter-se no mesmo sistema de alianças. Assim, Bismarck teve que decidir com qual das potências interessava manter a ligação mais estreita. O seu objetivo principal, apesar da melhoria de relações, continuava a ser o de manter a França isolada. Embora fosse pouco provável uma aliança entre a França republicana e o Império Russo, este facto não deixou de causar forte preocupação na Alemanha e de ensombrar o desanuviamento que começava a verificar-se nas relações franco-alemãs. Como explicou Kissinger, «a Alemanha era demasiado forte para permanecer distante das outras potências, pois isso podia uni-las contra ela [...] A Alemanha era um gigante que necessitava de amigos.»

Bismarck começou a construir um sistema de alianças que tinha dois objetivos: impedir a coligação de potenciais adversários da Alemanha e restringir as ações dos seus parceiros. Embora Guilherme I tivesse preferência por manter uma relação mais estreita com a Rússia, Bismarck privilegiou a relação com a Áustria-Hungria. Desde 1871, quando foi criado o Império Alemão, a situação mais favorável para a Áustria era a de uma aliança com a Alemanha, que lhe proporcionaria apoio em caso de conflito com a Rússia. No entanto, as aspirações austríacas nos Balcãs, onde se chocavam os interesses austro-húngaros e russos, fizeram com que Bismarck procurasse não se envolver nessa questão para não provocar atritos com a Rússia. A solução que então tinha sido encontrada era a de a Alemanha manter uma ligação com aquelas duas potências, o que se materializou na Liga dos Três Imperadores, que acabaria por não sobreviver à crise balcânica de 1875-1878.

No dia 7 de outubro de 1879, em Viena, a Alemanha e a Áustria-Hungria assinaram um tratado de aliança que ficou conhecido como Aliança Dual. O Tratado foi assinado pelos representantes da Alemanha e da Áustria-Hungria, o Príncipe Henrique VII de Reuss-Köstritz (1825-1906) e Gyula Andrássy (1823-1890), respetivamente. O Artigo 1.º daquele tratado estipulava que, se qualquer uma das duas potências fosse atacada pela Rússia, a outra prestar-lhe-ia apoio com todo o seu poder militar e a paz só seria concluída de comum acordo. O Artigo 2.º estabelecia que se uma das potências contratantes fosse atacada por uma terceira potência que não a Rússia, a outra potência contratante não apoiaria o agressor e, no mínimo, assumiria uma atitude de neutralidade relativa ao seu parceiro do Tratado. No entanto, se uma terceira potência atacasse qualquer uma das partes com o apoio da Rússia, seriam acionadas as obrigações previstas no artigo anterior. O Artigo 3.º estabelecia a duração do Tratado por cinco anos após a sua ratificação e as condições em que seria renovado por períodos sucessivos de três anos. O Artigo 4.º estipulava o carácter secreto do Tratado a menos que o crescente poder militar da Rússia constituísse uma ameaça para qualquer das partes e, para este caso, ficou estabelecido que o czar da Rússia devia ser informado dos termos do Tratado, pelo menos confidencialmente. Finalmente, o Artigo 5.º referia um prazo de catorze dias para a ratificação do Tratado (Ver o texto da Aliança em http://www.firstworldwar.com/source/dualalliance.htm).




Com esta aliança, a Áustria-Hungria não era obrigada a envolver-se numa guerra entre a Alemanha e a França. Já a Alemanha, dificilmente poderia manter uma situação de neutralidade se a Áustria-Hungria se envolvesse em conflitos nos Balcãs, pois, seguramente, esse conflito implicaria a intervenção russa. Assim, não estava afastada a possibilidade de um quadro desfavorável à Alemanha, aquele em que a Rússia e a França se unissem e lançassem ataques simultâneos sobre as suas fronteiras, a oriente e a ocidente. Desta forma, era importante para a Alemanha conseguir uma aproximação com a Rússia e foi nesse sentido que Bismarck agiu. A sua ideia, conforme ficou expresso numa carta que escreveu ao embaixador alemão em Viena, em outubro de 1879, ainda antes da assinatura do tratado com a Áustria-Hungria, era a de fazer a Rússia sentir os inconvenientes do isolamento, o que a Rússia já tinha sentido no conflito com a Turquia em 1877-1878.


Para conseguir os seus objetivos, Bismarck começou por procurar estabelecer uma ligação com o Reino Unido, cujos interesses na Ásia Central estavam em colisão com os interesses russos. No entanto, Disraeli limitou-se a declarar que, no caso de um conflito entre a Alemanha e a Rússia, o Reino Unido estaria disposto a ligar-se à Alemanha. No que respeita à França, o primeiro-ministro britânico comprometeu-se apenas a estar atento às atitudes francesas. Bismarck considerou as respostas Britânicas insuficientes, mas os contactos estabelecidos foram o suficiente para inquietar a Rússia.


A Rússia tinha ficado isolada no Congresso de Berlim. O Reino Unido tinha tomado a iniciativa de proteger a Turquia e continuaria a fazê-lo para que a Rússia não dominasse os estreitos do Bósforo e de Dardanelos. Se necessário, as forças britânicas atravessariam os estreitos e atacariam a Rússia através do Mar Negro; atingiriam a Ucrânia, a parte mais rica e também a mais vulnerável do Império Russo. Para conter os britânicos, os russos procuraram um aliado no Mediterrâneo. A Itália não queria colocar-se numa posição contra a Grã-Bretanha e a Rússia não estava disposta a uma aliança com a França que tinha apoiado os britânicos na Conferência de Berlim. Assim, restava-lhe preservar a sua tradicional amizade com a Prússia (agora a Alemanha). Do ponto de vista dos russos, se a Alemanha não tinha interesses nos Balcãs, podia apoiar os russos, ali e nos estreitos. Os Russos entendiam que podiam levar a Alemanha a pressionar a Áustria-Hungria em defesa dos interesses da Rússia. «Bismarck construiu a nova Europa; agora tinha de preservá-la.» Essa era a principal preocupação de Bismarck.


No final de setembro de 1879, um diplomata russo foi enviado a Berlim e tiveram início negociações para uma reaproximação entre a Alemanha e a Rússia. O Chanceler russo Alexandre Gorchakov (1798-1883) foi, entretanto, substituído por Nikolay Karlovich Girs (1820-1895), «grande admirador da diplomacia bismarquiana.» Ambos os imperadores eram favoráveis à aproximação. Além disso, uma aliança com a República Francesa parecia difícil de ser concretizada, principalmente após a França recusar a extradição de Hartmann, um terrorista acusado de ter feito explodir o comboio onde a família real russa deveria viajar. Na eventualidade de um conflito anglo-russo, interessava à Rússia, pelo menos, a neutralidade da Alemanha e da Áustria-Hungria. Esta última, ciente das divergências relativas à situação dos Balcãs, não tinha interesse num tratado com a Rússia. Foi necessária uma grande pressão da Alemanha para, a 18 de junho de 1881, assinar um tratado que renovava o Acordo dos Três Imperadores, e que ficou conhecido como Liga dos Três Imperadores (Dreikaiserbund).


Ao ser estabelecida a Liga dos Três Imperadores, com base num tratado formal, o que não acontecera no caso do Acordo dos Três Imperadores, não foi suprimida a aliança entre a Alemanha e a Áustria-Hungria – a Aliança Dual. Os principais objetivos de Bismarck, ao restabelecer esta Liga, eram o isolamento da França e a aproximação entre a Rússia e a Áustria-Hungria. Para esta, os benefícios da aliança com a Rússia não eram claros. A Áustria-Hungria teria preferido estabelecer uma ligação com o Reino Unido. Ambas as potências, Áustria-Hungria e o Reino Unido, tinham interesse em bloquear o avanço da Rússia em direção aos estreitos. No entanto, a alteração do governo no Reino Unido - saída de Benjamin Disraeli (1804-1881)e entrada de William Ewart Gladstone(1809-1898) impediu a concretização desse objetivo austro-húngaro.


No articulado do tratado que restabelece a Liga dos Três Imperadores encontram-se, entre outros, os seguintes pontos essenciais:

  • Neutralidade benevolente das duas outras potências se a terceira estiver em guerra com uma quarta potência;
  • A Áustria-Hungria e a Rússia comprometiam-se a não alterar unilateralmente o status quo nos Balcãs.

Num protocolo em separado, previa-se a possibilidade de a Áustria-Hungria anexar a Bósnia e a Herzegovina, que estavam já sob a sua administração desde o Congresso de Berlim de 1878. No mesmo protocolo previa-se também que a Rússia poderia agrupar num único Estado o Principado da Bulgária e a Rumélia Oriental.


Nos termos do primeiro ponto acima indicado, a Alemanha ficava protegida de uma guerra em duas frentes na possibilidade de um conflito com a França pois, neste caso, podia contar com a neutralidade da Rússia. Esta, por sua vês, contava com a neutralidade alemã e austríaca em caso de conflito com o Reino Unido. Como este tratado não anulou a Aliança Dual, mantinha-se o compromisso da Alemanha em defender a Áustria contra qualquer agressão.





A Áustria-Hungria, que não desejava o tratado, pois não retirava nenhum benefício das suas cláusulas, viu-se obrigada a assiná-lo para não ficar isolada. Este sistema de alianças construído por Bismarck foi alargado em 1882 com a entrada da Itália e a transformação da Aliança Dual em Tríplice Aliança. Até 1885, não houve acontecimento que viesse perturbar a paz ou pôr em causa este sistema de alianças. A Liga dos Três Imperadores foi renovada em 1884, para durar mais três anos. Por fim, em 1887, a Rússia denunciou o tratado e a Liga não foi renovada. A razão desta atitude da Rússia estava, mais uma vez, relacionada com os Balcãs.


Embora a Áustria-Hungria e a Rússia se tivessem comprometido, pelo tratado da Liga dos Três Imperadores, a não alterar o status quo nos Balcãs, tal não impediu estas duas potências de procurarem alargar a sua influência na região. Aos poucos, a Áustria-Hungria conseguiu alterar a seu favor o status que tinha sido estabelecido no Congresso de Berlim de 1878. Os principados em que a Áustria-Hungria fez sentir a sua influência foram a Sérvia, a Roménia e a Bulgária.


O Príncipe da Sérvia, Milan Obrenovich (1854-1901), um governante impopular, pediu apoio ao governo austríaco, principalmente recursos financeiros. Em troca desse apoio, Milan Obrenovich assinou em Viena, a 28 de junho de 1881, um tratado secreto pelo qual se comprometia a não fazer alianças externas sem o acordo da Áustria-Hungria e a não permitir que o seu território fosse utilizado como base para qualquer tipo de ameaça contra aquela potência. Como paga por esta subordinação, Milan Obrenovich conseguiu, com o apoio austríaco, obter o título de rei.


Na Roménia, a influência da Áustria-Hungria teve o apoio alemão. O rei Carol (1839-1914) era da família Hohenzollern, o que, só por si, permitia compreender a sua preferência pelos laços com a Alemanha. Além dos laços familiares que o aproximavam da Alemanha, existiam questões que o afastavam da Áustria-Hungria e da Rússia: por um lado, os romenos da Transilvânia e da Bucóvina estavam sob domínio da Áustria-Hungria; por outro lado, em 1878, a Rússia tinha imposto à Roménia a cessão da Bessarábia do Sul, território rico, em troca da região de Dobruja, território pobre. Esta animosidade relativamente à Rússia foi aproveitada por Bismarck para aproximar a Roménia da Áustria-Hungria. Em outubro de 1883, a Roménia e a Áustria-Hungria assinaram um tratado secreto de aliança defensiva, contra a Rússia. Apesar do seu carácter secreto, a Rússia teve conhecimento da sua existência e mostrou o seu desagrado.


Na Bulgária, após o Congresso de Berlim de 1878, os Russos tentaram impor o seu protetorado. Em julho de 1879, a Assembleia Constituinte da Bulgária conferiu o título de Príncipe a Alexandre de Battenberg (1857-1893), um aristocrata de Hesse, com vinte e dois anos, a prestar serviço como oficial no exército russo. Alexandre de Battenberg era sobrinho de Maria Alexandrovna (1853-1920), uma princesa do Grão-Ducado de Hesse, a imperatriz consorte de Alexandre II da Rússia. Também tinha ligações familiares com as casas imperiais da Alemanha e da Grã-Bretanha. Os Ingleses, em particular, conseguiam exercer a sua influência sobre o Príncipe Alexandre da Bulgária, principalmente devido ao seu excelente relacionamento com a Rainha Vitória (1819-1901).


No governo da Bulgária, os ministros da Guerra e dos Negócios Estrangeiros eram russos. Como os russos também controlavam muitos outros postos importantes da Administração, acabaram por controlar a vida económica da Bulgária, o que desagradou à população. Por pressão da opinião pública, o Príncipe Alexandre de Battenberg começou a afastar-se dos russos e aproximou-se do movimento nacionalista liderado por Petko Stoychev Karavelov (1843-1903). Em 1883 exonerou os dois ministros russos e, a 18 de setembro de 1885, com o apoio da população, proclamou a união da Rumélia com a Bulgária. Ficava, desta forma, reconstituída a “Grande Bulgária” tal como tinha sido definida no Tratado de San Stefano em 1878. A principal diferença era que este movimento nacionalista manifestou-se contra os interesses da Rússia, o que desagradou a Moscovo. O Governo russo ordenou aos seus oficiais que se encontravam ao serviço do exército búlgaro que retirassem imediatamente. De um momento para o outro, o exército búlgaro ficou sem o adequado enquadramento em oficiais, o que tornava a Bulgária mais vulnerável a um ataque vindo do Império Otomano. A unificação da Bulgária e da Rumélia Oriental reforçaram a percepção que os Russos tinham de que o Tratado de Berlim (1878) foi uma conspiração austro-alemã destinada a acabar com a influência da Rússia nos Balcãs.


A Rússia decidiu não arriscar uma confrontação com a Áustria-Hungria e a Grã-Bretanha por causa da unificação da Bulgária. No entanto, o Rei Milan I da Sérvia (1854-1901), perante esta violação do Tratado de Berlim, decidiu atacar a Bulgária. A população sérvia não compreendia porque teria de haver uma guerra com o povo que, ao lado dos Sérvios, tinha combatido os Turcos. Para o rei Milan, a unificação daria à Bulgária uma posição vantajosa na luta pela Macedónia. Para o rei sérvio era uma oportunidade para receber compensações territoriais destinadas a compensar a Sérvia pelo crescimento da Bulgária após a união. Tratava-se de preparar a formação da "Grande Sérvia". A Bulgária recusou ceder qualquer território. Encorajado pelo “Partido Militar” da Áustria-Hungria, ele esperava que este ataque fizesse a Rússia chegar ao ponto de declarar guerra à Sérvia o que, nos termos do tratado secreto entre Viena e Belgrado, levaria a Áustria-Hungria a apoiar a Sérvia e a declarar guerra à Rússia.


No dia 13 de novembro de 1885, a Sérvia declarou guerra à Bulgária. As principais forças búlgaras encontravam-se na Rumélia Oriental e os Sérvios calcularam que no dia 20 de novembro estariam em Sofia. Alexandre de Battenberg reuniu apressadamente o seu exército e, no dia 17 de novembro, foi travada a Batalha de Slivnitza que terminou no dia 19 com as forças búlgaras a infligirem uma pesada derrota aos Sérvios. Após esta batalha, as forças búlgaras invadiram a Sérvia e, nos dias 26 e 27 de novembro, travaram a Batalha de Pirot, outra vitória dos Búlgaros. A Sérvia foi salva pela Áustria-Hungria que insistiu na retirada das tropas búlgaras ou, no caso de não o fazerem, entraria na guerra ao lado da Sérvia. A 3 de março de 1886, foi assinado o Tratado de Bucareste e o status quo restaurado nos Balcãs. O tratado tinha um único artigo com a seguinte redacção: «A paz é restabelecida entre o Reino da Sérvia e o Principado da Bulgária, a partir da data da assinatura do presente tratado.» Foi também assinado um protocolo, pelas principais potências europeias, que alterava algumas das normas estabelecidas pelo Tratado de Berlim (1878). Ficou oficialmente estabelecido que o Governo-Geral da Rumélia Oriental seria atribuído ao Príncipe da Bulgária.


Os Russos decidiram intervir de outra forma: foi organizada uma conspiração que, a 21 de Agosto de 1886, provocou a queda de Alexandre de Battenberg. Este, apesar de ter o apoio da generalidade dos Búlgaros, foi obrigado a abdicar no dia 7 de setembro de 1886. No entanto, quando o Parlamento Búlgaro se reuniu para escolher um novo príncipe, designou Fernando de Saxe-Coburgo (1861-1948), que depressa se mostrou contrário à política da Rússia.


Desde o Congresso de Berlim (1878) que a Rússia vinha a perder influência nos Balcãs e acusou a Áustria-Hungria de provocar essa situação que punha em causa a clausula do tratado que restabelecia a Liga dos Três Imperadores que obriga as duas potências a manterem o status quo na região. Em 1887, ao terminar mais um período de três anos, a Rússia recusou renovar a Liga dos Três Imperadores. No sistema de alianças de Bismarck subsistia a Tríplice Aliança, instituída em 1882, formada pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália. A Rússia ficava liberta para uma aproximação à França.